Uma vida na ponta dos dedos: mestre artesão conta a sua história com o barro
João das Alagoas conta como se tornou reconhecido como um dos escultores mais renomados do país
“Tudo o que eu tenho veio do barro”, nos conta o mestre João das Alagoas. Com as mãos ele molda o seu mundo particular. Nascido como João Carlos da Silva, o mestre, residente da pequena cidade de Capela (AL), multiplica em seu ateliê histórias vividas e ouvidas pelo Estado.
Antes mesmo de fazer sucesso com as mãos, João já fazia seu nome com os pés. É que esse negócio de ‘ser bom no que faz’ era com ele mesmo. Apaixonado pelo futebol, e jogando desde menino, o João em questão passou primeiro a ser chamado de João Maravilha. O reconhecimento, porém, foram as suas habilidosas mãos que lhe deram.
Hoje, com 55 anos e muita história pra contar, seu João fala com o brilho no olhar, enquanto esculpe cuidadosamente mais uma obra, como tudo o levou a viver em meio ao barro. Dono de técnicas muito particulares, o mestre hoje ensina outros artesãos. Com algumas peças espalhadas pelo mundo e talento de sobra, João também carrega, desde 2011, o título de Mestre do Patrimônio Vivo do Estado de Alagoas.
Mestre de outros mestres, antes discípulos, João conta um pouco de sua história e como se tornou um dos maiores escultores do país. “Sou autodidata. Aprendi a queimar o barro com uma tia que fazia panelas, o que deu continuidade à tendência que eu já tinha pela arte. Eu sonhava em ter brinquedos de criança, mas não tinha condições de comprar. E foi com o barro que comecei a criar meus próprios brinquedos”, conta.
“Eu transitei por outras áreas antes de viver do artesanato”, começa o artesão ao explicar seu nome. “Quando fiquei desempregado, em 1987, um amigo meu, que já vivia de artesanato, o mestre Deodato, disse que era o momento de arriscar e viver da minha arte. Participei de algumas exposições, mas foi em São Paulo que um marchand viu no meu trabalho algo diferente e me batizou como João das Alagoas, nome que me tornou conhecido mundialmente”.
Seu talento já lhe fez colecionar alguns títulos. “Tenho alguns prêmios nacionais de melhor artesão, uma menção honrosa, em Córdoba, na Argentina, diversas publicações em livros de história da arte e algumas obras integram importantes coleções de arte popular que estão expostas em galerias do Recife (PE), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS) e Rio de Janeiro (RJ). Também tenho peças expostas no exterior, como França e Itália, no Museu de Cerâmica do México”.
As inúmeras peças que circulam Brasil afora já não cabem nas contas de seu João. “Chegou um momento que não consegui mais contar. Não tenho ideia. É algo que nunca imaginei acontecer, viver do artesanato, sabe. Sou grato a Deus por esse dom. Fico feliz em saber que muitas dessas peças estão fazendo parte da história de outros lugares”.
Reconhecido como Mestre do Patrimônio Vivo de Alagoas em 2011, João fala da importância do título para o seu trabalho. “Eu fico muito emocionado em ser reconhecido como mestre. Esse título só existe em Alagoas e Pernambuco. Foi o Registro do Patrimônio Vivo que deu mais visibilidade ao meu trabalho, que levou a outros lugares a minha arte”. O mestre hoje também oferece oficinas à comunidade. “Inicialmente, esse grupo nasceu de uma necessidade pessoal. Comecei com apenas duas pessoas, há 17 anos, depois foi crescendo. Sil e Leonilson são os meus seguidores mais antigos e, hoje, assim como eu, conseguem viver do artesanato. Hoje somos 10”.
Ao ser perguntando se existe algo que ainda não realizou como artesão, mestre João tem a reposta na ponta da língua. “Só em ter meu trabalho reconhecido pelas pessoas eu já me sinto feliz. Tudo o que eu tenho foi o barro quem me deu. Se morresse hoje, morreria realizado. Enquanto isso vou me aperfeiçoando. Sou um eterno aprendiz”.
Reforma do Ateliê
Em setembro de 2017, o Governo do Estado, em parceria com a Prefeitura de Capela, assinou um convênio para reformar o ateliê do mestre artesão. Orçado em R$ 199.983,80, o convênio vai garantir um ambiente mais adequado para a produção artesanal.
“A reforma vai ser muito importante pra gente. Esse prédio aqui tem muita umidade, não é adequado para funcionar como ateliê. Com a reforma vamos poder receber as pessoas melhor, e isso, com certeza, trará mais visibilidade ao nosso trabalho", explicou João das Alagoas”.