Cacá Diegues diz que governo quer se vingar dos artistas
Em uma definição precisa, ele aponta: “a cultura se tornou uma cultura de governo”

O cineasta Cacá Diegues, 78 anos, é um profundo conhecedor da alma do brasileiro – e, para que tal elogio fique claro, é só lembrarmos que é dele o fenomenal filme “Bye Bye Brasil”. Por isso, leve-se a sério quando Cacá diz que anda preocupado e atento em relação à “ideológica política cultural” e ao desmanche da cultura do País que estão sendo promovidos pelo governo federal. Em uma definição precisa, ele aponta: “a cultura se tornou uma cultura de governo” – e disso decorre, em sua opinião, a falácia do “marxismo cultural”. Na última semana, o diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema (Ancine), Christian de Castro, determinou a suspensão total do repasse de novas verbas para produção de filmes e séries de tevê. Em seguida, vieram as mudanças na lei Rouanet, reduzindo o teto de recursos para projetos: de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão. No ano passado, Cacá lançou o seu décimo sétimo longa-metragem, “O Grande Circo Místico”, baseado no poema Túnica Inconsútil, de Jorge de Lima. No último dia 12, ele assumiu a cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras.
Há uma desmanche da área cultural promovido pelo governo federal?
Há um equívoco em relação à cultura. Não é verdade que a Lei Rouanet seja um prejuízo para o País. Ao contrário, a Lei Rouanet permite a produção cultural e está provado que de cada real gasto com incentivos fiscais voltam dois, três, quatro reais para o Estado, por meio de impostos.
O que está então acontecendo?
O projeto cultural não deve ser do governo, deve ser do Estado. E o governo está tomando o projeto cultural para ele, está colocando a cultura dentro de uma ideologia e dentro de uma concepção política que não é a do Estado, é a do governo. Acho que o principal equívoco é esse.
Qual é o objetivo?
Eu não tenho a menor ideia, de tão absurdo que é. Para se vingar dos artistas? c. Realmente não consigo entender qual é o objetivo.
O governo os considera uma ameaça? Oposição?
Não sei se considera que todos são de oposição, mas, de qualquer maneira, o governo não respeita os artistas. Não só os artistas, mas os produtores de cultura de um modo geral. Não tem nenhum respeito. Ninguém chamou a gente para discutir como vai ser, como não vai ser. Nenhum produtor de cultura foi chamado para discutir o projeto cultural do governo. Isso significa que há uma espécie de desinteresse de envolver os produtores culturais. O governo quer aprisionar a cultura em um projeto partidário.
Os governos anteriores também falharam?
Os governos anteriores também são culpados. Existe um não entendimento do que deve ser o projeto cultural do Estado, essa é uma coisa que sempre aconteceu no Brasil. Dessa vez está sendo mais cruel, estamos vendo a eliminação da produção cultural no Brasil por meio de cortes de verbas, de mudanças de lei. Por exemplo, esse negócio da Lei Rouanet. Estou à vontade para falar porque o cinema não se beneficia dela. O cinema é financiado pela Lei do Audiovisual.
Há um convencimento da população…
Houve uma campanha muito grande contra a produção cultural no Brasil. Daí a ideia de que as pessoas ficam milionárias com a Lei Rouanet. Não conheço ninguém que tenha ficado rico com investimento na cultura no País. Não conheço mesmo. Não há dúvida de que trataram a cabeça da população contra a produção cultural, como se essa produção fosse praticada por um bando de vagabundos que ganham dinheiro do Estado. Enfim, é uma loucura.
A Ancine também está passando por muitas mudanças?
Acho que a Ancine tem um erro básico, um pecado original. A Ancine foi criada em 1991 e não era para ser o que ela é hoje. A Ancine era para ser dividida em três. Não podemos ter uma agência que regula, fiscaliza e fomenta. Isso aí é uma coisa que vai dar errado. É como o Supremo Tribunal Federal, quem investiga não julga. Quem fomenta não regula e quem regula não fiscaliza. Isso não faz sentido. Quando Gilberto Gil se tornou ministro da Cultura achavam que ia ser a salvação do cinema brasileiro. Isso não é culpa do Gilberto Gil, é culpa dos cineastas.
Isso prejudicou?
Tinha de dar nesse erro que está dando agora. Como é possível fomentar uma atividade que regula e fiscaliza. Estamos sendo vítimas desse equívoco que foi produzido pelos próprios cineastas, quando Gilberto Gil assumiu o Ministério da Cultura. E ele não tem nada a ver com esse movimento. Esse movimento foi desencadeado pela própria atividade com o apoio de Juca Ferreira, que foi o secretário executivo do Gil. E aí a Ancine perdeu o sentido. E tudo que está acontecendo é resultado disso, resultado dessa atrofia, dessa maluquice da agência fazer essas três coisas simultaneamente.
No ano passado, o Brasil produziu 160 filmes, É um recorde histórico? A Ancine participou do financiamento da maioria deles?
