Brasil

Moro e juíza do Rio determinam transferência de Cabral para presídio no Paraná

Peemedebista deverá ser levado para presídio ocupado por outros presos da Lava-Jato

Por O Globo 18/01/2018 17h05
Moro e juíza do Rio determinam transferência de Cabral para presídio no Paraná
Depoimento de Sérgio Cabral na Lava-Jato - Foto: Agência O Globo

Os juízes Sergio Moro, de Curitiba, e Caroline Vieira Figueiredo, do Rio, determinaram a transferência do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) da Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, para um presídio no Paraná. O peemedebista deverá ser levado para o Complexo Médico de Pinhais, na Grande Curitiba, na ala já ocupada por outros presos da Operação Lava-Jato.

Moro afirma que se o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, entender que a transferência não é pertinente no momento, ele poderá ser informado e reavaliar a decisão. No entanto, logo em seguida, a juíza substituta da 7ª Vara Federal Criminal do Rio deu a decisão. Bretas está de férias. Os pedidos para a transferência de Cabral foram feitos pelo Ministério Público em Curitiba e no Rio. Por isso, duas decisões de juízes diferentes.

Reportagem publicada pelo GLOBO nesta quinta-feira mostra que o ex-governador tinha direito a regalias dentro do presídio. Por isso, o Ministério Público pediu que ele fosse transferido para Curitiba.

Cabral foi preso preventivamente em 17 de novembro de 2016, quando foram cumpridos mandados de prisão expedidos pela Justiça Federal de Curitiba e do Rio de Janeiro, na operação “Calicute”, coordenada pelo MPF nos dois estados.

Entre as irregularidades o MP registrou entrega a Cabral de envelope com cédulas e visitas em dias em que elas não são permitidas. Uma das pessoas que visitaram Cabral em dia não permitido aos demais presos foi o deputado federal Marco Antonio Neves Cabral, filho do ex-governador.

O relatório indica ainda que Cabral estaria recebendo cédulas de dinheiro, enviadas por um mensageiro. Além disso, possuia estoque de alimentos, comida semi pronta e equipamentos de como sanduicheira elétrica e halteres. A juíza diz que os fatos relatados são "extremamente graves".

"Assim, ao que tudo indica, essa falta de fiscalização decorre da condição do custodiado de ex-governador do estado do Rio de Janeiro, o que só poderá ser contornado diante de sua transferência para outro estado", afirma a juíza ao determinar a transferência. "O procedimento adotado em relação a Sérgio Cabral é completamente contrário ao impingido aos demais encarcerados do Sistema Prisional, com o que o Poder Judiciário não pode concordar", diz a magistrada em outro trecho.

A magistrada cita ainda o episódio da instalação da videoteca no presídio em Benfica e diz que as diligências apuradas pelo Ministério Público Estadual demonstram que Cabral "de fato, exerce controle, quiçá comando, sobre a unidade prisional".

"Assim, ao que tudo indica, Sérgio Cabral teria forjado um documento de doação, com a finalidade de atender a interesses pessoais, tudo isso de dentro do presídio, usando pessoas com baixo grau de instrução e que estavam naquele local prestando um serviço social. Ou seja, mesmo preso, o custodiado parece exercer controle, inclusive em relação a agentes de segurança, considerando o teor dos depoimentos prestados no sentido de que o subdiretor teria dito estar “tudo certo”, acrescentou a juíza.

AINDA INVESTIGADO EM CURITIBA

Moro disse que decidiu sem ouvir a defesa de Cabral por entender "ser urgente a transferência para supressão das irregularidades prisionais e ainda por entender que o condenado não tem direito a escolher o local de cumprimento da pena". Ele promete ainda reexaminar a questão após a manifestação dos advogados de Cabral.

Cabral foi condenado a 14 anos e dois meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro pelo juiz Sergio Moro, por acusado de ter recebido R$ 2,7 milhões da empreiteira Andrade Gutierrez sobre contrato em obra do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O dinheiro foi usado para a compra de bens de consumo.

Ainda há investigação em curso na 13ª Vara Federal do Paraná, por suposto pagamento feito pela Odebrecht a Cabral, também relacionado a obra do Comperj. Ele também já foi condenado em três ações por Bretas. Suas penas já somam 87 anos.

