Quarentena é o remédio mais eficaz contra covid-19 hoje, defende infectologista
Fernando Maia, médico integrante do Grupo Técnico de Enfrentamento à doença em Alagoas, reforça a necessidade de isolamento social
Por todo o mundo, as evidências, os fatos e os números confirmam: o isolamento social é a maneira mais eficaz de desacelerar a velocidade de contágio em massa pelo covid-19 (novo coronavírus). Somente com medidas restritivas de circulação e confinamento é possível achatar a chamada curva de transmissão, evitar o colapso na rede pública de saúde e, consequentemente, diminuir o número de casos fatais.
Em Alagoas, ao menos por enquanto, a recomendação é a mesma. O Governo do Estado prorrogou o decreto de isolamento social por mais oito dias a partir desta segunda-feira (30). Para o médico Fernando Maia, presidente da Sociedade Alagoana de Infectologia e integrante do Grupo Técnico de Enfrentamento ao Covid-19 em Alagoas, “a decisão mais sensata no momento é esperar mais uma ou duas semanas para observar o comportamento da epidemia”.
Em entrevista exclusiva, o infectologista reitera a importância da quarentena e dos cuidados com a higiene pessoal, explica porque ainda é cedo para fazer previsões sobre o contágio em Alagoas e não descarta a hipótese de o vírus ter um comportamento diferenciado em localidades de clima mais elevado.
Por que o isolamento social e a quarentena são, em conjunto com os cuidados de higiene pessoal, a maneira mais eficaz de lidar neste momento com o novo coronavírus?
Porque evita as duas principais maneiras de contágio do vírus, que são a respiratória e o contato direto das mãos contaminadas com os olhos, nariz e boca.
Além de seguir as orientações de higiene pessoal e confinamento social, quais são as recomendações para o cidadão diante do discurso que minimiza a letalidade e as devastadoras consequências sociais provocadas por uma epidemia de covid-19?
Nesse momento, a gente precisa ter muita calma. E ler atentamente o que está sendo colocado. Os estudos mostram claramente que o isolamento é necessário e vital para evitar o avanço da epidemia. Agora, há a discussão sobre o chamado isolamento horizontal – que é quando você coloca todo mundo isolado –, que na prática é muito difícil de ser efetivado, a não ser quando se usa a força do Estado para obrigar as pessoas a ficarem em casa. Ou o isolamento vertical que, se for bem feito e bem orientado, funciona bem também. Há exemplos de países do mundo que adotaram o isolamento vertical. É o caso do Japão, de Israel e da Coreia do Sul. Por lá, deu certo. Mas como deu certo? Eles testaram muita gente. A gente não conseguiu e nem vai conseguir fazer isso aqui no Brasil. Então, adotar o modo de isolamento vertical, no meu entendimento, vai ser muito difícil.
Mas a recomendação é para prorrogação do decreto ou já se estuda flexibilizá-lo?
Pra já, devem ser feitas as duas coisas. Inicialmente o decreto de isolamento deve ser prorrogado. E deve começar a ser flexibilizado para o setor privado. Não se deve abrir de uma vez para todo mundo, e sim aos poucos. O grande mistério é a gente saber quando dá pra fazer isso. Como é uma epidemia de uma doença respiratória causada por um vírus novo, tudo é muito dinâmico, tudo muda de um dia para o outro. A gente tem algumas expectativas em relação ao vírus. Aqui no Nordeste, provavelmente o número de casos deve aumentar agora entre abril e maio, que é a época de nossas viroses respiratórias de sempre. O coronavírus é mais uma que vai chegar aí pelo meio de campo. Mas a gente não sabe se vão ser muitos casos, poucos casos ou milhares de casos. A gente não sabe. Temos que estar preparados para todos os cenários que vêm por aí. E a partir dessa observação, a gente vai analisar e saber se é possível tirar a quarentena – ao menos parcialmente – ou se vamos esperar mais algum tempo. Não temos essa resposta ainda.
Como o senhor avalia as posturas e as atitudes contrárias às recomendações de quarentena?
É uma situação muito delicada, muito difícil. 40% da população brasileira trabalham de forma autônoma, não têm renda fixa e nem seguridade social. Numa situação assim, em que fica tudo parado, realmente é muito complicado. Se você deixa as pessoas em casa para não morrer do coronavírus, elas morrem de fome ou de outra coisa. Se você deixa ir para a rua para trabalhar, corre o risco de pegar coronavírus de forma grave. Realmente, é uma situação muito difícil de decidir. Qualquer decisão tem pontos positivos e pontos negativos. Cabe analisar e pesar o que tem sido feito pelo mundo. Nós temos certa vantagem nesse aspecto porque a nossa epidemia está começando agora. Nós já sabemos o que aconteceu na China, na Itália, na Espanha, na Austrália e em outros países. A gente mais ou menos sabe como o vírus se comportou por lá. A gente pode fazer alguma estimativa por aqui. Podemos copiar coisas que deram certo em alguns lugares e não copiar o que deu errado. Mas como é um vírus e um vírus mutante – há inclusive evidência que ele sofreu novas mutações nesse período –, não temos certeza de nada. Sem dúvida, é uma decisão muito difícil para quem está em qualquer esfera governamental porque é decidir sobre algo ainda desconhecido. A medida mais sensata é esperar mais uma semana ou duas semanas para a gente observar o comportamento da epidemia. O momento pede cautela.
Então ainda é cedo para afirmar se iremos nos deparar com um cenário tão dramático vemos na Espanha, na Itália e no Irã e em outros países?
Exatamente. A gente não sabe como o vírus vai se comportar por aqui. Até agora, temos vistos muitos casos com morte, mas todos em locais com clima mais frio que o nosso. A temperatura média na Itália, na França e na Espanha fica entre 8°C e 15°C. Aqui faz 30°C na sombra. O que a gente sabe sobre outros vírus respiratórios é que eles não costumam causar tantos casos por aqui porque a temperatura não é favorável ao vírus. A gente espera e está torcendo para que o comportamento do coronavírus seja parecido. Novamente, é importante dizer: é um vírus novo. A gente não conhece o comportamento dele ainda. Pode ser que ele surpreenda desfavoravelmente. Pode ser que tenhamos muitos casos e até estado de calamidade. Não dá para fazer essa previsão ainda. Os casos estão apenas começando por aqui. Só com o tempo, a partir da observação da dinâmica da epidemia, é que poderemos saber com mais certeza.
O senhor integra o chamado Grupo Técnico de Enfrentamento ao Covid-19 em Alagoas, composto por médicos e infectologistas que atuam na rede estadual e privada. Quais os objetivos e como ocorre a atuação?
Sim, eu faço parte do grupo, que serve para dar suporte técnico-científico em relação ao vírus para as autoridades de saúde do Estado e para o governador, que é quem tem o poder de decidir sobre essa questão. O objetivo é fornecer assessoramento ao governador para que ele possa tomar as medidas baseado na melhor informação possível.