Religioso, Senna quase largou F1 após briga com ex-presidente da FIA em 1990
Ayrton Senna era um homem religioso e não fazia questão de esconder isso. Em inúmeras ocasiões, atribuiu a Deus o mérito por suas conquistas na Fórmula 1.
Isso não impediu, porém, a rixa com Alain Prost, que em duas vezes terminou em acidentes. Ou ainda a desavença com Jean-Marie Balestre, ex-presidente da FIA (Federação de Automobilismo), que quase acabou com sua carreira na principal categoria do automobilismo.
O caso aconteceu antes da temporada de 1990 da F1. No final do ano anterior, Senna ficou revoltado com a decisão de Balestre de desclassificá-lo do GP do Japão, em Suzuka, após uma batida com Prost. O resultado deu o título do campeonato ao francês e o brasileiro não economizou na hora de disparar críticas ao dirigente.
“O Alain Prost provocou aquele acidente porque, se os dois marcassem zero ponto naquela corrida, o Prost seria campeão do mundo. Só que o Ayrton conseguiu voltar e venceu. Com isso, o campeonato estava na mão dele. E aí o Balestre roubou. Roubou mesmo, desclassificou ele de forma injusta alegando que ele cortou a chicane. Ele não cortou a chicane.
Ele tinha tido um acidente e usou a área de escape pra sair e voltar para a pista de um modo seguro, não podia dar ré. Mas o Balestre interpretou a lei de outra maneira e desclassificou o Ayrton dessa corrida”, relembrou ao iG Esporte Alex Dias Ribeiro, ex-piloto e amigo de Senna.
Ribeiro ficou próximo de Ayrton quando o tricampeão, ainda em início de carreira, se juntou ao grupo “Atletas de Cristo”. Condição que foi mantida em segredo nos primeiros meses, eles conversaram sobre Deus durante anos e Senna o tratava como uma espécie de conselheiro. E foi assim que sobrou para Alex a missão de convencer um orgulhoso piloto a pedir desculpas a Balestre para salvar sua carreira.
“O Senna ficou inconformado e botou a boca no mundo. Disse que foi roubado e aí o cara (Balestre) considerou isso desacato a autoridade e deu um gancho pra ele, suspendeu”, contou Ribeiro.
“Só que a opinião pública voltou-se contra o Balestre de forma clamorosa e aí ele providenciou uma saída ‘honrosa’. Disse que se o Ayrton se retratasse pelo desacato, ele revogaria a sentença da suspensão dele para poder disputar o campeonato. E tinha um prazo pra isso, o prazo de inscrição do campeonato”, prosseguiu Alex.
Só que Senna estava irredutível. “Não vou pedir perdão porque o que fizeram comigo é errado”, ele dizia. Até Nuno Cobra, então preparador físico do piloto, ligou desesperado para Ribeiro pedindo que ele conversasse com Ayrton.
“Eu sugeri fazer uma carta dizendo que ele realmente acha que era injusta a punição, que mantinha a opinião dele da injustiça, porém que se retratava de ter desacatado a autoridade. Só isso. E ele falou pra mim: ‘mas onde é que fica minha dignidade?’. E eu pra ele: ‘onde é que ficou a dignidade de Jesus quando pregaram ele em uma cruz?’. Aí ele virou e disse: ‘mas eu não sou Cristo, pô!”, afirmou Ribeiro.
Como revelou Emerson Fittipaldi ao iG Esporte, a ideia de correr na Fórmula Indy estava na cabeça de Ayrton. E essa foi uma saída cogitada pelo piloto para não ter que se desculpar com Balestre.
“Eu falei: ‘o que você vai fazer se não for correr de automóvel? Você faz bem isso, é sua profissão’. Ele disse: ‘eu vou pra Fórmula Indy’. Aí eu: ‘mas correr de Fórmula Indy é andar para trás para quem é campeão do mundo de F1’. Passou e ele acabou se entendendo lá com o Balestre. Não sei como é que foram os termos da conversa, mas ele levou a encrenca até a última hora, até o último minuto”, disse Ribeiro.
Vingança na mesma Suzuka
No final da temporada de 1990, Senna conseguiu sua vingança contra Prost. No mesmo GP do Japão, desta vez era o brasileiro quem ficaria com o título se nenhum dos dois pontuasse. E, para conquistar o bicampeonato, Ayrton não hesitou: jogou sua McLaren para cima da Ferrari do francês e ambos abandonaram a prova na primeira curva.
“Eu falei que não era legal ele ser um cristão e ter essa atitude beligerante com o adversário dele, no caso o Prost. E eu falava que isso não estava certo. Mas ele também tinha um senso de justiça muito grande e não se conformava com a bandalheira que era. Então, já que os caras não faziam justiça, ele fazia justiça com as próprias mãos”, explicou Ribeiro.
“Ele provocou o acidente no ano seguinte. E foi tão gritante o gesto dele que os caras não tiveram nenhuma moral de puni-lo. Porque punir ele ali seria ter que rever a punição que ele sofreu no ano anterior”, contou Alex.
E, mesmo com essas atitudes, Ribeiro disse que não via Senna como uma pessoa teimosa. Em sua opinião, Ayrton era um homem muito dedicado e totalmente comprometido com sua profissão. E um péssimo perdedor.
“Era muito fissurado no que ele fazia, com a busca da excelência, de se superar, ganhar tudo. Era um atleta nota dez, não media esforços. E era um péssimo perdedor (risos). O segundo lugar para ele não servia, só o primeiro”, finalizou Alex.