Em Altamira, mau cheiro atrai urubus e embrulha estômago de parentes
Máscaras cirúrgicas foram distribuídas; odor fez pessoas passarem mal na frente do local
“Olha lá os urubus rodeando”, aponta para o céu a telefonista Ketheleen Veiga, 29, enquanto espera a liberação do corpo do irmão, um dos 57 detentos mortos no Centro de Recuperação Regional de Altamira.
Guardados de forma improvisada em um caminhão frigorífico sob o inclemente sol amazônico, os corpos estão se decompondo em meio à dificuldade para identificar as vítimas. Foram 16 pessoas esquartejadas e 41 carbonizadas.
Por falta de espaço, os cadáveres estão sendo exumados sob uma tenda improvisada e sem refrigeração no pátio do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, o equivalente paraense do IML, sob gestão estadual.
O mau cheiro vem principalmente quando os peritos abrem a porta do caminhão. Perto do meio-dia, o odor era tão forte que provocou uma debandada das dezenas de parentes concentrados na porta. Alguns vomitaram. Como paliativo, foram distribuídas máscaras cirúrgicas.
Ao mesmo tempo em que embrulha o estômago de quem espera, o cheiro atraiu três urubus, que pousaram no muro do centro de perícias.
A vigília é atenuada por uma tenda montada na entrada do prédio e pela Igreja Universal do Reino de Deus, que distribui água, café, cachorro quente e conforto espiritual. Há também um posto de saúde da prefeitura.
O irmão de Veiga é um dos detentos esquartejados. “De manhã, a minha tia entrou para reconhecer a cabeça. Agora, entrou para reconhecer o corpo”, disse, por volta das 13h.
Um vídeo gravado com celular mostra o momento da decapitação. Nas imagens, ele aparece vivo e com um pano na boca no momento em que o seu pescoço é cortado.
A família diz que não irá fazer velório por causa do estado do corpo. Outros parentes têm receio de fazer a cerimônia fúnebre com temor de serem atacados por uma das facções rivais.
De acordo com as investigações, as mortes foram provocadas por um ataque do Comando Classe A (CCA), facção local, contra membros do Comando Vermelho (CV), criado no Rio de Janeiro.
Dois peritos disseram à reportagem que o trabalho é lento devido ao estado dos corpos, liberados um a um. Até o meio tarde, apenas quatro corpos haviam sido liberados.