Covid -19

Vacina contra a Covid-19 aquece o mercado de clínicas particulares no Brasil

Fenômeno já aconteceu em 2016 após surto de influenza

Por G1 02/02/2021 09h09
Vacina contra a Covid-19 aquece o mercado de clínicas particulares no Brasil
Médico com ampola da Covaxin em aplicação experimental na Índia, em foto de 26 de novembro de 2020. Empresas brasileiras negociam compra de imunizantes de farmacêutica indiana - Foto: Amit Dave/Reuters

A possível chegada de vacinas contra a Covid-19 à rede particular aqueceu o mercado de clínicas privadas no Brasil. É que o dizem especialistas e consultores da área ouvidos pelo G1.

Ainda que a campanha de vacinação esteja restrita à rede pública, eles relatam que:

- a rede privada passou a negociar a compra de vacinas;
-clínicas já estabelecidas buscam agregar serviço de imunização, e há quem esteja começando o negócio do zero;
- para os novatos, compra de vacinas é um desafio (quase 100% dos imunizantes disponíveis na rede privada são importados);
- e a venda de refrigeradores subiu (com registro de até 30% entre 2019 e 2020).

Trata-se de um mercado que demanda alto investimento inicial, importação de vacinas e conhecimento de normas e regulamentações. Por exemplo: toda dose de vacina aplicada na rede particular deve ser reportada ao Ministério da Saúde, assim como eventuais efeitos adversos.

O presidente da Associação Brasileira de Clínica de Vacinas (ABCVac), Geraldo Barbosa, disse que a possibilidade real da chegada da vacina contra a Covid- 19 desencadeou nos últimos meses um aumento "significativo e expressivo" da procura de profissionais de saúde por informações sobre como abrir a própria clínica.

Fenômeno semelhante ocorreu em 2016, depois de um surto da gripe H1N1, quando filas enormes se formaram em clínicas particulares de vacinação.


Segundo Barbosa, de 2016 para 2017, o número de clínicas cresceu 60% no país. Mas, entre os estabelecimentos que abriram no período, apenas metade conseguiu manter as operações. "Houve uma expectativa de que era um serviço fácil de executar – e não é", afirma ele.


No início de janeiro de 2021, a ABCVac informou que estava negociando a compra de 5 milhões de doses da vacina Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biotech. A iniciativa despertou o interesse de clínicas particulares brasileiras.


No dia 12 de janeiro, a Bharat disse que assinou um acordo de fornecimento para a companhia brasileira Precisa Medicamentos. Nesta segunda-feira (1º), a Precisa anunciou que vai pedir autorização à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para começar os testes clínicos da fase 3 da Covaxin no Brasil. Caberá a um hospital coordenar os estudos com os voluntários.

A possibilidade da chegada da vacina na rede privada – enquanto a vacinação na rede pública ainda é incipiente – gerou críticas de especialistas.

"As vacinas são bens públicos nesse momento", disse no início de janeiro à GloboNews Mariângela Simão, diretora-adjunta para acesso a medicamentos da Organização Mundial de Saúde (OMS). "Não deveria ter discriminação no acesso à vacina para quem paga e não paga."

Toda a produção do Instituto Butantan e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é destinada à rede pública.

Há duas iniciativas da rede privada para a tentativa de compras de vacina:


a da ABCVac com a indiana Bharat Biotech;
e outra frente formada por empresas brasileiras que buscam doses do imunizante de Oxford/AstraZeneca.

Novo negócio


Dono de uma empresa de tricô em Imbituva, no interior do Paraná, Leandro de Andrade, de 42 anos, viu a renda minguar em 2020. Com a chegada da Covid-19, ele e a esposa, que é dentista, resolveram abrir uma clínica particular de vacinação.

"É duro a gente falar isso, mas infelizmente foi por causa da pandemia", disse Leandro.


Os dois começaram a concretizar o plano em setembro de 2020, e a previsão é inaugurar em março de 2021. Eles buscam ocupar um espaço ainda pouco explorado no pequeno município em que moram. "Será a primeira clínica na cidade. É nisso que a gente está apostando também", afirma ele.


Hoje, no Brasil, em teoria, qualquer pessoa pode abrir uma clínica de vacinação, desde que o espaço tenha um responsável técnico (médico, enfermeiro, farmacêutico ou biomédico, filiado ao conselho da sua categoria).

No caso do estabelecimento de Leandro, uma enfermeira foi contratada para desempenhar a função.

Aumento de demanda

O consultor Marcos Tendler, que atua há 20 anos na área de abertura de clínicas de vacinação, viu aumentar a demanda por seus serviços nos últimos meses, principalmente na virada do ano.


Ao longo de dezembro de 2020, 28 pessoas solicitaram à empresa dele informações sobre o tema. Considerados só os primeiros 15 dias de janeiro, foram 74 interessados.


O consultor disse que uma clínica padrão, de 30 m², é um "pequeno bom negócio" para um profissional de saúde: "Em vez de fazer dois ou três plantões para complementar a renda, ele tem uma clínica".


Segundo os especialistas, a maioria das pessoas que abrem uma clínica de vacinação é formada por profissionais de saúde que já têm alguma estrutura – um consultório, por exemplo – e querem passar a prestar o serviço de imunização.


É o caso da imunologista Nathalia Simis, de 36 anos, que pretende abrir uma clínica de vacinação em Sorocaba, no interior de São Paulo, em fevereiro. O sogro dela tem laboratórios e consultórios, e a família irá aproveitar a infraestrutura, já pronta, para também aplicar vacinas. Simis e o marido, também médico, irão continuar atendendo seus pacientes, e o empreendimento trará uma renda complementar.

Para quem quiser sair do zero, o investimento é alto. “Vai precisar de uns R$ 200 mil para começar, até ter um faturamento positivo, o que deve acontecer na virada do primeiro para o segundo ano [após a abertura do negócio]”, disse Tendler.


A enfermeira e consultora Meire Branco, do Mato Grosso, também recebe ligações de todo o país em busca de orientações para a abertura de clínicas particulares. Ela diz já ter rejeitado clientes ao perceber eles tinham uma visão oportunista.


“Eu já dispensei muitos treinamentos, muitas aberturas de clínica, porque a pessoa liga para mim e fala: 'Ai, eu quero um treinamento, porque quero abrir uma clínica e bombar com essa vacina da Covid'."

Para a médica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), é importante ressaltar que "vacinar não é aplicar uma injeção".

O profissional de saúde que irá trabalhar com imunização tem de atender a uma série de exigências e padrões técnicos da Anvisa, além de reportar cada dose aplicada e possíveis eventos adversos ao Ministério da Saúde.