Plano de saúde dos Correios pagou prótese peniana
lvo de denúncias de superfaturamentos e desvios que ultrapassam R$ 21 milhões, segundo cálculos da Polícia Federal (PF), o antigo plano de saúde do Correios, chamado Correios Saúde, foi extinto em 2014. Em seu lugar, a estatal lançou o Postal Saúde, prometendo mais controle e fiscalização dos procedimentos. Mas não é o que se tem visto. Um inquérito do Núcleo de Repressão a Crimes Postais, da PF, reúne documentos que mostram o descontrole nos gastos do dinheiro público. Um deles se refere a serviços pagos pelo novo plano de saúde dos quais consta uma prótese peniana para o tratamento de uma mulher.
Segundo a investigação, a funcionária do Correios procurou a emergência do Hospital Israelita Albert Sabin, na Tijuca, em novembro do ano passado, queixando-se de enxaqueca. Na descrição do material que teria sido usado, há itens suspeitos como uma prótese peniana, além de um medicamento para “secar” o leite em mulheres que amamentam, Dostinex; e uma tala sintética, usada para imobilização ortopédica. A funcionária, que teve descontada no contracheque parte do valor do atendimento, denunciou a irregularidade ao setor de saúde do Correios.
Os valores lançados no documento revelam ainda discrepâncias em relação aos preços praticados em licitações públicas. É o caso da seringa descartável 10ml, que custou R$ 3,20 ao plano de saúde do Correios. Licitações realizadas pelo portal Compras.net mostram que o preço varia entre 12 centavos e 50 centavos, dependendo da quantidade negociada. O medicamento Profenid custou aos cofres públicos R$ 13,86. No Compras.net, o valor de mercado varia entre 95 centavos e R$ 10,37, mais uma vez, dependendo do volume comprado. Quanto à prótese peniana semi-rígida maleável, o valor cobrado de R$ 47,50 está longe do preço praticado nas licitações: entre R$ 1.269 e R$ 3.500.
— Esse documento mostra o descontrole e as falhas nos processos de auditoria. Passa qualquer coisa — afirma uma fonte que teve acesso ao inquérito policial.
Fazia parte do Conselho Deliberativo do Postal Saúde o ex-diretor regional do Correios no Rio Omar de Assis Moreira. O executivo foi denunciado pelo Ministério Público por envolvimento em fraudes no plano de saúde e foi demitido do serviço público.
Novo gerenciamento
A empresa paulista Benner foi contratada, no início de 2014, pelo Postal Saúde para gerenciar o plano de saúde dos funcionários do Correios em todo país. A administração central da caixa de assistência que passou a gerir o orçamento do seguro de saúde da estatal fica em Brasília.
O custo de implantação do sistema de gerenciamento da Benner foi de R$ 2.540.327. Já o custo mensal de manutenção é de R$ 3.582.000, de acordo com uma planilha com as cotações enviadas pelas nove empresas que participaram do processo de seleção feito pelo Postal Saúde.
A Benner, segundo o contrato firmado com o Postal Saúde, poderia terceirizar alguns serviços, como a central de atendimento telefônico. Para fazer as auditorias administrativas, checando se valores cobrados pelas unidades de saúde estão de acordo com as tabelas acordadas, a Benner contratou uma empresa do mesmo grupo, a BRC.
Já para as auditorias nas unidades de saúde, checando prontuários médicos e atendimentos prestados em hospitais do Rio, foi contratada uma empresa com sede em Brasília, a Audicare. Antes dela, até setembro do ano passado, outra empresa do grupo Benner, a Aite, prestava esse serviço.
As respostas
Os sócios do grupo Benner, Marcelo Murilo Silva e Luiz Fernando Figueiredo, prestaram esclarecimentos à PF, no Rio, no dia 12 de novembro do ano passado. Seis dias antes, um advogado do grupo havia extraído uma cópia do inquérito.
Apesar disso, a assessoria de imprensa do grupo Benner, ao ser procurada pelo EXTRA, afirmou inicialmente que a empresa não tinha conhecimento da investigação e, portanto, nada havia a ser dito no momento.
Horas depois, a assessoria decidiu enviar uma nota: “A Benner desconhecia qualquer reclamação ou denuncia com relação a citação da jornalista. (...) Não houve qualquer fraude por parte do hospital e também não existiu erro de análise por parte da Benner. A citada prótese peniana devia-se na realidade a uma cobrança de um cateter, e o valor pago foi o exatamente o devido (R$ 47), seguindo a tabela acordada com o prestador. A princípio, acreditamos ter existido uma troca de codificação, apenas isso”.
A direção do Hospital Israelita Albert Sabin, na Tijuca, afirmou que “jamais emitiu fatura ou recebeu por uma prótese peniana dessa paciente”. Por meio de sua assessoria, afirmou também que ainda não recebeu o pagamento pelo atendimento prestado à paciente.
O Postal Saúde respondeu que “houve um erro de leitura de transmissão do arquivo XML, o que ocasionou erro de nomenclatura do produto”, no caso, a prótese peniana. Não esclareceu se o mesmo aconteceu com a tala para imobilização ortopédica e com o remédio Dostinex. A caixa de assistência do Correios afirmou ainda que não houve cobrança indevida ou fraude do Hospital Israelita. “O problema foi apenas um erro de codificação pelo prestador”, afirmou a nota enviada pelo Postal Saúde.