Clau Soares
Ensaio sobre o esquecimento social no Brisa do Lago
“Não somos bichos. Somos seres humanos”. A frase foi repetida muitas vezes pelo líder comunitário do conjunto Brisa do Lago, Jonis Cleudston da Silva, na última semana, em entrevistas que concedeu às rádios locais. Na ocasião, ele pedia que empresários e autoridades dessem mais atenção aos moradores do local em virtude do segundo caso de incêndio em uma moradia.
A declaração continuou ressoando: por que é preciso um ser humano declarar, com forte emoção na voz, que não é um animal? Naquele momento, Jonis queria deixar claro que as autoridades estavam fechando os olhos para uma tragédia anunciada no conjunto habitacional: o risco iminente de incêndio nas pequenas residências. “Procurei a empresa e a prefeitura antes desse incêndio”, insistiu ele nas entrevistas.
O Brisa do Lago é uma Arapiraca à parte. Existe desde 2011, quando foram entregues cerca de 600 imóveis, construídos por uma parceria entre Prefeitura de Arapiraca, Caixa Econômica e Engenharq (construtora) e ganhou mais 400 casas, em 2012. Tudo relatado em matéria de 2012 divulgada no site da Prefeitura de Arapiraca. Concluímos, pois, que é muita gente vivendo em um microcosmo, com problemas bem singulares.
Graças às preocupações sociais dos gestores municipais, o local conta com posto de saúde, Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), energia elétrica, água encanada e ruas pavimentadas. O alto índice de violência também resultou na construção de uma base policial para o conjunto, a base do Brisa do Lago.
Ou seja, quem está de fora tem a impressão de que os moradores já têm tudo e nem precisariam sair de lá para resolver qualquer coisa. Por ser distante do Centro de Arapiraca, também há ônibus que ligam o bairro Olho D’Água dos Cazuzinhas (sim, existe este bairro aqui e é lá que fica o Brisa do Lago) ao resto da metrópole.
Apesar de toda essa estrutura, quem reside ali tem a impressão de fazer parte dos esquecidos urbanos. Eles não querem apenas uma estrutura básica, eles almejam ser tratados como gente, tendo sua cidadania respeitada. E, por isso, realizaram protestos quando viram mais um vizinho ter sua casa destruída pelas chamas. Eles também sabem que se as autoridades não tomarem providências a próxima vítima pode ser qualquer família do conjunto.
E a tragédia humana está lá por toda parte. Dona Josefa, uma das moradores, fez questão de apresentar o filho tetraplégico. Sobre a cama, em uma casa minúscula, ele continuou imóvel, como passa quase todo o dia. O rapaz estava trabalhando de mototáxi quando um assaltante atirou nas costas dele. Desde então, precisa o tempo todo dos cuidados da mãe cujo cansaço e desespero parece estar tão presente nela quanto a respiração. E dona Josefa se indagava: caso ocorra um incêndio aqui como vou socorrer meu filho?
Não, eles não querem apenas trancar vias, fazer “baderna”, eles querem apenas ser vistos como pessoas, humanos, com seus dramas e felicidades, com família, amigos, bichos de estimação e sonhos.