Crianças: manter rotina e brincar longe dos eletrônicos minimizam efeitos da pandemia
Saúde mental dos pequenos também é afetada pela falta de contato com outras crianças, aulas on-line e pais estressados
Atire a primeira pedra quem, nos últimos seis meses, não teve sequer um único momento de estresse, tristeza ou ansiedade provocado pela pandemia. Demissão ou incerteza quanto ao trabalho, medo de ficar doente ou de perder algum ente querido, o isolamento social cumprido à risca ou não; todas as pessoas, sem exceção, tiveram a rotina alterada em decorrência do coronavírus. Com as crianças, não foi diferente: sem as aulas presenciais, não tem a socialização com os colegas e o aprendizado não é o mesmo, apesar do esforço dos professores em se manterem conectados com os alunos nas aulas on-line.
As crianças passaram a passar mais tempo ociosas e quando são filhos únicos ou com irmãos em outras faixas etárias, demandam ainda mais a atenção dos pais. “As crianças estão sofrendo tanto quanto os adultos os efeitos da pandemia, a diferença é que, dependendo da idade elas não sabem expressar como se sentem e isso afeta seu comportamento”, afirma a psicóloga Karla Thiala Melo Silva, psicóloga clínica e comportamental e neuropsicóloga.
A profissional, que durante a pandemia percebeu um aumento na quantidade de pais que buscam atendimento psicológico para crianças e adolescentes, explica que as transformações na rotina e nas relações durante a pandemia tem provocado uma série de consequências na vida das crianças. As principais queixas que ela ouve durante as consultas estão relacionadas às mudanças comportamentais: tristeza, irritabilidade, medo excessivo, entre outras, que de acordo com ela muitas vezes estão relacionadas a privação da socialização com colegas, instabilidade no sono, mudança de hábitos alimentares e o excesso de tempo em frente a equipamentos eletrônicos, como celulares, tablets, computadores e TVs.
“A pandemia levou a uma mudança radical na rotina de todos. As crianças não tem mais que acordar cedo para ir para a escola e, por isso acabam dormindo mais tarde também; sem a companhia dos colegas, eles acabam demandando mais tempo dos pais ou responsáveis, que trabalhando em casa ou fora, nem sempre têm como dar a atenção exigida. Junta-se a isso, alterações de hábitos alimentares, a rotina de aulas on-line, que por vezes acaba sendo mais exaustiva que as aulas presenciais justamente pela privação da socialização, e além disso tudo, a expectativa de muitos sobre quando as aulas presenciais vão voltar”, explica.
Uma maneira de minimizar a ansiedade e as mudanças de comportamento, de acordo com Karla Thiala, é justamente tentar estabelecer uma rotina. Definir horários de acordar e dormir, hora e espaço específico para estudar, e também estabelecer uma rotina alimentar, ajudam principalmente aos menores a se sentirem mais seguros.
“Para todas as crianças e principalmente para aquelas que estão na fase pré-escolar (até 6 anos), é muito importante limitar o tempo de acesso a telas. Muitas já precisam ficar um tempo em frente a elas para assistir aulas, mas além disso, é necessário receber estímulos longe delas. Brincadeiras que movimentam o corpo, ao ar livre se possível, é muito importante para o desenvolvimento psicomotor. Para os adultos vale também passar menos tempo on-line, e aproveitar esse período para a aproximação com os filhos, levando em consideração que as crianças costumam repetir os comportamentos dos pais. Se os pais estão ansiosos, elas também vão ficar”, declara.
Retorno às aulas
Um dos grandes motivos de ansiedade é o retorno às aulas presenciais. Enquanto a grande discussão entre os pais é entre a necessidade e o medo de mandar as crianças para a escola, especialmente as menores, que estão na pré-escola ou no Ensino Fundamental Menor, a psicóloga mostra os dois lados da moeda.
“As crianças que estão na Educação Infantil estão passando por um período muito delicado de neurodesenvolvimento. Elas aprendem principalmente pela vivência e pelas experiências e, por conta disso, nas aulas online, a presença e o acompanhamento dos pais é mais exigido. Muitos se sentem sobrecarregados ou simplesmente não entendem a importância daquelas tarefas para a criança”, declarou.
Ela explica que, apesar de as crianças terem o desenvolvimento da aprendizagem afetado pela falta de aulas presenciais, crianças muito pequenas não têm discernimento para seguir as medidas de higiene e de distanciamento social. “Existem duas questões para que as crianças consigam seguir as recomendações para usar a máscara o tempo inteiro na escola e o distanciamento social: o autocontrole e a noção de perigo. As crianças pequenas não desenvolveram ainda o autocontrole, se elas querem abraçar o coleguinha, ela não vai lembrar que não pode, simplesmente vai lá e abraça. E a noção do perigo é desenvolvida apenas a partir dos 5 ou 6 anos de idade, antes disso ela não consegue entender que o abraço no colega pode ser arriscado”, ressaltou.