Polícia

Justiça responsabiliza Estado de São Paulo por morte de alagoano executado pela PM

Morador de rua, Jefferson foi executado com 24 tiros em junho deste ano

Por G1 01/09/2025 11h11
Justiça responsabiliza Estado de São Paulo por morte de alagoano executado pela PM
Jeferson era natural de Craíbas, no Agreste alagoano - Foto: Reprodução

A 11ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo determinou, em decisão liminar, que o estado de São Paulo providencie ou arque com as despesas do traslado do corpo de Jefferson de Sousa Santos, morador de rua assassinado por policiais militares, para o município de Craíbas, em Alagoas.

A decisão, assinada pela juíza Renata Yuri Tukahara Koga no último dia 29, é considerada inédita por reconhecer, de forma preliminar, a responsabilidade civil objetiva do estado pela morte de Jefferson, que sonhava em ser jogador de futebol e se mudou para a capital paulista após perder a mãe.

Jefferson foi executado com 24 tiros em junho deste ano. Os policiais militares acusados do crime foram denunciados por homicídio qualificado e tiveram a prisão decretada pela Justiça.

A defensora pública Fernanda Balera, autora da ação, destacou a relevância da decisão.“É a primeira vez que a Defensoria consegue que o translado do corpo seja custeado pelo estado em um caso de morte por intervenção policial. A decisão é importante porque normalmente as burocracias impostas pelo estado nos momentos de liberação, sepultamento e translado do corpo causam ainda mais sofrimento aos familiares”, disse.

O valor do translado do corpo é de cerca de R$ 15 mil, por isso a família espera conseguir ajuda da Defensoria Pública de São Paulo. O corpo segue no Instituto Médico Legal (IML).

O g1 procurou posicionamento do governo de São Paulo e aguarda resposta.

Responsabilidade do estado


Na decisão, a magistrada aplicou o artigo 37, §6º, da Constituição Federal, que prevê a responsabilidade objetiva da administração pública na modalidade de risco administrativo.

Isso significa que não é necessário provar se o policial agiu de propósito ou por descuido — basta demonstrar que a ação dele resultou no dano. Segundo a juíza, não houve nada que tirasse a responsabilidade do estado, como um imprevisto, uma fatalidade ou a culpa ser apenas da vítima.

“Estão presentes os elementos para a configuração da responsabilidade estatal: ação de um agente público, dano e nexo causal entre ambos”, escreveu a magistrada.

Custos com traslado


Com base no artigo 948 do Código Civil, que prevê reparação com despesas de funeral e luto, a juíza estendeu o entendimento para incluir o custeio do traslado do corpo para outro estado, atendendo pedido de Micaele Soares de Sousa, irmã da vítima e representante da família.

Agora, a autora da ação terá 30 dias para complementar a petição inicial, com pedido principal de indenização. Após essa etapa, o estado poderá apresentar contestação.

Quem era Jeferson


Com o sonho de ser jogador de futebol e enfrentando uma batalha contra o vício, Jeferson de Souza foi executado aos 24 anos com tiros de fuzil por policiais militares no Centro de São Paulo.

O caso aconteceu em 13 de junho, mas as imagens chocantes do jovem, que vivia em situação de rua, chorando e rendido antes de ser morto foram divulgadas no início de agosto pela TV Globo.

Jeferson saiu de Craíbas, município com cerca de 24 mil habitantes, no interior de Alagoas, em 2019, logo após a morte da mãe. A irmã da vítima, Micaele Soares, contou ao g1 que o irmão deixou a família em busca de oportunidades de emprego e uma vida melhor em São Paulo.

“A minha mãe faleceu. A gente não tem mãe nem pai. Ele foi embora em busca de trabalho. Ele tinha um sonho muito grande de ser jogador de futebol. Foi em busca de melhora”, compartilhou Micaele emocionada.

Filho único homem entre cinco irmãos, Jeferson teve a vida atravessada por duas dores: a morte da mãe por câncer e o assassinato do pai. "Mexeu muito [com ele], e se a gente não tiver psicológico, a gente adoece, vira a cabeça”, desabafou Micaele.

Em São Paulo, Jeferson conseguiu empregos em pizzarias. No entanto, acabou entrando no mundo das drogas e, com o tempo, foi parar em situação de rua. “A gente tentou ajudar, mas quem está no vício sabe como é difícil para sair e tudo. E quando [a gente] menos espera, acontece essa tragédia.”

A notícia da morte de Jeferson chegou para a família por uma ligação da polícia.

Quem tava ali para proteger, foi lá e tirou a vida dele. Nada justifica tirar a vida de um ser humano. Por que não prendeu se ele devia alguma coisa para a Justiça? Foi por 'malvadeza' mesmo que eles fizeram.


— Micaele Soares, irmã da vítima

Micaele lembra do irmão como uma pessoa generosa e prestativa. “Ele era muito bom, doce e sempre ajudava o próximo. Você mandava fazer uma coisa, e ele fazia.”