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Com seu direito a moradia negado, mais de duas mil pessoas estão desabrigadas em Maceió

Capital alagoana possui imóveis suficientes para abrigar sua população de rua

Por Felipe Guimarães* 18/07/2021 07h07 - Atualizado em 02/08/2022 23h11
Com seu direito a moradia negado, mais de duas mil pessoas estão desabrigadas em Maceió
Ocupação Tereza de Benguela - Foto: Cortesia

Na Constituição Federal de 1988, o direito à moradia aparece assegurado como uma competência comum da União, dos estados e municípios, sendo um dever do poder público “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” para a população.

Apesar da moradia ser um direito para o cidadão, as coisas não funcionam bem dessa maneira. Em Maceió, durante a pandemia do novo coronavírus, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), em parceria com o programa e-SUS, do Sistema Único de Saúde (SUS), catalogou 2.457 pessoas vivendo em situação de rua na capital alagoana.

Esse número representa as pessoas de 18 anos ou mais incluídas no Plano Nacional de Imunização (PNI). Para elas, o direito básico à moradia, assegurado pela constituição, não conseguiu impedi-las de não ter um lugar para chamar de seu.

Em contrapartida, em 2021 a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (Sedet) registrou aproximadamente 800 imóveis abandonados na capital. Em comparação ao ano de 2019, onde foram catalogados 491 imóveis em situação de abandono, Maceió apresentou um aumento percentual de 39% de locais inadimplentes.

Em tese, se esses locais fossem desapropriados pela Prefeitura do município, poderíamos dividir esses imóveis de maneira igual para até 3 pessoas, sobrando 57 pessoas em situação de rua. Caso até 4 pessoas pudessem ser acomodadas nestes locais, seriam utilizamos somente 617 imóveis, sobrando ainda 183 locais a serem utilizados pelo poder público. (acompanhe o raciocínio abaixo)

Gráfico: 7Segundos



Contudo, o processo de desapropriação desses locais não é tão simples. Primeiro, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (Sedet) deverá tentar localizar o proprietário desses imóveis.

Posteriormente, se isso não for possível, a Secretaria fará uma publicação no Diário Oficial do Município informando a situação de abandono, para que o proprietário possa aparecer.

Assim que o proprietário for identificado, a Secretaria vai notificá-lo e o mesmo terá 30 dias para proceder com a manutenção predial.

A perda da propriedade ocorre somente por decisão judicial, após o descumprimento das exigências de regularização. As providências serão tomadas com base na legislação vigente, podendo a Prefeitura assumir a posse do imóvel.

Movimentos Sociais


Na visão do coordenador nacional do Movimento da População de Rua, Rafael Machado, o poder público ainda não dispõe de um diagnóstico preciso sobre a situação da população de rua na capital e o seu número exato de pessoas.

“Esses dados não são concretos, até porque não existe um senso atualizado, não existe um diagnóstico da população em situação de rua. Esse número é o de atendimento pelas equipes do consultório da rua”, comentou sobre o número divulgado pela SMS.

Apesar de faltarem dados, o poder público dispõe de mecanismos de assistência social para essa população em situação de vulnerabilidade, os chamados “centros pop”, que trabalham a reinserção e a inclusão desse público na sociedade civil.

Manifestação pelo direito a moradia, na Praça Dois Leões. Foto: MTST


“Em Maceió, existem dois centros populares, a casa de passagem Manoel Coelho Neto e a Casa de Passagem São Vicente de Paula. Os centros pop são serviços de média complexidade que funcionam de 8h às 17h da tarde”, contou.

Mas mesmo com o apoio prestado pelo poder público, para Rafael, estar na rua significa encontrar dificuldade até mesmo para exercer os direitos básicos de qualquer cidadão.

“A maior dificuldade é o acesso da garantia dos direitos , porque muitas dessas pessoas que estão em situação de rua são leigos, então tem que ter aquele trabalho de empoderamento”, disse.

Desapropriação


No último dia (12) de Julho, manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocuparam a Praça Dois Leões, no bairro do Jaraguá, para cobrar uma reunião com o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PSB).

Após algumas horas de manifestação, o diálogo entre ambas as partes foi estabelecido e a gestão municipal se prontificou a cooperar com as reivindicações levantadas pela população.

Em um documento assinado por autoridades do movimento, o MTST cobrou a resolução de algumas pautas, entre elas está desapropriar e revisar as dívidas de prédios em situação de abandono para fins de moradia digna.

MTST em reunião com JHC, na Praça Dois Leões. Foto: MTST


A militante Eliane Silva, membro da Coordenação Nacional do MTST em Alagoas, explicou os motivos de colocar esses pontos em questão.

“A prefeitura precisa identificar estes imóveis, saber se estes imóveis estão com dívida de IPTU e desapropriar para fins de moradia. Independente do imóveis ser particular, se deve imposto tem que cobrar a desapropriação, estes imóveis deve dever mais que o valor, não cumpre com a função social tem que serem fiscalizados com rigor na lei”, explicou.

Agora, após terem se reunido com JHC, todas essas questões devem ser trabalhadas em conjunto com o poder público. “Há um canal de comunicação aberta entre o MTST e a gestão de Maceió. Vamos estar discutindo isso, ponto a ponto, agora mais próximo, com um diálogo mais aberto e não vamos abrir mão de discutir os pontos de pauta que foram dialogados com o prefeito. Ele se colocou à disposição, se colocou com interesse de resolver esses problemas, que foi pautado pelo MTST”, disse.

Contudo, conforme explicou Eliane, a demanda por moradia é uma pauta de extrema urgência. Atualmente, existem 600 famílias vivendo em uma ocupação de um terreno na parte alta da cidade, iniciada no dia 14 de dezembro de 2019.

“Seiscentas famílias estão localizadas na ocupação Tereza de Benguela, na parte alta de Maceió. O único apoio que ela tem recebido é do MTST, e agora o compromisso da prefeitura de Maceió de atender essas famílias no programa de habitação da Prefeitura. E aí, apoio mesmo, de alimentação, essas coisas, só através do MTST”, pontuou a coordenadora.

*Com supervisão da Editoria