Saúde

Paracetamol é seguro na gravidez e não causa autismo, dizem especialistas

Organizações médicas americanas reafirmam segurança do Tylenol durante a gestação, rebatendo alegações de Donald Trump sobre ligação com autismo

Por CNN 24/09/2025 14h02
Paracetamol é seguro na gravidez e não causa autismo, dizem especialistas
Associações médicas rebatem alegações de Donald Trump sobre uso de Tynelol na gravidez estar associado a autismo - Foto: Freepik

Especialistas afirmam que grávidas não devem temer o uso de Tylenol, refutando alegações não comprovadas feitas pela administração Trump de que o medicamento pode causar autismo.

Em uma coletiva de imprensa na segunda-feira (22), o presidente dos Estados Unidos Donald Trump emitiu repetidamente um alerta amplo: "Se você está grávida, não tome Tylenol. Quando tiver seu bebê, não dê Tylenol ao seu bebê de forma alguma, a menos que seja absolutamente necessário."

No entanto, anos de pesquisas levaram as principais organizações médicas dos Estados Unidos a apoiar o uso de paracetamol, ou Tylenol, para tratar dor e febre durante a gravidez, com recomendações indicando que os benefícios superam quaisquer riscos potenciais.

"O evento da Casa Branca sobre autismo hoje estava repleto de alegações perigosas e informações enganosas que enviam uma mensagem confusa aos pais e futuros pais, além de prejudicar indivíduos autistas", afirma Susan Kressly, presidente da Academia Americana de Pediatria, em comunicado.

Especialistas apontam que existem limitações significativas nas conclusões que podem ser tiradas das pesquisas sobre a ligação entre Tylenol e autismo, e nenhuma nova pesquisa foi apresentada na coletiva de segunda-feira. O paracetamol ainda é amplamente considerado uma das melhores e mais seguras opções para tratar dor e febre durante a gravidez.

O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas afirma que o paracetamol é seguro para uso durante a gravidez e o recomenda como tratamento de primeira linha – e o grupo confirmou na segunda-feira (22) que não pretende alterar essa orientação.

A Sociedade de Medicina Materno-Fetal também reafirmou sua orientação de que o paracetamol é um "medicamento apropriado para tratar dor e febre durante a gravidez."

A organização afirma que as gestantes devem discutir qualquer uso de medicamento durante a gravidez com seu médico, mas "o peso das evidências é inconclusivo em relação a uma possível relação causal entre o uso de paracetamol e distúrbios neurocomportamentais nos filhos."

O conjunto de pesquisas que explora a ligação entre autismo e uso de paracetamol durante a gravidez não é conclusivo, e há ainda menos pesquisas analisando a prevalência do autismo em relação ao uso de paracetamol durante a infância ou primeira infância.

O uso excessivo de paracetamol representa riscos sérios para bebês e crianças, então os pais devem consultar cuidadosamente as diretrizes de dosagem e verificar com seus pediatras antes do uso. No entanto, os riscos identificados estão relacionados a danos ao fígado, não ao autismo.

"A coisa mais importante que foi dita durante essa conferência hoje é que o autismo é complexo, com uma etiologia multifatorial, e essa é a verdade", James McPartland, psicólogo infantil e diretor da Clínica de Deficiências do Desenvolvimento de Yale, diz à CNN: "Isso significa que o autismo é complexo e não existe uma única causa."

Riscos versus benefícios


No início deste ano, pesquisadores da Universidade do Sul da Flórida e da Universidade da Colúmbia Britânica compilaram uma revisão de estudos sobre os medicamentos para dor mais comumente utilizados durante a gravidez e os riscos potenciais para o feto.

Alguns medicamentos apresentam riscos comprovados. O uso do esteroide prednisona durante a gravidez, por exemplo, pode causar fenda labial ou palatina. O ibuprofeno, como Advil, e outros anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) devem ser usados apenas no segundo trimestre, segundo orientações do ACOG. Pesquisas sugerem que tomar ibuprofeno durante o primeiro trimestre pode causar aborto espontâneo e está relacionado a múltiplas malformações congênitas. Algumas associações com defeitos congênitos também foram encontradas quando tomado durante o terceiro trimestre.

Trump afirmou na segunda-feira (22) que "não há desvantagem" em não tomar Tylenol durante a gravidez, mas é amplamente reconhecido que deixar a dor ou a febre sem tratamento durante a gestação também apresenta sérios riscos.

Uma revisão de pesquisas publicada na revista Pediatrics descobriu que uma febre durante o primeiro trimestre pode ser especialmente perigosa, aumentando em até três vezes o risco de defeitos cardíacos congênitos, defeitos do tubo neural e fendas orais.

A febre durante a gravidez – especialmente febres altas – pode afetar o desenvolvimento cerebral do feto, e alguns estudos identificaram a própria febre como um fator de risco para transtornos do neurodesenvolvimento, como o autismo.

Especialistas afirmam que são necessárias muito mais pesquisas sobre o tema, e há também algumas evidências de que tomar medicamentos para reduzir a febre pode ter um efeito protetor.

