Mesmo após 135 anos, Lei Áurea não garante liberdade real aos negros do Brasil
Descendentes de escravizados seguem enfrentando consequências da chamada "lei para inglês ver"
O escritor, diplomata e abolicionista Joaquim Nabuco escreveu que “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Infelizmente, ele estava certo. Neste sábado (12), a Lei Áurea completa 135 anos, mas não há tanto a comemorar.
Em 1888, enquanto Dom Pedro II viajava, a Princesa Isabel entrou para a história como responsável pela assinatura da lei que marcava o “fim” da escravidão no país, que foi o último do Ocidente a declarar o término do trabalho escravo.
Mas, convenhamos: não era só assinar um papel!
Para a superintendente de Igualdade Racial do Estado de Alagoas, Manuela do Nascimento Lourenço, não há motivos para comemoração.
"Fala-se abolição, mas chamo de desconstitucionalização escravatura. Pois a Lei Áurea que criminalizou a escravidão, não ofereceu nenhuma política de proteção aos negros e negras para que pudessem sobreviver com dignidade, perpetuando o racismo. A Princesa Izabel não editou nenhuma medida para garantir uma sobrevivência digna para os negros e negras escravizados, nem terras pra plantar receberam por parte do Estado, o que se tinha era sob a égide da Lei de Terras de 1850, que optou pelo latifúndio ao invés da pequena propriedade. A data, deveria servir como dia de reflexão sobre as reais condições de vida dessa população negra no Brasil não somente naqueles tempos, mas também nos dias de hoje", destacou a superintendente.
Para se entender as desigualdades sociais - e raciais - que seguem existindo no Brasil ainda hoje é importante se permitir a ter um olhar afrontado sobre a História do Brasil. Com esse objetivo, foi lançado o Projeto Querino, produzido pela Rádio Novelo e que mostra alguns dos principais momentos da história do nosso país sob a ótica dos africanos e de seus decendentes.
A campanha abolicionista, no fim do século XIX, mobilizou vários setores da sociedade brasileira, no entanto, passado o dia 13 de maio de 1888, os negros foram abandonados à própria sorte, sem a realização de reformas que os integrassem socialmente. Por trás disso, havia um projeto de modernização conservadora que não tocou no regime do latifúndio e exacerbou o racismo como forma de discriminação. Não houve uma orientação destinada a integrar os negros às novas regras de uma sociedade baseada no trabalho assalariado.
O sociólogo Florestan Fernandes, em seu livro “A integração do negro na sociedade de classes, foi ao centro do problema:
“A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. (...) Essas facetas da situação (...) imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel”, escreveu.
Com a abolição da escravidão, os fazendeiros ficaram sem mão de obra para suas terras - e muitos deles se recusavam a pagar negros recém libertados. Para resolver o impasse, o governo brasileiro iniciou uma grande campanha com o intuito dos italianos virem ao país. Segundo a campanha, no Brasil eles teriam trabalho e moradia garantidos.
Foram quase quatro milhões de italianos que vieram para o Brasil entre 1884 - dois anos antes da abolição da escravatura - e 1939. Como eram brancos e católicos, os imigrantes eram tratados de maneira diferente dos antigos escravisados negros, mas a qualidade de vida não era superior ao que foi prometido pelo governo brasileiro.
Os ex-escravos, sem trabalho e perspectivas, além de serem discriminados pela cor da pele, somaram-se à população pobre e formaram os indesejados dos novos tempos. O aumento do número de “desocupados", trabalhadores temporários, mendigos e crianças abandonadas nas ruas redunda também em aumento de violência.
MARGINALIZADOS
Há quem pense que a abolição foi uma ação humanitária por parte do império brasileiro e, até hoje, princesa Isabel é conhecida como “salvadora”. Mas a campanha abolicionista movida por setores da economia dos anos 1880 estava longe de ser um humanitarismo solidário aos negros ou uma busca de reformas sociais democratizantes.
Oito anos antes, em 1880, o projeto abolicionista de Joaquim Nabuco foi rejeitado pela Câmara dos deputados. O texto manifestava alguma preocupação social para o que estaria por vir. O objetivo de Nabuco era que fossem estabelecidas nas cidades e vilas aulas primárias para os escravos. Os senhores de fazendas e engenhos seriam obrigados a mandar ensinar a ler, escrever, e os princípios de moralidade aos escravos.
Ainda segundo a superintendente alagoana Manuela Lourenço, 13 de maio é dia de rememorar e reforçar a denúncia contra o racismo e os tantos mecanismos que submetem a população negra às piores condições de vida possíveis.
“O racimo estrutural rege as relações econômicas e sociais, sabe -se que no mercado de trabalho, negros e negras além de terem salários mais baixos que os da população não negra, ocupam os postos de trabalho precários. Eles são a maioria dos desempregados também. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego entre os negros é 71% maior que entre a população branca”, continuou a profissional.
Manuela Lourenço é superintendente de Igualdade Racial do Estado de Alagoas
Dados levantados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios (Pnad-Contínua), também do IBGE, mostram ainda que o trabalho desprotegido é realidade para a maioria de negros e negras. Nessas ocupações estão 48% dos negros (homens não negros são 35%) e 46% das negras (mulher não negras nesse tipo trabalho são 34%).
A média salarial para mulheres negras também é inferior, de R$ 1.334 contra R$ 2.060 de mulheres não negras. Para os homens negros a média salarial é de R$ 1.540 contra R$ 2.397 de não negros. Os dados mostram que a mulher negra, principalmente, está na base da pirâmide social brasileira.
No acesso às políticas sociais, entre elas, a saúde, a educação e o saneamento, o racismo estrutural também está presente, fazendo com que a população negra seja excluída. Na educação, os dados mostram que apenas 34% dos estudantes universitários se declaram pretos ou pardos, sendo a que a maioria da população brasileira é negra (55%).
"Acabar com o racismo há que se ter um pacto social. Passa pelas instituições públicas, pelas organizações como movimentos sociais e sindical, pela mídia, pelos patrões, governos. Passa ainda por uma mudança curricular, já que a educação é caminho para construção social. É uma luta de todos nós!", finalizou Manuela Lourenço.