Gugu faz talk show na cadeia e trata bandidos (reais) como celebridades
Quando foi contratado pela Record em 2009, Gugu Liberato deu entrevistas dizendo ter sido atraído pela oportunidade de fazer um talk show em que entrevistaria médicos, políticos, empresários e artistas. O projeto era para a Record News e nunca saiu do papel _ou melhor, nem para o papel foi. Quase seis anos depois, Gugu finalmente realiza o sonho. No lugar de gente prestigiada da medicina, da política, dos negócios e das artes, no entanto, está entrevistando condenados pela Justiça por crimes chocantes.
Agora na guerra da audiência do horário nobre, Gugu se lançou no filão dos talk shows policiais com Suzane von Richthofen, em sua reestreia na Record, quase um mês atrás. Prosseguiu nesta semana com o ex-goleiro Bruno Fernandes. A primeira confessou ter matado os pais. O segundo foi sentenciado como mandante da execução de uma modelo com quem teria tido um filho. A produção já corre atrás da próxima atração: os Nardonis, condenados por jogarem uma menina de cinco anos do sexto andar de um prédio.
Entrevistas com bandidos famosos têm apelo de audiência, e uma grande emissora até paga por elas. Mas Gugu tem feito mais do que entrevistas. Ele tem tratado criminosos como celebridades, e agora os bandidos são de verdade, não figurantes encapuzados se passando por membros do PCC, farsa que encenou no SBT em 2003 e que arranhou, e muito, a sua imagem de bom moço dos auditórios.
Gugu começou a entrevista com Bruno se dizendo muito ansioso, como se fosse encontrar Obama, Madonna ou o papa Francisco. Ao vê-lo, Bruno sorriu _parecia até que tinha acabado de ser chamado para sentar no sofá de Jô Soares. E, tal qual um ator no extinto quadro Intimidade de Xuxa Meneghel, revelou que vai escrever um livro sobre sua saga. No final, ganhou um mimo do apresentador: duas gravações em que as filhas do ex-atleta contam que estão com saudades e que torcem para ele sair logo detrás das grades. Bruno chorou. "Pegou pesado comigo", constatou, sobre o apresentador da Record.
Diferentemente de um programa jornalístico sério, Gugu faz entretenimento na cadeia. A entrevista com Bruno Fernandes foi pontuada por alguns falsos mistérios. O primeiro durou só a edição de quarta-feira (18): "Qual o pedido que a esposa de Bruno fez para o Gugu?", dizia a legenda na tela. Ela queria apenas que Gugu dissesse a Bruno para fazer um exame de DNA e, assim, eliminar a dúvida se é ou não é o pai do filho de Eliza Samúdio, a mulher assassinada cinco anos atrás.
O segundo mistério atravessou os dois programas dedicados a Bruno Fernandes. O que haveria dentro de um envelope branco, com a palavra "confidencial", que Gugu segurava no palco e que prometia mudar o "caso Bruno"? O telespectador que apostou no resultado de um exame de DNA errou. Era apenas o protocolo da entrada na Justiça de uma ação judicial de negação de paternidade.
Para enriquecer sua entrevista com o ex-goleiro (ou para encher linguiça durante duas noites, dependendo do ponto de vista), Gugu escalou um jornalista, uma psiquiatra, advogados e um operador de detector de mentiras, promovendo no palco um debate sobre as declarações do ex-ídolo da torcida do Flamengo.
Gugu tem se saído muito bem como entrevistador de bandidos. Com seu estilo suave, agrada aos entrevistados. Faz boas perguntas, mas a verdade é que não arranca nada de comprometedor. No fundo, serve mesmo é para promover os encarcerados, os humanizando e até eventualmente os inocentando. Como nos melhores late night shows recheados de celebridades, Gugu não perde a oportunidade de revelar algo mais pessoal ou íntimo. Para Bruno, por exemplo, perguntou se ele não se achava parecido com o filho de Eliza Samúdio.
Enfim, o que Gugu está fazendo não é jornalismo. É talk show, que pertence ao campo do entretenimento, não da notícia. Por enquanto, está funcionando. As entrevistas com Suzane von Richthofen e Bruno Fernandes foram as maiores audiências de seu programa e beliscaram a liderança da Globo. O problema é que Gugu, a essa altura da carreira, pode ficar conhecido como entrevistador de preso. E afugentar anunciantes _que, aliás, já têm evitado seu programa.