Algumas pessoas podem querer evitar medicamentos durante a gravidez tanto quanto possível, e muitas podem optar por suportar uma dor de cabeça leve ou outras dores sem tomar nada, segundo Allison Bryant, ginecologista-obstetra e especialista em medicina materno-fetal do Hospital Geral de Massachusetts.

No entanto, às vezes, os profissionais de saúde podem aconselhar pacientes grávidas a tomar paracetamol para garantir que a dor possa ser tratada e não indique uma condição subjacente mais séria, explicou ela.

"Quando alguém tem dor de cabeça na gravidez, frequentemente queremos ter certeza de que essa dor de cabeça vai passar", afirma Bryant.

"Às vezes usamos o paracetamol de forma diagnóstica para identificar se não é uma dor de cabeça associada à pressão alta. Por isso, queremos que as pessoas não tenham medo de usá-lo nesses contextos quando recomendado."

A melhor entre as opções limitadas


Durante a reunião de segunda-feira (22), autoridades de saúde anunciaram que a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, emitirá um comunicado aos médicos "sobre os riscos do paracetamol durante a gravidez" e trabalhará para alterar o rótulo de segurança em produtos como Tylenol.

O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA orientará os médicos a "prescreverem a menor dose eficaz pelo menor tempo necessário e apenas quando o tratamento for requerido", afirma o secretário Robert F. Kennedy Jr. Isso está geralmente alinhado com as diretrizes existentes das organizações médicas.

"As orientações existentes já sugeriam usar Tylenol – e qualquer medicamento – durante a gravidez com a maior moderação possível. Então, o que foi discutido hoje está muito, muito alinhado com o que já existe há muito tempo", diz McPartland. "Gestantes devem consultar seus obstetras para determinar o que é apropriado para elas, considerando os fatores de risco associados a estar doente durante a gravidez."

Conversas detalhadas são importantes porque as recomendações para tratar dor ou febre em uma paciente grávida serão diferentes das indicadas para pessoas que não estão grávidas, segundo Bryant, que também lidera o comitê de consenso clínico em obstetrícia da ACOG. "As opções são bastante limitadas, e o risco pode ser real", afirma.

Especialistas concordam amplamente que o paracetamol é uma das melhores opções para controlar dor e febre durante a gravidez – é um medicamento de venda livre facilmente acessível que a maioria das gestantes relata usar.

Décadas de pesquisas com estudos amplos e de caso-controle descobriram que o paracetamol é "geralmente seguro" quando tomado conforme recomendado durante a gravidez, conforme apontou a recente revisão de estudos.

Porém, trabalhos mais recentes que focaram em possíveis ligações entre o uso de paracetamol durante a gravidez e resultados no neurodesenvolvimento, incluindo autismo, "sofrem de sérios vieses", segundo os pesquisadores.

A Sociedade de Medicina Materno-Fetal revisou esses estudos antes de publicar suas orientações atuais e também encontrou limitações significativas. Muitos estudos são baseados no uso autorrelatado de paracetamol sem detalhes sobre o tamanho da dose ou duração do uso.

Alguns estudos também se baseiam apenas em autorrelatos de transtornos do neurodesenvolvimento nas crianças, sem confirmação clínica.

A questão então se torna se o paracetamol em si está ligado ao autismo ou se a dor ou febre subjacente que levou a gestante a tomar o medicamento é a conexão mais forte, disse à CNN na segunda-feira (22) Steven Fleischman, presidente do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas.

"Nesses estudos que analisam dados retrospectivamente, não se obtém uma relação clara de causalidade", afirma Fleischman. "Acho muito prematuro sair por aí dizendo que encontramos uma causa, porque mesmo nos poucos estudos que sugerem uma relação, essa relação é muito pequena e, francamente, são estudos mal elaborados que chegaram a esses resultados."

Comunicação é fundamental


As orientações do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas, da Sociedade de Medicina Materno-Fetal e outras instituições servem como recursos baseados em evidências para apoiar conversas informadas entre profissionais de saúde e suas pacientes.

"Como em todo uso de medicamentos durante a gravidez, deve haver comunicação entre paciente e médico sobre os riscos versus benefícios do uso de medicamentos prescritos e de venda livre", afirma o comitê de publicações da Sociedade de Medicina Materno-Fetal em comunicado.

É comum que gestantes sintam muita pressão para fazer tudo perfeitamente, e esse estresse pode ser difícil de lidar, segundo Elizabeth Werner, psicóloga clínica da Universidade Columbia, especializada em atendimento durante a gravidez e pós-parto. Estudos clínicos envolvendo gestantes fornecem mais frequentemente associações superficiais do que vínculos causais, e essa incerteza pode gerar confusão e ansiedade.

"Você está tentando garantir que está fazendo o melhor possível durante sua gravidez, então pode ser muito estressante quando você não sabe exatamente o que deveria ou não deveria estar fazendo", explicou ela.

Considerar as fontes de informação torna-se realmente importante.

"Recomendo fortemente que as pessoas conversem com seus médicos e analisem as informações junto com um profissional que conheça as especificidades de sua vida e situação, para que possam tomar uma decisão informada sobre como proceder melhor com tratamentos médicos que possam necessitar", afirma Werner.