Pandemia expõe desigualdade salarial entre população maceioense: "Antes eu comia carne"
De juízes a empregados domésticos, as realidades se distinguem aos extremos
Em meio a maior crise sanitária do último século, o Brasil voltou ao mapa da fome. E a repercussão, como cantava Jorge Ben Jor, "deu no New York Times". No mês de abril, o jornal publicou uma matéria intitulada: "Devastado pela Covid-19, Brasil enfrenta uma epidemia de fome".
Neste cenário, como apontou um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os preços dos alimentos aumentaram no país. De janeiro a junho, a carne aumentou 7,25%. Ovos e frango, 6,87%. O açúcar cristal subiu 14,25%; já o refinado teve um reajuste maior ainda, subindo 16,14%.
Mas, e se, além do seu salário normal, você recebesse mais 5% do valor total apenas para gastos com alimentação? E se essa proporção aumentasse para 10%?
Para quem ganha um salário-mínimo, receberia um auxílio de R$ 110 a mais para pagar as contas do mês. Mas e se a sua categoria tivesse um piso salarial de R$ 30 mil, ainda seria necessário, ou ainda faria sentido, ter esse benefício mensal? Já que estaria ganhando cerca de 30 vezes mais que a maioria da população brasileira.
"Eu seria a mulher mais feliz do mundo se ganhasse R$ 3 mil por mês. Comprava tanta carne boa". Essas foram as palavras de Suzete Maria da Silva, de 66 anos, quando foi perguntada se a quantia era suficiente para realizar apenas as compras de alimentos do mês.
O assunto ganhou uma proporção maior quando o presidente do Tribunal de Justiça, Klever Loureiro, o valor de R$ 1.500 reais é pouco para "apenas" garantir a alimentação, então por isso é necessário que sejam R$ 3 mil.
Entretanto, quando o desembargador disse isso ele estava apenas se referindo ao auxílio-alimentação dos magistrados, que teve um aumento de 100%, chegando ao valor referido no final do parágrafo anterior.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em maio, o valor médio dos rendimentos das pessoas em Alagoas era de R$ 1.630. Número 3,3 vezes menor que o valor ideal do salário-mínimo nacional calculado pelo Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese), que foi de R$ 5.421,84. Suzete é aposentada e ainda tem que trabalhar como cozinheira para manter uma renda mensal de R$ 1.600.
Mesmo assim, ela ainda está a frente da média dos maceioenses, que, segundo dados da quarta edição do Boletim de Desigualdade nas Metrópoles, realizada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), tiveram queda 1,5% na renda domiciliar per capita do trabalho, indo de R$ 701 em 2020 para R$ 690 neste ano.
Você deve se lembrar da dona Suzete, talvez não pelo nome, mas sim pelo fato que, no último dia 13, um vídeo de uma entrevista com ela "viralizou" no país inteiro após se emocionar ao lamentar que "está tudo muito caro, a gente não sabe mais o que fazer, vem fazer compra e não sabe o que comprar. A gente não consegue comprar mais carne, pois o dinheiro não dá. Eu sou aposentada e continuo trabalhando".
Em entrevista ao portal 7Segundos, a aposentada se indignou ao saber da fala do presidente do TJAL. "Ele ainda acha que ganha pouco. A gente trabalha o ano todo e fica na expectativa de um aumento. Então chega o final de 2020 e o presidente da República dá um aumento vergonhoso de R$ 55". O salário-mínimo no Brasil foi de R$ 1.045 em 2020 para R$ 1.100 em 2021.
Ricos ganham quase 55 vezes mais que a população base em MaceióForam R$ 55 de aumento no salário-mínimo do ano passado para este. Esse é quase o número de vezes que os ricos ganham a mais que a população base na capital alagoana.
A informação também é do levantamento da PUCRS, que evidenciou que os 10% do topo da distribuição de renda tiveram um aumento na vantagem dos ganhos em relação aos 40% da base de distribuição de renda.
Agora, os ricos ganham 54,6 vezes mais que a população da brasileira. "Antes eu comia carne", relembrou Suzete. A percepção da aposentada é sustentada por um levantamento feito pela empresa de tecnologia financeira QR Capital, que mostrou que, mesmo com os aumentos [acima da inflação só até 2015], o rendimento mínimo legal no Brasil caiu 40,7% desde 2011. Neste ano, o salário-mínimo vigente está valendo US$ 192, o menor valor da década.
Entre os anos de 2003 e 2006, o valor do salário mínimo variou de R$ 200 para R$ 350. A quantia, de acordo com o Dieese, teve 46% de ganhos reais durante o período. Já entre 2007 e 2010, esse número caiu para 11%.