O YouTube é um monopólio, eu não posso depender dele, diz Felipe Neto
Segundo youtuber ou "influenciador" no país, com 14,3 milhões de inscritos e há sete anos na plataforma, Felipe Neto está tentando escapar.
"Não posso depender disso para a minha vida", diz. "Se amanhã o YouTube decide mudar uma variável do algoritmo de recomendação, diminui a minha audiência para a metade. Da noite para o dia."
Com canais como Parafernalha, vendido em 2015, Neto ganhou o bastante para trocar o Engenho Novo, zona norte do Rio, pela mansão recém-comprada na Barra da Tijuca.
Ele lança agora aplicativo próprio, montado com João Pedro Paes Leme, ex-diretor da Globo, para não depender mais da plataforma. "Hoje no entretenimento digital o YouTube é um monopólio de vídeo", justifica, em entrevista.
Folha - Por que apostar fora do YouTube, neste momento?
Felipe Neto - Eu vi uma tendência global de migração de plataforma. O YouTube é hoje a TV aberta da internet. O conteúdo é gratuito, e é onde está o volume de massa de visualização: 90% da audiência dos canais acontece porque as pessoas estão navegando no próprio YouTube. Só 10% vêm do Facebook ou porque alguém falou. É um volume muito grande, que faz do YouTube um monopólio. Hoje no entretenimento digital o YouTube é um monopólio de vídeo.
E o aplicativo?
É uma espécie de TV paga. O YouTube permanece, mas cria-se uma plataforma própria, de conteúdo tanto gratuito quanto para assinante. Isso começou nos EUA, com pequenos influenciadores, até que a Kylie Jenner, um dos fenômenos mundiais, lançou o aplicativo e, na primeira semana, faturou mais de US$ 30 milhões só com assinaturas.
Não há uma reação do YouTube, aos que saem?
A minha relação com o YouTube é desgastada. Sempre questionei decisões arbitrárias. O YouTube é uma plataforma gigantesca, que eu amo de paixão, mas ela é operada por pessoas. E várias decisões me levaram a questionar, muito. Foi uma das coisas que me fizeram perceber que não posso ter a minha vida inteira baseada numa plataforma. Se amanhã o YouTube decide mudar uma variável do algoritmo de recomendação, ele diminui minha audiência para a metade. Não posso depender disso para o resto da vida. A criação do aplicativo é uma independência do YouTube.
Concorrentes, agora?
A criação de plataformas próprias é mais ameaça ao YouTube do que o Facebook. Os aplicativos não disputam anunciantes, então, para os olhos do YouTube, não é perda. Mas ele vai ver como quebra de monopólio, porque o fã passará menos tempo. Em anunciantes, não é concorrente. Em "watching time", é.
Pode citar um dos casos de desgaste com o YouTube?
Foram muitos. Recentemente falei, numa transmissão minha, sobre como os funcionários brasileiros têm tendência para favorecer, como o profissional de marketing escolhe influenciadores para fazer coisas usando gosto pessoal, não meritocracia.
Para eventos?
Para botar dinheiro, para fazer campanhas, divulgação. Isso fica evidenciado, por exemplo, no YouTube Rewind de 2016. É a celebração dos maiores criadores da plataforma no ano, quem mais fez visualização, quem mais ganhou inscrito. E o de 2016 foi com Whindersson, o que é justo, porque ele foi o maior, mas também Porta dos Fundos. Porta dos Fundos teve o pior ano da sua história.
Sempre apontei para o YouTube: "Por que vocês decidem quem vai crescer e diminuir baseado em gosto pessoal?". Mas está certo, é uma empresa privada. Eles têm todo o direito de não me chamar para nada, mas eu tenho todo o direito de buscar alternativas.
Como você chegou na FanHero, que faz o aplicativo?
Foi indicação do João Pedro Paes Leme, presidente da Take4, empresa que agora está por trás de tudo o que eu crio. Os dois criadores da FanHero, de Orlando, são brasileiros, com sócios gringos. Faltava para eles o conteúdo. Eu falei, "Vamos quebrar barreiras no Brasil". Eles já lançaram o aplicativo do Corinthians, mas o meu é o grande "case", mundial, da FanHero.
Como foi a sua trajetória, no YouTube e antes?
Montei três microempresas que deram errado, até abrir a Parafernalha, que deu muito certo. O entretenimento digital foi uma porta para poder fazer isso, empreender. Minha profissão era designer gráfico. Fiz faculdades, mas incompletas, desenho industrial, direito e o teatro, na CAL [Centro das Artes de Laranjeiras].
Você fez peças?
Passei a juventude dentro de teatro. Fiz o Salete Bernardi no Méier, fiz o Ecoa, que era um projeto para pessoas carentes, fiz a CAL. Eu era aquele ator frustrado, Stanislávski, "todo mundo que está na Globo é vendido", aquela coisa besta. Até entender que, para viver da maneira que mais ama, você precisa fazer o popular. A criação do [canal de YouTube] Não Faz Sentido passou muito por isso. Fiz várias peças, mas todas ali no subúrbio do Rio, Engenho de Dentro, Engenho Novo, Méier. Amava demais aquilo tudo.
Você vive um personagem no YouTube, que até já refez.
Exato. A interpretação me deu a capacidade de reinventar as personas que faço. Quando precisei de um cara agressivo, construí. Quando precisei de um cara amoroso, construí. Embora hoje seja parecido com quem sou na vida, ainda assim uso os artifícios, de respiração, fala, porque não sou naturalmente um cara engraçado, que faz piada. Pelo contrário, sou quieto. Quando ligo a câmera, busco essa persona extrovertida, que fala alto. Busco no teatro, não na minha naturalidade, porque o vídeo seria um saco.
Em janeiro você faz 30 anos. Está fazendo algum balanço? Em parte é por isso que está estabelecendo o aplicativo?
Acho que sim. Estourei no YouTube pirralho, 22 anos. Da noite para o dia, fiz sucesso maior na vida do que imaginava poder fazer. Era um menino, cheio de preconceitos. Eram vídeos com preconceitos estarrecedores, em 2010, que você vê hoje e fala, "Como assim?". Era caga-regra, arrogante. Na vida real, continuava sendo o mesmo banana, mas aquele cara ali pensava que tinha todas as respostas. Achava o funk abominável, hoje o Kevin é meu amigo.