São José da Laje é a primeira cidade do interior a implantar Arquivo Público Municipal
Ação conta com apoio do governo por meio do Gabinete Civil e potencializa cidade como vetor da cultura e turismo
Ela é conhecida na microrregião serrana dos Quilombos alagoanos como a Princesa da Fronteira. Sua atmosfera de ar límpido das serras e matas não só distribui ar puro aos nativos e turistas que a visitam. Distribui — e também respira — muita história.
Assim é o município de São José da Laje, situado na Microrregião Quilombo dos Palmares, com limites entre Santana do Mundaú, União dos Palmares, Ibateguara e Canhotinho (PE). Foi denominado como distrito de São José da Laje pela lei provincial nº 885, de 30 de junho de 1882 e elevado à categoria de cidade pela lei estadual nº 681, de 16 de junho de 1920.
Esta cidade alagoana com tantos atributos e íntima da natureza será a primeira do interior do Estado a ter um Arquivo Público Municipal, com apoio do Governo de Alagoas, por meio do Arquivo Público de Alagoas (APA). O anúncio foi feito durante o 10º Chá de Memória essa semana, no evento cultural que já faz parte do calendário da população local.
O projeto é uma iniciativa do Arquivo Público de Alagoas (APA), coordenado pelo Gabinete Civil do Estado, e que tem dado suporte para estimular os municípios alagoanos a resgatarem suas histórias e origens.
O município de pouco mais de 24 mil habitantes tem como principal vetor econômico a cultura da cana-de-açúcar através da Usina Serra Grande, além da pecuária e culturas diversificadas em pequeno porte.
Na semana que passou, a Prefeitura de São José da Laje ratificou as tratativas para a instalação do primeiro Arquivo Público Municipal do Estado fora da capital alagoana.
"São José da Laje imprime na história um marco, que é o anúncio da instalação do primeiro Arquivo Público no interior do Estado. A população lajense está de parabéns porque o apoio da prefeitura ratifica a importância dada às origens, aos valores históricos e documentais deste município", destaca a superintendente do Arquivo Público de Alagoas, Wilma Nóbrega. A gestora representou o governo do Estado no evento e nas tratativas para implantar o equipamento cultural na cidade.
De acordo com a superintendente, já vem sendo prestada assessoria técnica quanto às diretrizes para instalação desse importante equipamento público, desde o monitoramento do espaço físico, dos materiais, recursos humanos, além da coleta de documentos junto aos órgãos e os municípios, disponibilização de treinamento quanto à organização técnica, de acordo com as normas arquivísticas e de preservação, conservação e guarda dos acervos em seus mais variados suportes.
Figuras ilustres e filhos da terra
O futuro Arquivo Público Municipal está localizado em uma área nobre da cidade, na Praça Padre Cícero. São José da Laje é conhecido por ser uma cidade de figuras ilustres. São poetas, artistas, músicos, imortais do Instituto Histórico Geográfico de Alagoas (IHGAL).
"O Arquivo Público Municipal será aberto aos lajenses, para visitas, pesquisas de alunos das escolas estaduais e municipais, porque vai resgatar diversos documentos relevantes para a história da cidade. Teremos nossa história resgatada por meio de fotos, documentos, documentários, vídeos, reportagens, jornal, histórias das quatro grandes enchentes de1914, 1941, 1969, 2010, galeria com fotos de todos os prefeitos, histórias das famílias que prestaram serviços à cidade, enfim, toda a história do povo lajense,” completa a secretária de Cultura e Turismo, Jacineide Maia.
Chá de Memória, instrumento também para novas gerações
O evento cultural e festivo que ratificou o município como primeiro do Estado a implantar um Arquivo Público ocorreu na terça-feira (23), durante o décimo Chá de Memória, na Biblioteca Pública Fernando Galvão de Pontes. O público presente foi brindado com o tema "A análise da agricultura em São José da Laje e a participação da mulher", com o palestrante e secretário de Agricultura do município, Roger Cavalcante.
Durante o Chá, houve exposição de arquivos com nomes de famílias tradicionais da cidade, a exemplo do ex-governador de Alagoas Theobaldo Barbosa, e outras famílias importantes de berço lajense.
Para a professora Ana Paula Mendes, secretária municipal de Educação, o evento do Chá de Memória, além de propiciar uma viagem ao passado e o consequente resgate da memória do município, dá aos alunos das escolas convidadas o sentimento de pertencimento e a potencialização na divulgação do próprio município. "Nossos alunos têm se tornado multiplicadores da nossa história e cultura", atesta.
Na última edição, com intuito de democratizar o conhecimento dos temas do evento, foram convidados alunos de três escolas municipais, cada uma com 10 estudantes. O resultado é que o espaço foi pequeno para a comodar a estudantada e os professores.
"É muito bom ver gente em pé, mas por um ótimo motivo, com ânsia de conhecer um pouco mais sobre esta terra tão querida", completou a secretária.
Uma das divulgadoras do que viu no Chá de Memória realizado recentemente será a estudante Ingrid Raquel de Almeida, 13 anos, do 8º ano e aluna da Escola Municipal Maria do Rosário. "É uma oportunidade de ter conhecimento de minha cidade e repassar aos meus amigos", diz a menina que mora afastada da parte central da cidade. Colega de Ingrid, a estudante Maria Gabriela, também 13 anos, ratifica a condição de divulgadora da cultura e história. "Quero aprender mais para eu mesma contar a história de minha cidade", completa Gabriela.
