Mesmo com nome social travestis e transexuais relatam constrangimento ao votar
Alagoas possui cerca de 480 pessoas com título de eleitor com nome social
As eleições gerais de 2022 estão marcadas para acontecer no domingo (2) de outubro. Nessa data, as pessoas terão o direito de escolher seus representantes na presidência, vice-presidência, governos estaduais, senadores e deputados.
Para muitos, votar é uma atividade corriqueira, que na pior das hipóteses esperar horas em uma fila é o cenário mais catastrófico. Entretanto, para travestis e transexuais sair de casa para votar é um ato de coragem e força de vontade.
De acordo com o levantamento parcial feito pelo Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE/AL) o estado possui 480 pessoas utilizando o nome social em seu título de eleitor. Este número representa a apuração feita até o dia 4 de maio de 2022, podendo sofrer alterações até o mês de Julho.
Essa pequena parcela de eleitores, não necessariamente representa o total de eleitores transexuais e travestis no estado de Alagoas, contudo serve para demonstrar a luta dessa pequena parcela da população que sai de casa todos os domingos de eleição para votar.
Na pele da publicitária Késia Willyanne, votar utilizando o seu título sem o nome social significa ser constrangida.
“[Me sinto] um pouco constrangida em ter que explicar que sou trans e por isso a pessoa do RG não tem a mesma aparência que a pessoa presente ali. Sem falar na saia justa quando o indivíduo não sabe se dirigir a você. Porque o foco na identidade é tão grande que acabamos sendo tratadas com o gênero que está ali. Para uma pessoa trans isso é um gatilho enorme. É como um retrocesso de tudo o que batalhamos pra conquistar”, comentou.
Questionada se havia retirado o seu título com nome social, Késia afirmou não ter se sentido estimulada a retirá-lo, por conta da burocracia em conseguir um documento seu por direito.
“Ainda não tentei. Mas com outros documentos, incluindo o cartão do SUS, eu tentei e vi o quão burocrático é o processo. Isso quando o sistema "não funciona" para esta função. Escuto muito essa desculpa”, explicou.
Em 2018 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicou uma Portaria Conjunta TSE nº 1/2018 assegurando o direito de travestis e transexuais utilizarem o seu nome social no título de eleitor. Para fazer a alteração, é preciso entrar no site Título Net, escolher a sua Unidade da Federação (UF) e preencher todos os documentos requeridos pelo site.
Apesar de burocrático e muitas vezes desestimulante, conseguir o título de eleitor com seu nome social é algo imprescindível para pessoas trans e travestis. Késia afirmou nunca ter deixado de votar por não possuir o seu título, mas afirma já ter ficado constrangida.
“Me sinto [constrangida] todas as vezes que preciso mostrar a minha identidade para alguma coisa. É uma situação desagradável que eu já me acostumei embora esteja cansada de dar tantas explicações. Vale toda a minha existência. Pode ser algo simples. Mas vejo o quão poupada de constrangimentos e explicações do meu gênero seriam esgotados se eu apenas pudesse me aprender como quem eu sou”, desabafou.
Quem tem, se sente bem?
Maceió concentra o maior colégio eleitoral de pessoas trans e travestis de Alagoas, com 252 eleitores, segundo a apuração parcial do TRE/AL. Ainda assim, mais de duas centenas de pessoas estão sujeitas a serem discriminadas ao votar.
A técnica de enfermagem Natasha Wonderfull da Silva retirou o seu título com nome social há quatro anos, durante um mutirão realizado por uma universidade particular de Maceió.
“Antes do nome era muito constrangimento por ter o nome masculino e uma aparência feminina então era muito constrangimento, aí eu sofria muito. Hoje eu sofro mais ou menos, porque como a minha voz ainda é um pouco grossa eu ainda sofro um pouco de preconceito, e quando eu entrego o documento a pessoa já tem uma outra visão”, disse.
Apesar disso, Natasha afirma nunca ter deixado de votar mesmo com os documentos antigos.
“Votar eu sempre votei, porque eu sou militante há muitos anos então para mim votar é muito importante até para gente mudar a política, para gente ter força de conseguir o nome civil, então para mim o voto é muito importante”, argumentou.
E hoje, mesmo com os seus direitos resguardados, Natasha comenta sobre as suas experiências em dias de eleição.
“Outro constrangimento que eu sofro é pela voz, como eu não tenho bloqueio hormonal, então ainda sofro. Uma piada, um olhar diferente, quando você tá na fila, o preconceito nunca acaba. A gente troca o nome para melhorar o acesso, mas as pessoas olham para a aparência e nem o nome, às vezes você dá um documento com o nome trocado e as pessoas ainda te tratam pelo masculino, pelo preconceito mesmo”, denunciou.
Como alterar a documentação
O prazo para a inclusão do nome social no título de eleitor se encerrou na quinta-feira (4) de Maio de 2022. Até aquele dia, as pessoas trans e travestis interessadas em utilizar o seu nome social tiveram o direito de se cadastrar de forma remota.
Buscando ajudar essa parcela da população, o Centro de Acolhimento Ezequias Rocha Rego (CAERR), especializado no acolhimento de pessoas LGBTQIA+ e pessoas vivendo com Hiv/Aids realizou uma parceria com uma universidade particular, o poder judiciário e a justiça itinerante para fazer mudança de nome em documentos e inclusão do nome social no título de eleitor.
Agora, novos prazos deverão ser estipulados pelo TRE e mais mutirões deverão ser feitos para a mudança de nome e registro e inclusão do nome social no título de eleitor, porém até o momento não há uma data definida para este serviço.