Capital

Quatro militares são acusados de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver

Por Redação com assessoria 06/08/2015 14h02
Quatro militares são acusados de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver
- Foto: Reprodução/ TV Gazeta

O Ministério Público Estadual de Alagoas denunciou, na tarde dessa quarta-feira (05), quatro policiais militares pela morte do jovem de 17 anos Davi Silva. O adolescente desapareceu do Conjunto Cidade Sorriso I, no Benedito Bentes, no dia 25 de agosto de 2014, no horário da manhã.

A denúncia aponta Eudecir Gomes de Lima, Carlos Eduardo Ferreira dos Santos, Vitor Rafael Martins da Silva e Nayara Silva de Andrade como os policiais militares que torturaram, assassinaram e, por fim, ocultaram o corpo de Davi Silva. “Os indiciados, no exercício de suas funções do Batalhão de Radiopatrulha, conscientes e voluntariamente, em comunhão de desígnios, agindo em concurso de pessoas, por comissão e omissão, constrangeram os adolescentes e vítimas, ambos com 17 anos na época do fato, com emprego de violência e grave ameaça, causando-lhes sofrimentos físicos e mentais, em plena via pública, e, em ato contínuo, algemaram o menor Davi Silva, colocando-o dentro do camburão, sequestrando o mesmo, tendo este sido torturado até o óbito”, aponta a ação penal ajuizada perante a 14ª Vara Criminal da Capital, com competência para julgar crimes contra criança, adolescente e idoso.

De acordo com o Ministério Público, várias testemunhas foram ouvidas e, uma delas, considerada a mais importante, é o adolescente que estava com Davi no dia em que o fato aconteceu. À polícia judiciária, o jovem teria relatado que ao serem revistados pelos policiais (ele e Davi), foram encontrados dois “saquinhos de maconha, um saquinho com cada um” e, após essa revista, os indiciados o liberaram, mas, algemaram Davi Silva e o “colocaram na mala da viatura, alegando que dariam uma volta com o adolescente e que depois iriam liberar o mesmo”. Porém, esse adolescente contou que Davi jamais fora visto novamente. Ele também disse que, após ver o amigo sendo detido, correu para comunicar a ocorrência à família da vítima.

As provas

Para a 59ª Promotoria de Justiça da Capital, as provas acostadas na denúncia não deixam dúvidas quanto a materialidade dos crimes. Seis testemunhas foram ouvidas e todas elas garantiram ter visto a abordagem policial que culminou com a detenção de Davi Silva. Neste caso, são pessoas que passavam pela praça no momento em que tudo aconteceu e que afirmaram que estavam no carro da PM “três homens e uma mulher, usando uma roupa camuflada, numa viatura que tinha o desenho de um cachorro da raça pitbull e que os após revistarem três rapazes, dois foram liberados, sendo que um deles fora algemado e colocado na mala do veículo, tomando destino incerto”.

Já a principal testemunha do caso disse em depoimento que acredita que a prisão de Davi pode ter ocorrido porque os denunciados queriam que os “adolescentes confessassem ser ou informassem onde poderia ser encontrado o 'Neguinho da bicicleta', um traficante procurado pela polícia”. Nesse momento, ambos negaram conhecer o referido criminoso e, Davi, diante daquela pressão dos militares, teria deixado cair a maconha que estava em suas mãos. “Davi Silva, nervoso, derrubou a droga e foi repreendido pela policial e indiciada Nayara, que se sentiu ofendida e perguntou-lhe se achava que ela era uma 'cachorra', momento em que Davi fora algemado e posto na mala da viatura, ao passo que ele (a testemunha) era agredido fisicamente pelo indiciado Eudecir, que começara a desferir golpes em suas partes íntimas, enquanto os outros acusados a tudo assistiam, em atitude de apoio, não impedindo a ação violenta”.

Diligências também foram realizadas a pedido do Ministério Público. E assim, após a exibição de fotos e vídeos dos militares que trabalhavam naquela área no dia do crime, o adolescente, que também é vítima, reconheceu Eudecir Gomes de Lima, Carlos Eduardo Ferreira dos Santos, Vitor Rafael Martins da Silva e Nayara Silva de Andrade.

Além disso, com a negativa dos militares de terem estado no local do fato, o MPE/AL ingressou com uma representação criminal pela quebra de sigilo dos dados telefônicos dos terminais pessoais, pertencentes a guarnição reconhecida nos autos. Autorizada pela Justiça, a diligência foi realizada e os dados foram fornecidos pelas operadoras de telefonia Oi, Tim, Claro e Vivo. Assim, após analisarem os dados das Estações de Rádio Base (ERB's), que mostraram as localizações dos PMs', ficou constatado que Nayara recebeu uma ligação no dia 25 de agosto às 09h40 e que Eudecir efetuou três chamadas, na mesma data, ambos, nas proximidades do local do crime.

“A materialidade e os indícios de autoria podem ser constatados suficientemente através dos depoimentos da vítima, a qual relata claramente as agressões físicas sofridas por ele e a intimidação psicológica que infligiram sobre o adolescente Davi Silva, culminando com a sua morte. Pelo contexto apurado, a culpabilidade dos quatro integrantes da guarnição se divide igualmente, quanto ao crime de tortura, uma vez que todos contribuíram para as agressões praticadas contra as vítimas, levando Davi ao óbito. Nota-se, pela dinâmica dos fatos, que a morte de Davi Silva deu-se a título de culpa, já que a intenção dos indiciados era torturar para obter informações dos traficantes da região”, explicou o MPE/AL na denúncia ajuizada.

Ocultação de cadáver

A ocultação de cadáver é o outro crime atribuído aos militares. “Depreende-se da conduta dos indiciados, que a ocultação do cadáver deu-se pela motivação de esconder vestígios de outro crime, nesse caso a tortura seguida de morte do adolescente Davi Silva”, diz mais um trecho da ação penal.

Caso a denúncia seja aceita pelo Juízo da 14ª Vara Criminal, o Ministério Público pede para que seja dada prioridade processual ao caso, haja vista a absoluta proteção que o Estado deve destinar ao interesse das crianças e adolescentes, conforme previsão do artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

“Pede-se, por fim, que seja antecipada a produção da prova testemunhal, ouvindo-se logo o adolescente (também vítima) por ser peça fundamental deste processo, com base no Art. 156, I e 225 do Código de Processo Penal, levando-se em consideração que esse jovem se encontra inserido, por decisão judicial, no Programa de Proteção à Criança e Adolescente Ameaçados de Morte – PPCAAM/AL, podendo precisar se ausentar desta Comarca a qualquer tempo, caso o programa entenda necessário uma mudança de domicílio. Por outro lado, fazendo a oitiva antecipada, garante-se a segurança desse jovem, ouvindo-o em ambiente propício para sua idade e circunstâncias do fato, assegurando-se apenas a presença dos advogados de defesa. Assim, realizando sua oitiva antecipada, estará garantida a busca pela verdade real durante a persecução penal, o que, sem dúvida, é de interesse de todas as partes, bem como evita o indesejável fenômeno da 'revitimização'”, concluiu a 59ª Promotoria de Justiça da Capital.