Cidade carrega cicatrizes difíceis de esquecer
Além de seu aspecto bucólico e cultural, São José da Laje carrega consigo marcas difíceis de cicatrizar. Uma delas a tromba de água que caiu no dia 14 de março de 1969 e, recentemente, a enxurrada de 2010 que fez os rios Mundaú e Paraíba arrastarem tudo pela frente.
Em 1969, por exemplo, em pânico, os moradores subiam às cumeeiras das casas na tentativa de se salvarem. Alguns escaparam, mas a maioria foi arrastada pela violenta correnteza que sucedeu à tromba d’água.
As águas desceram pelo Rio Canhoto, passaram em São José da Laje e um pouco abaixo recebeu as águas do Rio Inhaúma e foi se juntar ao Rio Mundaú em União dos Palmares, compondo um imenso volume d’água provocando destruição até a Lagoa Mundaú, em Maceió, que sofreu inundações no bairro do Trapiche da Barra.
Os técnicos avaliaram na época que o volume de água de 1969 era inferior ao da cheia de 1962. Os danos teriam sido ampliados por causa da destruição da barragem da Usina Serra Grande, que provocou a tromba d’água, arrasando a cidade e a própria usina, que era considerada a segunda maior de Alagoas e sofreu perdas materiais superiores a 4 milhões de cruzeiros novos, à época. Só de açúcar essa perda foi de 100 mil sacas.
Mas as maiores perdas foram mesmo de vidas humanas. Até hoje não se sabe com precisão a quantidade de mortos daquela cheia. O levantamento do número de corpos encontrados ultrapassa os 400, mas pode ter sido maior.
"Estrangeiros", uma tradição na Princesa da Fronteira
De acordo com relato feito pelo escritor Fernando Galvão de Pontes, publicado originalmente na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGA), volume 35, em 1985, São José da Laje sempre flertou com figuras e personalidades que dão um certo ar de "internacionalização" ou "estrangeirismo" ao lugar de sentimentos brejeiros das serras das Alagoas.
No relato, foi na Laje que aterrissou gente como o engenheiro Franz Fred Schimidt, de nacionalidade alemã, que trabalhou na Usina Serra Grande, no início do século passado, por intermédio de amigos do coronel Carlos Lyra, um importante empreendedor do lugar.
Seus trabalhos de engenharia foram os seguintes: a ponte metálica para a estrada de ferro, em Santo Antônio, ligando os dois centros fabris: Serra Grande e Apolinário. A ponte em Serra Grande ligando o escritório central à estação da The Great Western of Brazil Railway Company Limited, empresa ferroviária inglesa que construiu e explorou ferrovias no Nordeste do Brasil.
E para não fugir às tradições da aprazível e velha Laje de receber bem os "estrangeiros", quem encontra-se nesta condição é ninguém menos que Jerciton Júnior, 54 anos, que ocupa o cargo de vice-prefeito da cidade.
Júnior — um engenheiro pernambucano que chegou à Laje no fim dos anos 1990 para trabalhar e se considera um lajense de coração e alma — ratifica o desejo da prefeitura em fincar terreno com um marco que coloca o município como pioneiro na instalação do Arquivo Público Municipal entre todas as cidades do interior do Estado de Alagoas.
"É sem dúvida um marco importantíssimo para todos nós lajenses e para Alagoas. É a reafirmação do nosso compromisso com este município riquíssimo em história e cultura, e no qual contamos para que este filho nasça, com apoio dos artistas e historiadores do município" ressalta o vice-prefeito.
"Vamos inaugurar também o Mirante de São José (padroeiro) para agregar mais valor à cultura e ao turismo", completa Júnior. Sobre uma possível data para inaugurar o Arquivo Público, Júnior informa. "Sabemos que dependemos dos processos licitatórios para compra de material e equipamentos para instalar o nosso Arquivo Público, mas estamos trabalhando com a data de 28 de julho, que é a data de nossa emancipação", completa.
Ainda na tradição estrangeira da velha Laje foi lá que também aportaram figuras como a italiana Balbina Cassella, que fora comerciante durante muitos anos, casada com Arthurt Neves, conhecido pelo povo lajense como tenente Arthurt, proprietário da “Farmácia Farol da Medicina”. De formaão erudita, Balbina sabia música e tocava piano.
Foi a Laje também que recebeu o russo Salomão Nutels, fornecedor de gêneros alimentícios ao exército russo, no tempo do regime czarista. Atraído pela lenda de que na Argentina ouro e diamante se encontravam com facilidade, em 1914 para lá se dirigiu com esperanças de se tornar rico. Com o dinheiro escasseando, resolveu voltar à Europa, num navio alemão.
Em Recife o navio foi preso e Salomão, confundido com alemão fugiu às pressas. É que o povo de origem alemã estava sendo perseguido, porém no outro dia ele toma o trem e vai para uma cidadezinha do interior de Alagoas, Laje do Canhoto. Era uma pequena vila que praticamente vivia da cana-de-açúcar, além de uma dezena de pequenos engenhos produtores de rapadura, açúcar mascavo. aguardente (cachaça) e uma usina.
Salomão montou a Loja da Moda no único sobrado de São José da Laje, onde pela primeira vez foi instalado o sistema de vendas a prazo.