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MP apura se Igreja Universal interferiu em Conselhos Tutelares do Rio

Conselheiros apontam perseguição religiosa. A prefeitura alega que o órgão é independente, mas criou um cargo de coordenador e nomeou um dos ‘Guardiões do Crivella' para a função.

Por G1 02/09/2020 16h04
MP apura se Igreja Universal interferiu em Conselhos Tutelares do Rio
MPRJ investiga eleição da Comissão de Ética dos Conselhos Tutelares do Rio - Foto: Reprodução

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) está investigando a eleição para a Comissão de Ética dos Conselhos Tutelares do Município do Rio.

Segundo denúncias apresentadas aos promotores, a votação foi fraudada com o objetivo de ampliar o domínio da Igreja Universal no órgão -- responsável por garantir os direitos de crianças e adolescentes na cidade.

A Prefeitura do Rio afirma que o Conselho Tutelar é um órgão independente e autônomo, mas em fevereiro deste ano criou na estrutura do Poder Executivo Municipal a Coordenadoria de Apoio aos Conselhos Tutelares e nomeou para o cargo um membro da Universal, igreja da qual o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) é bispo licenciado.

O escolhido foi Ahlefeld Marynoni Fernandes, um ex-conselheiro afastado do cargo por suspeita de corrupção. Ele foi impedido de participar das últimas eleições, por recomendação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), órgão responsável por formular e deliberar políticas públicas relativas a crianças e adolescentes.

Conhecido como Rolifid, ele é integrante do grupo de Whatsapp ‘Guardiões do Crivella’, que monitora o esquema montado com funcionários da prefeitura para fazer plantão na porta dos hospitais municipais do Rio, com o objetivo de atrapalhar reportagens e impedir que a população fale e denuncie problemas na área da Saúde.

Comissão de Ética
A eleição para a Comissão de Ética dos Conselhos Tutelares foi realizada em janeiro de 2020 e elegeu cinco membros, todos evangélicos.

Segundo outros conselheiros, o grupo passou a perseguir trabalhadores que seguem outras religiões, além de desvirtuar a função dos conselhos tutelares.

"O projeto de poder deles é ideológico, mas também é eleitoreiro. E a tomada da Comissão de Ética é o mecanismo que eles têm para poder eliminar e afastar os adversários, ou quem pensa diferente", comentou um conselheiro.
Ainda no fim de 2019, antes mesmo da eleição que escolheu os membros de cada um dos conselhos, a Igreja Universal publicou em seu portal o artigo "Conselho Tutelar: é nosso dever participar".

Mudança nas regras da eleição
O decreto que regulamenta a Comissão de Ética dos CTs diz que os membros "serão escolhidos por maioria simples, em assembleia dos conselheiros tutelares reunida com, no mínimo, metade do número de membros, tendo mandato de três anos".

Segundo as denúncias apuradas pelo G1, os conselheiros ligados à Igreja Universal se uniram e escolheram quais seriam os eleitos. O objetivo seria formar um grupo com a mesma orientação política e religiosa, com foco na manutenção do eleitorado do prefeito Marcelo Crivella e dos vereadores da base do governo.

De acordo com a denúncia, as irregularidades começaram com a mudança nas regras da votação. O conselheiro Fernando Brites, conhecido como Obreiro Fernando, sugeriu uma mudança no número de votos a que cada um teria direito durante o pleito.

A sugestão veio por mensagens de texto, para todos os 95 conselheiros do Rio que participam de um grupo virtual em um aplicativo de mensagens.

A ideia era que cada conselheiro pudesse votar em cinco nomes, acabando assim com a votação direta, como determina a legislação.

Logo em seguida, o conselheiro Felipe Machado, também evangélico, endossou a sugestão e encaminhou seu entendimento a favor da mudança.

A sugestão de alteração na regra do pleito ocorreu no dia 21 de janeiro, quatro dias antes da eleição. Um conselheiro identificado no aplicativo de mensagens como Flávio Santiago questionou a rapidez da votação pela mudança nas regras.

"Votação em 10 minutos. Parece que foi combinado. Votação pelo WhatsApp? Vamos para o fórum, discutir e votar. Vocês estão dando margem para judicialização. Triste", comentou o conselheiro no grupo.
Alguns dos envolvidos mostravam que nem mesmo sabiam o que estava sendo votado.

"Então, eu estou confuso. Exatamente o que está sendo votado?", perguntou alguém identificado como Reinaldo.

Depois da mudança aprovada por troca de mensagens, 81 dos 95 conselheiros decidiram votar. Ao todo, 405 votos foram computados naquele pleito, um recorde entre todos os Conselhos Tutelares do Brasil.

Todos os eleitos são evangélicos e quatro deles atuam na Zona Oeste do Rio de Janeiro. São eles:

Gláucia Pacheco dos Santos Araújo, conselheira de Realengo;
- Janaína dos Santos Fonseca, de Santa Cruz;
- Rosemare Nunes Rodrigues, da Taquara;
- Cleide Rosa Lima Ferraz, de Campo Grande;
- Ivana da Silva Souza, conselheira da Zona Sul.

"É um modelo de votação irregular. Mesmo que todos concordassem com esse modelo, o que não aconteceu, essa votação vai contra o decreto que regulamenta a eleição da comissão de ética", comentou um conselheiro ao G1.