Menino da Cidade de Deus reproduz famosa foto de afegã na capa da National Geographic
Davi Gonçalves, de 11 anos, que chamou atenção pela semelhança com a menina Sharbat Gula, também já fez seu primeiro trabalho como modelo
O menino Davi Gonçalves Augusto da Rocha Brito, de 11 anos, reproduziu a famosa foto da afegã Sharbat Gula na capa da revista National Geographic.
Davi, que é morador da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, chamou atenção ao ser clicado no portão da ONG Noiz Projeto Social e ter o olhar parecido com a da afegã. O olhar impactante em contraste com a pele morena virou passaporte para um contrato com a agência Cintra, e alguns trabalhos como modelo.
“O Davi já fez alguns trabalhos, está ganhando os seus primeiros cachês, mas tudo que ele ganha é para ajudar a mãe e avó em casa. Eles são muito simples e esse dinheiro ajuda muito”, explica André Melo, da Noiz, que está ajudando Davi em sua carreira.
A capa da National e a versão com Davi: projeto ganhou o nome National Rio — Foto: Reprodução/Abacaxi Fotografia
Foi justamente em um dos trabalhos de Davi que pintou a chance de reproduzir a capa da National. A fotógrafa Mariana Revelles, que conduzia o trabalho, se impressionou com o olhar de Davi e quis promover o clique.
“Ela fez um trabalho muito sensível porque ele é um menino muito tímido ainda. Ela o chamou para pintar o cenário, o envolveu em toda produção até o clique. Ele adorou”, conta André.
Modelo vai aprender a ler
As novidades em torno da vida do pequeno modelo da CDD não estão só no campo profissional. O menino que estava na terceira série, mas não sabe ler, voltou a estudar e, na próxima semana, entra para um projeto de alfabetização da Noiz Projeto Social.
“Era um sonho antigo montar esse projeto, mas com o Davi ganhou um gás novo. O Soletrar vai atender crianças de 6 a 12 anos com dificuldade para ler. Muito mais do que modelo, queremos tornar o Davi um grande homem”, diz André.
Violência marca história da família do menino
Davi mora na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, com a família. Ele mora com a mãe Taiane Gonçalves, que faz bicos como faxineira e tem outros dois filhos, uma mais velha, de 13 anos; e um menor, de 10 anos.
Os olhos expressivos de Davi escondem uma história triste que revelam a disputa por territórios no Rio de Janeiro.
Segundo Taiane, Davi herdou os olhos do pai, que já morreu.
“Quando ele nasceu, todo mundo falou: ‘Meu Deus! Moreno dos olhos verdes! A cara do pai’”, contou a mãe de Davi.
Taiane conta que a família vivia na região de Jesuítas, sub-bairro de Santa Cruz, também na Zona Oeste, e chegou a ter um imóvel em um condomínio do Minha Casa, Minha Vida. O vício em drogas e o hábito de circular em áreas comandadas por grupos rivais colocou o pai do menino no radar de milicianos que controlavam a região.
Ao perceber o risco, Taiane se mudou com os filhos para a Cidade de Deus. O pai foi morto pelos criminosos.
“Mataram, tomaram o apartamento e tudo o tínhamos comprado”, contou a mãe das três crianças.
A mãe conta ainda que já tinha pensado em levar o filho para posar para fotos, mas desistiu por causa de sua timidez.
“Já tinha levado, mais novo, para fazer foto. Mas ele era mais tímido. E nem corri mais atrás”, contou Taiane.
Davi também é de poucas palavras. Questionado sobre o que acha de ser modelo, ele apenas afirma que acha “legal”.
“Falam que ele é bonito e ele fica cheio de vergonha”, conta a mãe, orgulhosa da carreira que o filho pode começar a abraçar.