Uso de antibióticos na pandemia fez triplicar o número de "superbactérias", diz Fiocruz
Em 2021, o número de amostras positivas foi de quase 3.700

Ao longo da pandemia de Covid-19, triplicou a disseminação de superbactérias, microrganismos resistentes a diversos antibióticos, em hospitais brasileiros, mostra análise do LAPIH (Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do Instituto Oswaldo Cruz), da Fiocruz.
O levantamento foi feito a partir de amostras de bactérias isoladas em oito laboratórios estaduais de saúde pública e enviadas à Fiocruz para uma análise mais detalhada. O grupo pertence a uma rede de monitoramento de resistência bacteriana da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Ainda não há dados consolidados de todo o país.
Em 2019, haviam sido isoladas pouco mais de mil bactérias resistentes a antibióticos. Em 2020, o número de amostras positivas foi de quase 2.000. E em 2021, entre janeiro e outubro, foram mais de 3.700 amostras confirmadas.
O problema das bactérias resistentes até a antibióticos mais modernos, como os carbapenêmicos, é anterior à pandemia, mas piorou muito durante a crise sanitária. Entre as hipóteses estão o alto volume de pacientes muito graves nos hospitais e o aumento do uso de antibióticos. Na Europa, mesmo com a redução do uso de antibióticos, a resistência bacteriana também aumentou entre 2019 e 2020.
Uma estratégia tem sido voltar a usar antibióticos mais antigos, como a polimixina, que, embora mais tóxicos, mostraram-se eficazes no combate a algumas dessas bactérias resistentes. Ocorre que até eles estão perdendo o páreo.
Em agosto passado, uma nota da Anvisa, com base em dados de um laboratório público do Paraná, apontava que, além de um aumento de 90% de microorganismos resistentes, 20% das amostras da Acinetobacter baumannii, uma das bactérias causadoras de infecções hospitalares, já eram resistentes à polimixina.
Segundo a microbiologista e pesquisadora Ana Paula Assef, chefe do LAPIH, o fato de os pacientes com quadros graves de Covid ficarem internados muito tempo, intubados e muito debilitados, favorece o desenvolvimento de infecções secundárias, que precisam ser combatidas com antibióticos.
Com o aumento no uso desses medicamentos, cresce também a pressão seletiva sobre as bactérias. "É um cenário que favorece a disseminação da resistência. Neste ano, começamos a ver casos de bactérias que não tinham tanta resistência e que começaram a ter", explica Assef.
Embora notas técnicas da Anvisa e da OMS (Organização Mundial da Saúde) reforcem que os antibióticos não são indicados no tratamento de rotina da Covid-19, já que a doença é causada por vírus e esses remédios atuam contra bactérias, houve prescrição exagerada desses medicamentos.
Estudos internacionais já atestam isso. Uma pesquisa com 38 hospitais do estado de Michigan (EUA) mostra, por exemplo, que 57% de 1.705 pacientes hospitalizados com Covid receberam antibiótico. Mas só 3,5% tiveram uma coinfecção bacteriana confirmada por exames.
"Tivemos pacientes com quadros respiratórios muito graves, ficando na UTI por três semanas ou mais e não se sabia se tinha uma infecção bacteriana ali, então se usou muito antibiótico. Fora o antibiótico azitromicina que, no início da pandemia, foi usado para praticamente todos os pacientes. Isso pode ter induzido resistência para outras classes [de antibióticos]", diz a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas.
Para ela, a resistência bacteriana é uma epidemia silenciosa, que piora a cada ano e que a pandemia foi a gota d´água para agravar ainda mais o cenário. "Nós, do controle de infecção hospitalar, tivemos que desviar nossa atenção total para a pandemia. Tudo aquilo que fazíamos em termos de monitoramento e gerenciamento do uso de antimicrobiano ficou limitado."
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