Polícia

Estuprador ajudava família de menino deixado com ele em cela de presídio

Por Folha de São Paulo 04/10/2017 09h09
Estuprador ajudava família de menino deixado com ele em cela de presídio
Criança de 11 anos foi encontrada em cela de acusado de estupro de vulnerável no Piauí - Foto: Sinpoljuspi/Divulgação

Um menino de 13 anos foi encontrado dentro de uma cela com um preso condenado por estupro de vulnerável na colônia agrícola Major César de Oliveira, em Altos, região metropolitana de Teresina.

O caso foi descoberto no início da madrugada de domingo (1), quando agentes penitenciários observaram que, ao término do período de visita, um visitante não havia saído do presídio do Piauí.

Agentes de plantão entraram em todas as celas e encontraram o menino sem camisa, escondido sob a cama de José Ribamar Pereira Lima, 65, condenado por dois estupros de vulneráveis em Aroazes (a 219 km de Teresina), ocorridos em 2008 e 2009.

O menino, que disse já ter dormido no presídio anteriormente, passou quase 16 horas dentro do local, que tem capacidade para 290 detentos, mas abriga 380.

Ele foi levado ao local pelo próprio pai, que, à Folha, negou ter recebido recompensa financeira para deixar o filho com o preso na cela. Ele disse que o detento é seu "compadre" e que não viu nenhum perigo em deixá-lo lá.

Segundo policiais, o pai do garoto disse que o preso ajuda a família e às vezes dá presentes para os filhos. Questionado pela reportagem, o pai só confirmou receber a ajuda na alimentação. "Ele [o preso] dá algumas coisas para a gente comprar arroz, feijão."

COLEGA DE PRISÃO

"Foi o menino que pediu para ficar com ele [o preso]. Eu deixei porque no outro dia ia trabalhar lá [no presídio]. Não sabia que ia dar o BO. Eu não sabia que ele era estuprador, ele me enganou e me disse que tinha apenas matado a mulher", afirmou o pai do menino deixado na cela.

Já a mãe do garoto disse à polícia que o filho ficou no presídio sem sua autorização.

O detento Pereira Lima negou que tenha abusado do menino de 13 anos, mas não quis dar mais detalhes.

Na delegacia, o pai do garoto disse que conheceu o preso há dois anos, quando foi condenado a dez anos por estupro de vulnerável e cumpriu a pena em regime semiaberto. Os dois dividiram a mesma cela na colônia penal e, há seis meses, o pai ficou livre.

"Vim visitar meu compadre, trabalhávamos na plantação de feijão, melancia e produção de carvão", disse.

Após deixar o filho no presídio e retornar à cadeia no dia seguinte, o casal recebeu ordem de prisão e foi levado para a central de flagrantes de Teresina. Após depoimento, foram liberados. A criança continua com os pais.

Laudo de exame deu resultado negativo para estupro do menino, mas o delegado Jarbas Lopes de Araújo Lima, que investiga o crime, disse não descartar que o garoto tenha sofrido abuso sexual. "Não está descartada a prostituição infantil e vai depender do depoimento do menor, dos pais e do detento."

A polícia abriu inquérito e ouviu nesta terça (3) o garoto, os pais e o preso. Segundo o delegado, ao menos dois crimes já estão configurados: abandono de incapaz e ato vexatório contra a vítima.

A Secretaria de Justiça do Piauí abriu sindicância para investigar o caso. A investigação, que deve ser concluída em 30 dias, vai apurar em que circunstâncias a criança foi deixada na unidade e apontar responsáveis pelo ocorrido.

NOÇÃO DE GRAVIDADE

O garoto disse ao Conselho Tutelar que ficou no presídio porque o pai pediu. O menino prestou depoimento a um grupo composto por conselheiro, psicólogo e assistente social.

"Ele relatou que não foi abusado e que, quando o pai estava preso, ele dormiu também no presídio junto com sua mãe", disse o conselheiro Romeu Santos Araújo.

O garoto e os pais moram em Mucuim, zona rural de Teresina. O conselheiro informou que o garoto não estava visivelmente abalado "por não ter noção da gravidade".

O presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Piauí, José Roberto Pereira, disse que a criança não poderia ter acesso às celas por ser menor de 18 anos sem autorização judicial prévia. "Não existe cadastro de crianças que visitam presos na Major César e isso é muito grave."

A direção do presídio diz que a entrada de crianças é autorizada sem restrições. O vice-presidente do sindicato, Kleiton Holanda, disse que o menino de 13 anos relatou a agentes penitenciários que teve suas partes íntimas tocadas pelo preso.

"Não houve conjunção carnal porque os agentes penitenciários chegaram a tempo e evitaram o pior. Há suspeita muito forte de que essa criança foi levada para ser violentada durante a noite. É um caso estarrecedor", disse.

Segundo o sindicato, o preso foi espancado pela direção do presídio como castigo por ter mantido o garoto dentro da cela. A secretaria estadual informou que está "apurando o suposto espancamento".

Os presídios do Piauí estão superlotados, com 4.650 presos, e suas unidades têm, ao todo, capacidade para 2.220. Outros casos de menores de idade dentro de presídios e delegacias do país já tiveram ampla repercussão.

Um dos mais emblemáticos foi o da então adolescente de 15 anos que, em 2007, passou 26 dias presa com cerca de 30 homens numa cadeia de Abaetetuba (PA).

Ela, que sofreu torturas e estupros diários e teve seus cabelos cortados para que parecesse homem, foi apreendida após tentativa de furto de celular. A delegada fez a prisão em flagrante sem conferir idade e identidade, e a menina foi colocada na cela com os detentos. Um preso da delegacia acionou o Conselho Tutelar após ser solto.