Justiça derruba regra que liberava procedimentos médicos sem aval de grávida
A decisão atende a pedido do Ministério Público Federal (MPF).
A Justiça Federal proibiu uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que determinava que as gestantes fossem obrigadas a passar por intervenções médicas com as quais não concordam. A decisão atende a pedido do Ministério Público Federal (MPF).
A resolução do CFM, publicada em setembro passado, dizia, entre outros pontos, que "a recusa terapêutica manifestada por gestante deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto”.
Na prática, isso permitia aos médicos realizar procedimentos mesmo que a mulher fosse contra. Entre os exemplos estão cesárea, episiotomia (quando há corte no períneo para acelerar a passagem do bebê), administração de soro de ocitocina (para acelerar o trabalho de parto) ou a manobra de Kristeller, em que o fundo do útero é pressionado para empurrar o feto.
Na última terça-feira, o juiz federal Hong Kou Hen, da 8ª Vara Cível Federal de São Paulo, decidiu que a resolução do conselho, “resulta na ilegal restrição da liberdade de escolha terapêutica da gestante em relação ao parto” e “confere excessiva amplitude das hipóteses nas quais o médico pode impor à gestante procedimento terapêutico, pois não limitado às situações de risco à vida e saúde do feto e/ou gestante”.
Portanto, o juiz determinou que “somente o risco efetivo à vida ou saúde da gestante e/ou do feto deverá ser considerado como justificativa legal para afastar a escolha terapêutica da gestante em relação ao parto” e demandou ampla divulgação da decisão à classe médica, inclusive com publicação em sua página oficial da internet e dos conselhos regionais, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Cabe recurso à decisão, mas, procurado pela reportagem, o CFM não informou se pretende recorrer da decisão.
Guia ético
A resolução do CFM não tem força de lei, mas funciona como guia ético para os médicos. Nela está previsto que não pode ser alegada “objeção de consciência, devendo o médico adotar o tratamento indicado, independentemente da recusa terapêutica do paciente” e que o fato deve ser registrado em prontuário e comunicado “ao diretor técnico para que este tome as providências necessárias perante as autoridades competentes, visando assegurar o tratamento proposto”.
O mesmo entendimento utilizado no caso do parto vale, segundo a entidade médica, por exemplo, para o uso de determinadas medicações ou exames, como transfusão de sangue, vacina ou o início de tratamentos contra o HIV, ainda durante a gestação.
Grupos de direitos das mulheres e de defesa dos direitos reprodutivos criticaram a medida. Para especialistas, isso libera procedimentos invasivos apenas para acelerar o parto, abre brecha para legitimar práticas já não indicadas pela Organização Mundial da Saúde, e abre brechas para mais casos de violência obstétrica.