"A fiscalização constatou que a galeria “C”, onde estão recolhidos Sérgio Cabral e outros presos envolvidos nas Operações Lava-Jato, Calicute, Fratura Exposta e C’est Fini, apresentam uma série de privilégios que não seriam possíveis sem a conivência de todos os escalões de segurança da unidade, tais como o provável fornecimento de alimentação por restaurantes, a entrada de objetos em embalagens opacas e lacradas, a instalação de purificadores de água, a existência de colchões de padrão superior, eletrodomésticos e equipamentos de ginástica e a falta de fiscalização das quantias em espécie portadas pelos acautelados", informou o MPF, que se baseou em fiscalização do MP estadual do Rio.

Moro lembrou que Cabral foi denunciado no Rio por falsidades e coação no curso do processo, envolvendo a instalação de uma sala de cinema no presídio.

"É evidente que Sergio de Oliveira Cabral Santos Filho, político vinculado ao Estado do Rio de Janeiro e que já exerceu mandatos naquele Estado de Deputado Estadual, Presidente da Assembléia Legislativa e Governador, possui relevantes conexões com autoridades públicas daquele Estado. No contexto, há um risco concreto de que ele possa utilizar essas relações para, continuamente, obter ou tentar obter privilégios no cárcere. Mantendo-o no Rio de Janeiro, constituirá um verdadeiro desafio às autoridades prisionais ou de controle prevenir a ocorrência de irregularidades e privilégios", disse Moro em sua decisão.

TRANSFERÊNCIA POR 'INTERESSE PÚBLICO'

O juiz afirmou ainda que as condenações de Cabral mostram que ele se associou a autoridades do Rio e empresários locais para obter vantagens indevidas e lavar dinheiro, o que gerou uma "grande rede de influência criminosa" no estado.

Por isso, considerou de "interesse público" retirá-lo do Rio para dificultar seus contatos com os parceiros criminosos e evitar tratamento privilegiado na prisão.

Moro lembrou que a mesma decisão foi tomada em relação ao ex-deputado Eduardo Cunha, que segue preso em Curitiba, longe de seu local de influência. A defesa de Cunha havia pedido a transferência dele para um presídio em Brasília.

No despacho, Moro afirmou que Cabral poderá ser levado para audiências no Rio, nas outras ações penais a que responde, e também poderá acompanhar as audiências de testemunhas por videoconferência para "minorar custos com sucessivos deslocamentos".

VISITAS DIFICULTADAS

Ele reconheceu que a visita dos familiares de Cabral será dificultada pela transferência, mas disse que elas não estão inviabilizadas e que "razões de ordem pública se sobrepõem aos interesses individuais do condenado". Disse ainda que "eventualmente e no futuro" Cabral poderá ser novamente transferido para o Rio, quando for constatada a diminuição de sua influência no estado.

Moro ressaltou que vários presos da Lava-Jato estão no Complexo Médico de São José dos Pinhais, que tem condições adequadas e de segurança para abrigar "quaisquer presos", inclusive condenados por crimes de colarinho branco. Usado desde 2014, lembrou, o presídio nunca registrou incidente de violência em relação aos presos da Lava-Jato.

DEFESA NEGA PRIVILÉGIO

O advogado Rodrigo Roca, responsável pela defesa de Cabral, negou que o ex-governador tenha regalias na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, onde está preso, ou em Bangu 8, onde também ficou detido:

"O ex-governador nunca gozou de benesses indevidas nas unidades em que esteve acautelado. Não acreditamos no acolhimento do pedido, porque a 7ª Vara Federal tem adotado a postura de não interferir em questões ligadas à rotina penitenciária. Seria mesmo incomum que medida tão drástica fosse adotada sem o contraditório e sem a instrução do feito, principalmente em razão dos outros processos que tramitam no Rio de Janeiro e que precisam da participação direta de Sérgio Cabral. A inexistência dos alegados favores ou regalias será provada tão logo a defesa seja chamada a fazê-lo, nos autos", afirmou o advogado de Cabral.