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Cientista chinês que anunciou bebês geneticamente modificados suspende testes

Ele também disse que uma das voluntárias em sua pesquisa está grávida de um outro bebê com o material genético editado.

Por G1 28/11/2018 18h06
Cientista chinês que anunciou bebês geneticamente modificados suspende testes
Cientista chinês He Jiankui na II Cúpula Internacional sobre a Edição do Genoma Humano, em Hong Kong - Foto: Anthony Wallace / AFP Photo

O cientista chinês que afirma ter criado os primeiros bebês geneticamente modificados da história informou nesta quarta-feira (28) que vai dar uma "pausa" nos testes clínicos depois da repercussão negativa da comunidade científica provocada pelo anúncio.

Em uma conferência em Hong Kong, He Jiankui reiterou que permitiu o nascimento de gêmeas que tiveram o DNA alterado para deixá-las mais resistentes ao vírus HIV.

Também explicou que oito casais – todos formados por um pai soropositivo e uma mãe soronegativa – se apresentaram de modo voluntário para a pesquisa, mas que um deles desistiu do procedimento. Mais cedo, He disse que uma outra voluntária do estudo estava grávida de um bebê com genes modificados.

"Peço desculpas porque o resultado vazou de maneira inesperada", afirmou He Jiankui, em referência aos vídeos publicados neste domingo (25) no YouTube, nos quais anunciou o nascimento das gêmeas Lulu e Nana.

"Foi dada uma pausa nos testes clínicos devido à atual situação", disse o cientista, que dirige um laboratório em Shenzhen.

O anúncio dos nascimentos recebeu muitas críticas em todo o mundo. Vários pesquisadores consideraram o ato uma "loucura". Em entrevista ao G1, alguns especialistas disseram que a edição dos genes dos bebês fere ética, leis e segurança e tem consequências imprevisíveis".

A comunidade científica denunciou a falta de verificação independente ou o fato de ter exposto embriões saudáveis a modificações genéticas.

Um passo atrás

Alguns especialistas consideram que tais modificações poderiam gerar mutações em zonas diferentes das que foram tratadas, mas He Jiankui defendeu seu trabalho e disse que os pais, voluntários, estavam perfeitamente conscientes dos riscos de "efeitos colaterais" e "decidiram pela implantação".

Também afirmou que a Universidade de Ciências e Tecnologias do Sul, na cidade de Shenzhen, onde trabalha, "não estava a par do teste".

O próprio centro de ensino fez questão de tomar distância do cientista ao afirmar que ele estava de licença desde fevereiro e sem receber salário, ao mesmo tempo que anunciou ter ficado "profundamente impactado".

Os organizadores da conferência também indicaram que não tinha conhecimento das pesquisas de He. O moderador da mesa redonda, Robin Lovell-Badge, opinou que o teste representa um "passo atrás" para a comunidade científica.

"É um exemplo de enfoque que não foi suficientemente prudente e proporcional", declarou.

"No entanto, é óbvio que se trata de algo histórico. Os dois bebês seriam os primeiros geneticamente modificados. É um momento capital na história", completou.

O presidente da conferência, o biólogo David Baltimore, vencedor do Nobel, denunciou a "falta de autorregulamentação da comunidade científica devido à falta de transparência".

Investigação

O geneticista, formado na universidade americana de Stanford, afirmou que utilizou a técnica CRISPR/Cas9, conhecida como as "tesouras do genoma", que permite remover e substituir partes indesejáveis do genoma como a correção de um erro de digitação em um computador.

Entenda o Crispr: a técnica de edição de DNA que pode ter criado bebês resistentes ao HIV

As gêmeas nasceram, segundo o cientista, após uma fertilização in vitro a partir de embriões modificados antes de serem implantados no útero da mãe.

A técnica abre perspectivas no âmbito das doenças hereditárias. Mas é muito controversa porque as modificações realizadas seriam transmitidas às gerações futuras e poderiam afetar o conjunto do patrimônio genético.

O pesquisador americano de origem chinesa Feng Zhang, que reivindica a paternidade da técnica CRISPR/Cas9, considerou o experimento perigoso e desnecessário.

"Esta experiência não deveria ter acontecido. O que ele fez não é científico", declarou à imprensa.

O vice-ministro chinês de Ciências e Tecnologia, Xu Nanping, afirmou nesta terça-feira (27) que se as gêmeas estão vivas é algo ilegal.

De acordo com os princípios éticos estabelecidos em 2003 sobre as pesquisas com células-tronco em embriões, o cultivo in vitro é possível, mas apenas durante 14 dias após a fertilização ou o transplante de núcleo.

Qiu Renzong, pioneiro de questões bioéticas na China, afirmou que os pesquisadores do país geralmente evitam as sanções porque precisam prestar contas apenas a sua instituição. E algumas não preveem sanções em caso de falha profissional.

A China deseja assumir a liderança da pesquisa genética e da clonagem, mas as zonas cinzentas da legislação do país permitem experiências polêmicas.