Polícia

Pedreiro é solto após 16 anos preso por crime que não cometeu

Cícero José foi detido após ser abordado pela polícia na rua, enquanto conversava com um amigo. Ele foi acusado de tentativa de homicídio

Por Diário do Nordeste 09/04/2021 20h08
Pedreiro é solto após 16 anos preso por crime que não cometeu
Cícero José foi detido após ser abordado pela polícia na rua, enquanto conversava com um amigo. - Foto: Reprodução/Web

Uma velha frase diz que anos jamais serão apenas dias. Esta sentença, ainda que clichê, é a que mais se enquadra na realidade vivida pelo pedreiro Cícero José de Melo, que passou 16 anos preso enquanto tentava provar inocência. No mandado de detenção, o homem havia sido acusado de tentativa de homicídio injustamente e, após muitas tentativas, nessa quinta-feira (8/4) foi considerado inocente e, depois, solto, em Juazeiro do Norte, Ceará.

“Me considero como se eu tivesse sido sequestrado por um crime que eu não cometi nem contra o Estado, nem contra a sociedade”, disse o pedreiro ao Diário do Nordeste.

O caso, desde o começo, se tratou de uma incoerência e de um equívoco policial. Em 18 de novembro de 2005, Cícero estava na rua, no Crato (CE), com um amigo, quando teria sido surpreendido por uma equipe de agentes policiais. O homem, que não estava com documento de identificação na hora da ação, teria sido imediatamente acusado de cometer um crime, que não tinha nem conhecimento de qual era.

“Me colocaram dentro da viatura, me fizeram passar vergonha. As pessoas olhando para mim como se eu tivesse cometido crime mesmo. Eu falando que era inocente e eles rindo de mim, rindo da minha cara”, declarou Cícero.

Cícero não contou com nenhum apoio para defendê-lo frente à injustiça. Em entrevista, ele declarou que, enquanto esteve encarcerado na Penitenciária Industrial e Regional do Cariri, lutou sozinho para provar a própria liberdade. “Nunca tive visita. Eu vivi no abandono. Quem me confortava era Deus e meus parceiros de cela”, lamentou.

Processo de soltura


Cícero chamou a atenção de um advogado, chamado Roberto Duarte, que se interessou em auxiliá-lo para ter a garantia de liberdade. Desde 2005, o homem não havia sido ouvido por nenhum agente de Justiça e nenhum dos juízes envolvidos no caso procurou ouvir testemunhas ou conhecidos da vítima.

“Comecei a investigar possíveis processos nas comarcas do interior e na capital e nada de achar. Fiz uma visita ao Cícero. Nessa visita, colhi a procuração dele, fiz requerimento administrativo junto à direção da Pirc e fui respondido com o alvará de soltura”, relembrou o advogado.

Após pedido do advogado, a juíza corregedora de presídios, Maria Lúcia Vieira, emitiu um documento para solicitar providências para analisar a situação de Cícero em relação à Justiça. Tendo em vista a falta de provas, foi decidido o fim da prisão provisória do homem.

Evidente ilegalidade


“Torna-se imprescindível o relaxamento da prisão do custodiado a fim de sanar a evidente ilegalidade da sua prisão, vez que não há informações, motivos que fundamentem sua manutenção em cárcere”, disse o ofício.

Agora que está liberto, o homem está em busca da família e amigos, com quem perdeu o contato há anos. Segundo ele, os conhecidos não tiveram conhecimento de sua prisão.

“Passei 16 anos preso injustamente. Eu servi o Exército. Meu sonho era colocar meu filho no Colégio Militar. E esse sonho tiraram de mim. Eu me senti péssimo. É difícil se manter no Sistema Penitenciário com pessoas que cometeram crimes e eu sem ter cometido. Jamais eu ia mentir: se eu tivesse cometido um crime, eu diria. Quem comete um crime tem mesmo que pagar pelo que fez”, explicou o pedreiro.

Posicionamento da Justiça

O Tribunal de Justiça do Ceará se posicionou a respeito da situação de Cícero. Em nota, o órgão declarou que, ainda com diversas pesquisas em sistemas de dados prisionais, não foi encontrada nenhuma declaração comprometedora que justificasse a prisão do pedreiro.

“Cabe destacar ainda que o Judiciário pode ser acionado a qualquer momento pela defesa dos custodiados, seja por meio de advogado particular ou defensor público, ou pelas próprias unidades prisionais, para análise e deliberação de cada processo. No caso de Cícero José de Melo, essa comunicação ao Poder Judiciário só foi realizada nos dias atuais e, após retorno do Órgão Ministerial, foi determinada imediatamente a soltura dele”, disse o Tribunal em comunicado.