Fisioterapeuta leva 69 facas de ex-namorado e sobrevive
Após se fingir de morta, Isabela conseguiu pedir ajuda e foi encaminhada ao hospital
Mãe de uma adolescente de 16 anos e funcionária de um hospital privado que fica no bairro de Nazaré, Isabela foi vítima de um plano cruel arquitetado pelo próprio namorado, Fábio Barbosa Vieira, 37. Atento aos sinais de que ela pretendia dar fim ao relacionamento, desgastado por ciúme da parte dele, Fábio contratou dois homens para matá-la. Enquanto a vítima era esmurrada e esfaqueada dentro do próprio carro, o mandante assistia calmamente à cena, sem se importar com o desespero da então namorada, que suplicava para não morrer.
Mesmo machucada e ensanguentada, Isabela usou a inteligência para escapar. Decidiu se fingir de morta. Ela foi jogada num matagal na BR-324, ainda em Salvador, sentido Feira de Santana. Com a certeza que os criminosos já tinham ido embora, arrastou-se até um acostamento, onde foi resgatada. A fisioterapeuta prestou depoimento e Fábio foi preso no mesmo dia – os outros dois participantes do crime estão sendo procurados pela polícia.
Isabela vive agora sob proteção policial e sua atual localização é mantida em sigilo. Ela sabia que ia travar duras batalhas pela vida. Agora, mais do que nunca, tem a consciência de que nem sempre será fácil despertar para mais um dia. Confira o depoimento dela ao CORREIO, na íntegra.
"Conheci Fábio em 2015, no Imbuí. Eu estava num barzinho, com algumas amigas e a gente ficou. Eu não tinha namorado. A gente começou a se falar pelo celular, trocávamos mensagens diariamente. Ele disse que era jornalista e produtor da Banda Vem Quem Vem, uma banda de arrochadeira. Depois, ele deixou a banda e ficou trabalhando de forma autônoma, viajando.
No início de 2017, ele veio para Salvador. Passamos a nos falar mais vezes e ele me pediu em namoro. Até então, estava insegura, porque tinha acabado de sair de outro relacionamento. Eu sempre fui insegura. Não queria assumir ele nas redes sociais, para as amigas. Pensava: só vou assumir para todo mundo quando realmente eu tiver certeza que era aquilo que eu queria.
Um ano de relacionamento depois, ele começou a demonstrar os sinais de ciúmes. Eu nunca podia chamar uma amiga para sairmos juntos, ele queria que fosse sempre só nós dois. Sempre achei ele muito possessivo, de não querer que saísse com ninguém. Não podia vestir um short, uma saia, que ele reclamava, mas eu usava, o que o deixava mais contrariado.
O ciúme dele foi aumentando, me sufocando. Ficava de cara feia quando a gente saía para algum lugar. Então, eu falava que assim não dava. Quando batia pé firme, ele mudava. No dia seguinte, a mesma situação. Quando percebia que eu podia terminar, ele revertia, dizia “você está trabalhando demais”. Sempre procurando me ajudar, sempre prestativo, educado. Fazia algumas vontades minhas, que nem parecia que ele era aquele homem de ciúmes extremos, que às vezes me fazia achar que era até radical.
Ele me idealizou como objeto dele. Quando eu dizia que iria terminar ou que ia embora, ele chorava, berrava, não me deixava sair do carro. Ele queria casar comigo a todo o custo. Acho que, friamente falando, ele queria era minha estabilidade, pois tenho meu emprego, meu carro, imóveis alugados. Depois, fiquei sabendo que ele era todo enrolado financeiramente. Ele sempre quis morar comigo, mas eu não quis. Sempre fui independente. Gostava de ficar andando para cima e para baixo com o meu carro. Ele não me amava, senão não faria o que fez.
Diante do histórico, comecei a não mais enviar mensagens de “bom dia” para ele. Comecei a me afastar. Ele me chamava para dormir na casa dele, no Alto do Saldanha, em Brotas, e eu dava alguma desculpa. No dia 27 (de fevereiro) fui direto para o hospital, em Nazaré. Ele estava acostumado com a rotina de eu sair de casa, pegar ele na casa dele e, de lá, ele me deixava no trabalho e ficava com o carro. Mas esse dia não fui pegar ele. Ele ficou retado.
No dia seguinte, 28 de fevereiro, ele me pediu o carro emprestado e eu dei. Era quinta-feira de Carnaval e ele disse que ia trabalhar vendendo abadás. Então, marcamos às 19h para ele vir me buscar e irmos nós dois para a Barra.
Ele chegou às 19h50 e levei um susto. Dois homens desceram do banco de trás do meu carro, um Chevrolet Spin. Ele disse: “Bela, eles são meus amigos, trabalham comigo no bloco”. Eu entrei [no carro] porque, até então, confiava nele.
Diante da demora, acabamos desistindo de pular o Carnaval. Ele disse que ficaria com os amigos na casa dele e, de lá, seguiria para a minha casa.
No trajeto, comecei a desconfiar. Os homens que estavam atrás diziam que eram cordeiros, mas falavam coisa sem sentido, como se o diálogo fosse algo inventado. Na Avenida Bonocô, depois da estação do metrô, Fábio começou a reduzir a velocidade, dizendo que ia pegar um outro amigo. Era por volta das 20h20 quando enviei uma mensagem para uma amiga relatando toda a situação.
Quando fiquei ainda mais desconfiada de que havia alguma coisa errada, eu disse para os três descerem e irem de Uber, porque eu ia para minha casa com o meu carro. Foi quando um dos homens que estava no banco de trás me deu uma chave de pescoço e outro me deu murros. Na minha mente, pensava que eles estavam me assaltando e gritei: ’Fábio, Fábio, estão querendo nos assaltar’’.
Como sou da área de saúde, protegia a minha jugular porque sabia que um golpe naquela região era fatal. Ao mesmo tempo, eu perguntava: “Fábio, por que você está fazendo isso comigo?”, “Não me deixa morrer, deixa eu cuidar de minha filha”.
Estava tão determinava a viver que pedia a Deus para me dar força e sabedoria, pois tinha uma filha. Quando vi que já tinha tentando de tudo, tive a ideia de me fingir de morta.
Daí pensei que eles iam me jogar depois dentro da vala. Estava com a mente doida, pois sabia que numa vala não sobreviveria. Então, mais uma vez, pedi a Deus e a todos os santos, e eles foram embora.
Me arrastei no matagal como bicho selvagem, o local tinha muitos espinhos. Então disse: “preciso ficar em pé”. Fiz um Pai Nosso e levantei. Andava cambaleando na pista. Os carros estavam desviando como se eu fosse uma assombração ou como se eu fosse alguma isca de uma emboscada de bandidos. Foi quando me joguei de frente para um caminhão. O motorista parou e disse: “Alguém vai lhe ajudar”. Nesse momento, passei a desacreditar na compaixão humana.
Então, deitei no acostamento, não tinha mais forças. Orei, orei, orei muito. Quando olhei, tinham três pessoas ao meu redor, que me levaram para Hospital do Subúrbio. Essas pessoas disseram que, apesar de estar deitada, eu acenava com uma das mãos. Era por vota das 21h quando me resgataram. Todo o meu sofrimento durou pouco mais de meia hora, mas, pra mim, foi uma eternidade.