A Ancine participou do financiamento da maioria deles, por meio do Fundo Setorial do Audiovisual. É como eu estava dizendo: a Ancine controla o Fundo, que é quem financia, e ao mesmo tempo ela é reguladora e fiscalizadora. Não vai dar certo, é óbvio. Tem de começar do zero, fazer tudo de novo.
Não existe uma forma de financiamento privado para o cinema brasileiro?
Estamos partindo para isso. Os produtores estão procurando, alguns acham, outros não. Mas quando se parte para o financiamento privado, o financiamento só vai para o filme que garante bilheteria, que tem um artista conhecido do público. Não tem mais experiências, não tem experimentação. Apesar disso, o financiamento privado é muito bom e vai aparecer. Mas vai surgir para esses filmes que a gente sabe que são comerciais, que dão dinheiro.
A censura está de volta no Brasil?
No cinema ainda não apareceu esse retorno da censura. A censura grave que teve na semana passada foi a do Supremo Tribunal Federal. Foi essa coisa maluca que o juiz Alexandre de Moraes e o Dias Toffoli produziram, censurando a revista Crusoé e o site Antagonista. É inacreditável que o Supremo Tribunal Federal tenha tomado essa atitude. Até bem pouco tempo eu achava que os juízes do STF eram a garantia da democracia brasileira. Mas não são.
Isso não pode se alastrar?
Claro que pode se alastrar. Lógico que pode se alastrar. Acho que uma coisa boa é que a população está contra isso. Direita e esquerda estão contra. Eu não vi ninguém apoiar essa censura, a não ser o Gilmar Mendes. Não vi ninguém apoiar, o que para mim é um grande alívio. O perigo é que a censura esteve nas mãos do STF e ninguém manda no STF.
São identificados traços de autoritarismo?
Essa é uma tendência no mundo todo. Acho que nós estamos diante de uma situação nova. O mundo está experimentando um populismo autoritário que começou com Donald Trump.
Também no Brasil? Há risco de ditadura?
Ditadura é outra coisa. É o que eu digo sempre. Na ditadura, a gente dormia e, quando acordava, os militares estavam à beira da nossa cama. Agora é diferente. Agora há um presidente da República que foi eleito pelo povo. Eu não votei nele, mas eu tenho de respeitá-lo. E posso respeitar reclamando, mas não estamos em uma ditadura como estávamos em 1964.
E o uso da mídias sociais, essa democracia mediada digitalmente?
Acho que a mídia social não vai acabar com a democracia. Fake News é o seguinte: se formos levar a sério esse negócio de fake news acabaremos valorizando o autoritarismo. Quem está no poder, não importa qual deles numa república, não pode justificar suas doidices com fake news. Se as mídias sociais vierem a prejudicar a democracia, é preciso educar a população para usá-las corretamente. Não adiante somente punir, o importante é educar. Não podemos acabar com as mídias sociais, com a cultura digital que está emergente, que está surgindo e vai dominar a cultura mundial de forma plena e absoluta.
E produzem novidades políticas.
Sim. O novo presidente da Ucrânia, Volodmyr Zelenski, é o Jô Soares de lá. O cara que brincava de presidente na televisão virou presidente de verdade, graças às mídias sociais. Ele foi eleito e não participou de nenhum debate, não foi para a televisão, só foi para as mídias sociais. E ganhou, 60% dos votos. Não se pode achar isso absurdo. É a cultura emergente. Nós temos de educar nossos filhos para essa cultura, para evitar que ela mate a democracia.
Hoje a mídia digital liga-se muito à promoção do ódio.
Esse ódio, se ele está sendo expresso agora, é porque ele já existia. O que está acontecendo é que ele está sendo manifestado. Deram a voz aos imbecis por meio das mídias sociais. O ódio não surge da noite para o dia.
O governo se apega muito ao conceito de marxismo cultural. O que acha disso?
Acho que marxismo cultural é uma coisa que não existe. O que existe é macartismo cultural. Aquele que não concordar comigo, é um bandido, um comunista, sei lá o quê. Isso é macartismo. Marxismo cultural não sei o que é porque a base do marxismo é a luta de classes, é econômico, social, não tem nada de cultural o marxismo. Inventar um marxismo cultural é iludir a população com algo que não existe.
É de sua autoria a expressão patrulhamento ideológico. Ele está acontecendo?
Acho que sim. Quando falei sobre isso, era uma piada. A patrulha ideológica era um impedimento para se produzir coisas que não tivessem a ideologia conveniente ou a ideologia consagrada pelo poder ou por segmentos sociais. A patrulha ideológica vem de todos os lados, de todas as pessoas. Não acredito muito nesse negócio de direita e esquerda, mas para simplificar: a direita faz patrulha ideológica e a esquerda também a faz.
Tem um patrulhamento moral?
O patrulhamento moral faz parte do patrulhamento ideológico, porque esse conceito moral é um conceito da ideologia de quem pratica essa moral. No fundo é a mesma coisa.
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