Política

Mesmo com nome social travestis e transexuais relatam constrangimento ao votar

Alagoas possui cerca de 480 pessoas com título de eleitor com nome social

Por Felipe Guimarães 05/06/2022 08h08
Mesmo com nome social travestis e transexuais relatam constrangimento ao votar
Urna eletrônica - Foto: José Cruz/Agência Brasil

As eleições gerais de 2022 estão marcadas para acontecer no domingo (2) de outubro. Nessa data, as pessoas terão o direito de escolher seus representantes na presidência, vice-presidência, governos estaduais, senadores e deputados.

Para muitos, votar é uma atividade corriqueira, que na pior das hipóteses esperar horas em uma fila é o cenário mais catastrófico. Entretanto, para travestis e transexuais sair de casa para votar é um ato de coragem e força de vontade.

De acordo com o levantamento parcial feito pelo Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE/AL) o estado possui 480 pessoas utilizando o nome social em seu título de eleitor. Este número representa a apuração feita até o dia 4 de maio de 2022, podendo sofrer alterações até o mês de Julho.

Essa pequena parcela de eleitores, não necessariamente representa o total de eleitores transexuais e travestis no estado de Alagoas, contudo serve para demonstrar a luta dessa pequena parcela da população que sai de casa todos os domingos de eleição para votar.

Foto da fachada do TRE



Na pele da publicitária Késia Willyanne, votar utilizando o seu título sem o nome social significa ser constrangida.

“[Me sinto] um pouco constrangida em ter que explicar que sou trans e por isso a pessoa do RG não tem a mesma aparência que a pessoa presente ali. Sem falar na saia justa quando o indivíduo não sabe se dirigir a você. Porque o foco na identidade é tão grande que acabamos sendo tratadas com o gênero que está ali. Para uma pessoa trans isso é um gatilho enorme. É como um retrocesso de tudo o que batalhamos pra conquistar”, comentou.

Questionada se havia retirado o seu título com nome social, Késia afirmou não ter se sentido estimulada a retirá-lo, por conta da burocracia em conseguir um documento seu por direito.

“Ainda não tentei. Mas com outros documentos, incluindo o cartão do SUS, eu tentei e vi o quão burocrático é o processo. Isso quando o sistema "não funciona" para esta função. Escuto muito essa desculpa”, explicou.

Em 2018 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicou uma Portaria Conjunta TSE nº 1/2018 assegurando o direito de travestis e transexuais utilizarem o seu nome social no título de eleitor. Para fazer a alteração, é preciso entrar no site Título Net, escolher a sua Unidade da Federação (UF) e preencher todos os documentos requeridos pelo site.

Késia. Foto: Arquivo pessoal


Apesar de burocrático e muitas vezes desestimulante, conseguir o título de eleitor com seu nome social é algo imprescindível para pessoas trans e travestis. Késia afirmou nunca ter deixado de votar por não possuir o seu título, mas afirma já ter ficado constrangida.

“Me sinto [constrangida] todas as vezes que preciso mostrar a minha identidade para alguma coisa. É uma situação desagradável que eu já me acostumei embora esteja cansada de dar tantas explicações. Vale toda a minha existência. Pode ser algo simples. Mas vejo o quão poupada de constrangimentos e explicações do meu gênero seriam esgotados se eu apenas pudesse me aprender como quem eu sou”, desabafou.

Quem tem, se sente bem?


Maceió concentra o maior colégio eleitoral de pessoas trans e travestis de Alagoas, com 252 eleitores, segundo a apuração parcial do TRE/AL. Ainda assim, mais de duas centenas de pessoas estão sujeitas a serem discriminadas ao votar.

A técnica de enfermagem Natasha Wonderfull da Silva retirou o seu título com nome social há quatro anos, durante um mutirão realizado por uma universidade particular de Maceió.

“Antes do nome era muito constrangimento por ter o nome masculino e uma aparência feminina então era muito constrangimento, aí eu sofria muito. Hoje eu sofro mais ou menos, porque como a minha voz ainda é um pouco grossa eu ainda sofro um pouco de preconceito, e quando eu entrego o documento a pessoa já tem uma outra visão”, disse.

Natasha Wonderfull. Foto: Arquivo pessoal/Instagram


Apesar disso, Natasha afirma nunca ter deixado de votar mesmo com os documentos antigos.

“Votar eu sempre votei, porque eu sou militante há muitos anos então para mim votar é muito importante até para gente mudar a política, para gente ter força de conseguir o nome civil, então para mim o voto é muito importante”, argumentou.

E hoje, mesmo com os seus direitos resguardados, Natasha comenta sobre as suas experiências em dias de eleição.

“Outro constrangimento que eu sofro é pela voz, como eu não tenho bloqueio hormonal, então ainda sofro. Uma piada, um olhar diferente, quando você tá na fila, o preconceito nunca acaba. A gente troca o nome para melhorar o acesso, mas as pessoas olham para a aparência e nem o nome, às vezes você dá um documento com o nome trocado e as pessoas ainda te tratam pelo masculino, pelo preconceito mesmo”, denunciou.

Como alterar a documentação


O prazo para a inclusão do nome social no título de eleitor se encerrou na quinta-feira (4) de Maio de 2022. Até aquele dia, as pessoas trans e travestis interessadas em utilizar o seu nome social tiveram o direito de se cadastrar de forma remota.

Centro de Acolhimento Ezequias Rocha Rego (CAERR). Foto: Assessoria



Buscando ajudar essa parcela da população, o Centro de Acolhimento Ezequias Rocha Rego (CAERR), especializado no acolhimento de pessoas LGBTQIA+ e pessoas vivendo com Hiv/Aids realizou uma parceria com uma universidade particular, o poder judiciário e a justiça itinerante para fazer mudança de nome em documentos e inclusão do nome social no título de eleitor.

Agora, novos prazos deverão ser estipulados pelo TRE e mais mutirões deverão ser feitos para a mudança de nome e registro e inclusão do nome social no título de eleitor, porém até o momento não há uma data definida para este serviço.