Emprego

"MP 1.045 torna regra a precarização e o desprezo ao trabalho humano", afirma advogado

7Segundos conversou com o diretor da ABRAT sobre as mudanças propostas na nova reforma trabalhista

Por João Arthur Sampaio 22/08/2021 08h08
'MP 1.045 torna regra a precarização e o desprezo ao trabalho humano', afirma advogado
"MP 1.045 torna regra a precarização e o desprezo ao trabalho humano", afirma advogado - Foto: Arquivo pessoal

Bancários, telefonistas, jornalistas, advogados, engenheiros. Essas são algumas das categorias afetadas pela medida provisória (MP) 1.045, que foi aprovada na Câmara dos Deputados na semana passada, por 304 votos a 133. A MP reduz o pagamento de horas extras para profissões com jornada de trabalho reduzida; cria uma modalidade de trabalho sem direito a férias, 13º salário e FGTS; dificulta a fiscalização trabalhista, incluindo casos de trabalho análogo à escravidão; entre outras medidas.

Apenas dois deputados federais da bancada alagoana votaram contra o projeto de Lei. Agora, o projeto será analisado pelo Senado e, caso seja aprovado sem alterações, segue para a sanção presidencial. Se houver alterações, a MP volta para a Câmara para uma nova votação.

O portal 7Segundos entrou em contato com o diretor de assuntos legislativos da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT), Geraldo Carvalho, para conversar um pouco sobre o tema e os impactos que essa nova reforma trabalhista propõe ao proletariado no país.

Geraldo, que também é secretário de política sindical do Sindicato dos Advogados de Alagoas (SINDAV/AL), classificou a MP como um "verdadeiro desmanche trabalhista, que atinge absolutamente todas as categorias profissionais no Brasil, em níveis diferentes".

Reforma trabalhista de 2017, reforma da previdência e MP 1.045. Como ficam os empregos formais com todas essas mudanças?

"Para além das três novas modalidades de relação de trabalho instituídas que são completamente precarizantes, na MP foram incluídos 'jabutis' que, dentre outras coisas, dificultam a atuação dos auditores do Trabalho na fiscalização e punição de empresas que descumprem a legislação trabalhista e até mesmo normas de saúde e segurança do trabalhador, ou até mesmo em casos de trabalho análogo à escravidão; dificulta ou mesmo inviabiliza o acesso à justiça gratuita por empregados em condições de hipossuficiência, à medida em que só poderá ter tal benefício aquele trabalhador registrado como baixa renda em cadastros do Governo. Além de aumentar ainda mais o fosso estabelecido pela reforma da previdência entre o trabalhador e a seguridade social, tendo em vista que especialmente dois dos novos modelos de trabalho, o Requip e o de Serviço Social Voluntário, simplesmente acabam com a natureza empregatícia - e portanto formalizada - com trabalhadores que, enquanto contratados nestas modalidades, não terão o período contado para fins de aposentadoria, nem terão assegurados direitos como auxilio doença, pensão por morte, auxilio reclusão, auxilio maternidade, etc."

Essas mudanças incentivam ou precarizam o emprego no país? E, já que negam direitos básicos ao trabalhador, podem ocorrer de maneira legal?

"Se aprovada pelo Senado, essa lei, da forma que foi elaborada pela Câmara [o que eu acho pouco provável], passará a ser vigente e, em tese, aplicável, no entanto de aplicação muito pouco recomendável para as empresas, tendo em vista que a grande maioria das novas regras são manifestamente inconstitucionais, e certamente serão objeto das mais variadas ações de declaração de inconstitucionalidade, seja no controle concentrado de constitucionalidade, perante o STF, seja através do controle difuso, perante o TST e os diversos Tribunais Regionais do Trabalho do Brasil."

Com essa nova reforma, como fica a questão da hora extra paga ao profissional?

"Os que têm regime de jornada especial por força de lei, em regra por condições específicas de saúde ocupacional, a exemplo de jornalistas, bancários, operadores de telemarketing, aeronauta, mineiro, passarão a ter sua remuneração de hora extra a partir de apenas 20%, o que é uma grave afronta à Constituição Federal de 1988, que diz claramente no seu artigo 7º que o adicional de hora extraordinária deve ser de pelo menos 50% do valor da hora normal. Outro grande absurdo, que neste caso atingirá especialmente algumas profissões."

Existe a probabilidade dos empregadores demitirem CLTs para contratarem pessoas sob essas novas regras?

"Para o trabalhador que já está trabalhando de carteira assinada, uma vez dispensado, não poderá ser recontratado na modalidade do programa Priore pelo mesmo empregador pelo prazo de 180 dias, contado da data de dispensa. Isto é o que está na lei, mas muito provavelmente é outro ponto que, se passar, poderá ser contestado judicialmente pelas inúmeras possibilidades de fraudes à vista."

Após a reforma trabalhista de 2017 e agora com essa nova mudança, o cenário para as condições de trabalho do proletariado brasileiro é cada vez mais hostil?

"Em verdade, essas regras novas se revelam verdadeira tentativa de uberização geral das atividades econômicas, levando à tutela do trabalho humano à condição de verdadeira selvageria. O Priore, por exemplo, cria empregados de segunda, terceira e quarta classe, inclusive na mesma função, enquanto tira parte importante de direitos trabalhistas como FGTS, 13º salário e férias proporcionais, para jovens entre 18 e 29 anos em busca do primeiro emprego e maiores de 55 anos sem emprego formal (carteira assinada) há mais de 12 meses. É simplesmente o retorno da já rejeitada Carteira Verde e Amarela. Já o tal do Requipe, por sua vez, cria uma modalidade de contratação que, sob a tese de uma "qualificação" oferecida pela empresa, o trabalhador, mesmo preenchendo todos os requisitos da relação empregatícia, não tem direito carteira de trabalho assinada, férias, aviso prévio, Fundo de Garantia, INSS, e nem mesmo à qualquer perspectiva de receber um salário mínimo. E no Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário, o trabalhador não tem nenhum sequer direito trabalhista, a ser remunerado por hora pelas prefeituras que passarão a não mais realizar concursos em mesma frequência e nem mesmo realizar contratações de prestadores terceirizados formais, exceto em atividades de profissões regulamentadas como profissionais da medicina, odontologia, advocacia e por aí vai."

Geraldo finalizou a entrevista relembrando que a MP 1.045 veio, inicialmente, apenas para renovar o benefício emergencial (BEm), mas que a proposta foi "desfigurada" pela Câmara dos Deputados.

"Caso seja convertida em lei desta forma, o cenário de proteção do trabalhador brasileiro terá uma redução catastrófica de patamar civilizatório, virando regra a precarização e o desprezo ao trabalho humano", alertou.