Justiça

Professores de União dos Palmares recebem precatórios do Fundef com descontos milionários e denunciam irregularidades

Após anos de espera, repasse gera frustração e revolta

Por Lane Gois 16/08/2025 07h07 - Atualizado em 16/08/2025 09h09
Professores de União dos Palmares recebem precatórios do Fundef com descontos milionários e denunciam irregularidades
Prefeitura de União dos Palmares - Foto: Roberto Ventura

Após anos de luta judicial e expectativas frustradas, o pagamento dos precatórios do antigo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), iniciado nesta sexta-feira (15) pela Prefeitura de União dos Palmares, gerou revolta entre os professores da rede pública municipal.

O motivo? Os valores recebidos pelos profissionais foram bem abaixo do esperado, marcados por descontos elevados e questionados pela categoria, que aponta possíveis irregularidades no repasse.

Entre os principais pontos de indignação estão a retenção de 20% para pagamento de honorários advocatícios e a cobrança de 27,5% de Imposto de Renda (IR)— a alíquota máxima permitida  aplicada diretamente na fonte.

 “Saiu a nossa vergonha. A educação palmarina está de luto”, desabafou uma professora.
  “Quase não sobrou nada. Era melhor nem ter anunciado que havia precatórios”, comentou outro educador.

Repasse autorizado por lei de R\$ 54 milhões
O pagamento só foi possível após a aprovação, pela Câmara de Vereadores, do Projeto de Lei nº 014/2025, que autorizou a abertura de crédito especial no valor de R\$ 54 milhões. A proposta foi sancionada pelo prefeito José Iran Menezes da Silva Júnior, com base na ação judicial nº 0800891-43.2015.4.05.8000.

De acordo com a legislação federal (Lei nº 9.424/1996, Emenda Constitucional nº 114/2021), 60% desses recursos deveriam ser obrigatoriamente destinados aos profissionais do magistério. Mas, com os descontos aplicados, o montante efetivamente recebido pelos professores gerou insatisfação generalizada.

STF proíbe uso do Fundef para honorários advocatícios

A principal controvérsia gira em torno da destinação de parte dos recursos para advogados contratados pela prefeitura. Em julgamento com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é inconstitucional o uso do valor principal dos precatórios do Fundef/Fundeb para pagamento de honorários advocatícios contratuais.

 “Os recursos estão constitucionalmente vinculados à educação básica e só podem ser usados para esse fim”, destacou a ministra Rosa Weber, relatora do Recurso Extraordinário 1428399 (Tema 1.256).
 A Corte permitiu apenas o uso dos juros de mora da ação para pagamento de advogados, nunca o valor principal.

TCU reforça: verba não pode ser usada para salários, abonos ou dívidas


O entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) vai na mesma linha. Em decisão de julho de 2019, o órgão afirmou que os precatórios do Fundef devem ser integralmente destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino público de nível básico, via Fundeb.

Segundo o TCU, o uso desses recursos para pagamento de salários, abonos ou passivos trabalhistas e previdenciários é vedado e pode configurar dano ao erário e descumprimento da legislação federal.

Cobrança de IR é considerada indevida por especialistas


Outro ponto que revoltou a categoria foi a cobrança do Imposto de Renda na alíquota de 27,5% sobre os valores recebidos , algo que, segundo especialistas e publicações jurídicas como o JusBrasil, pode ser considerado ilegal.

 “As parcelas do Fundef pagas aos professores têm natureza indenizatória, pois representam recomposição de perdas causadas por repasses incorretos da União entre 1998 e 2006”, explica a análise.

De acordo com o Código Tributário Nacional (art. 43), imposto só incide sobre acréscimo patrimonial, o que não se aplica ao caso dos precatórios, já que os professores estão apenas recebendo algo que lhes era devido há anos.

Em decisão já consolidada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que, em pagamentos retroativos acumulados, o IR deve ser calculado  com base nas faixas e alíquotas vigentes à época em que os valores deveriam ter sido pagos, e não sobre o total recebido de forma extemporânea (REsp 1118429/SP).

Professores que se sentirem prejudicados podem recorrer à Justiça por meio de ação de repetição de indébito tributário, solicitando a restituição dos valores indevidamente retidos. Advogados alertam que o pedido não deve ser feito diretamente via declaração anual do IR, sob risco de inconsistência de dados e malha fina junto à Receita Federal.

Prefeitura ainda não se pronunciou


A Prefeitura de União dos Palmares  foi contatada pela reportagem do portal 7Segundos, que solicitou esclarecimentos sobre os critérios utilizados nos cálculos, a base legal para os descontos e a prestação de contas dos valores repassados. Até o fechamento desta matéria, não houve retorno.