Celebridades

Djavan: 'Fiz um disco tentando quebrar o obscurantismo e a falta de esperança'

Também conta como se sentiu ao ser associado ao governo Bolsonaro: 'Injustiçado'

Por O GLOBO 09/08/2022 09h09
Djavan: 'Fiz um disco tentando quebrar o obscurantismo e a falta de esperança'
Djavan - Foto: Divulgação

Djavan só leva ao jardim de sua casa, no Rio, quem ele gosta muito. Repleto de bromélias, coqueiros e orquídeas aquele é um lugar especial para o compositor, conhecido por ter a contemplação como instrumento primordial de sua arte. Tudo começou em momentos de intimidade com a mãe. Ela costumava forrar com um cobertor o chão da calçada em frente à casa da família, em Alagoas, e convidar o filho a deitar em seu colo. Aconchegado ali, ele admirava as estrelas enquanto ela lhe explicava as constelações.

O amor pela natureza plantado firme no coração do menino também o fez conhecer os nomes das plantas e, sobretudo, serviu de inspiração para dezenas de músicas. Uma delas aliás, acaba de sair do forno com um alerta. "Beleza destruída", dueto inédito com Milton Nascimento, está no disco "D", que o artista lança quinta-feira. Tanto ela quando "Num mundo de paz" saíram recentemente em formato de single, com direito a clipes assinados por Giovanni Bianco, também responsável pela direção de arte do disco. Detalhe: Bianco enviou 130 opções de capa para que Djavan escolhesse sua preferida.

O álbum, segundo Djavan, é uma "proposta à felicidade ao futuro, à esperança". É também uma tentativa de ser compreendido. Muitas vezes apontado como autor de uma "música difícil" ele, mais do que tudo, quer se fazer entender. Magoou demais com o cancelamento sofrido em 2018, quando afirmou ter esperança no Brasil no momento em que Bolsonaro assumia o comando. Lamenta ter sido mal interpretado.

O mal entendido não impactou o interesse por sua música, que não para de tocar nas festas jovens. Recentemente, o artista atingiu a marca de um bilhão de reproduções no streaming. Dia 10 de setembro, se apresenta no Palco Mundo do Rock in Rio. Em 16 do mesmo mês, estará no Coala Festival. Os dois serão shows com repertório de sucessos. Em março de 2023 estreia a turnê do novo disco em Maceió, sua terra natal. Depois, segue em turnê por oito cidades dos Estados Unidos. Em maio, aporta no Rio, no Qualistage. Na entrevista a seguir, o músico de 73 anos fala da fama de recluso, diz que sexo é como respirar e nega estar com Parkinson.


O disco é luminoso, feliz. Tenho a sensação de que o mundo acabou com a pandemia e você está propondo a construção de outro. É por aí?



Exatamente. Vamos ter que inaugurar outro. Os tempos estão sombrios, mas não é para permanecer assim ad infinitum. O disco é uma proposta à felicidade, ao futuro, à esperança. Mesmo em "Mundo de paz", estou falando de política, mas com outros argumentos. Não me deixei contaminar por todas essas questões que envolvem o Brasil hoje. Mesmo o obscurantismo, que se alastrou por tudo na pandemia. Fiz um disco tentando quebrar a hegemonia do obscurantismo, da falta de esperança. Tomei o cuidado de abordar os temas de maneira indubitavelmente esperançosa, querendo influir num pensamento positivo de todos.

Combater o obscurantismo com beleza...


Sem isso a vida não tem graça. É preciso beleza, coerência, generosidade, responsabilidade. A gente perdeu tudo isso. O Brasil está num estágio difícil, e com essa consciência a gente vai ter que brigar, lutar, trabalhar para que voltemos à vida normal.


O que ouvi é puro suco de Djavan: harmonias complexas, vários estilos musicais e letras com poética particular. É o resultado de um mergulho interno que demos na pandemia?



É antes de tudo purificar a forma de dizer as coisas para que sejam absorvidas como estou propondo. Porque essa é uma dificuldade dos novos tempos: se fazer entender. As pessoas têm dificuldade de interpretar o que se diz. E uma impetuosidade enorme acompanha essa falta de entendimento. Entendem errado e já replicam. Quero que me compreendam e, principalmente, me sintam. É um tempo em que precisamos ajudar nesse sentido, desmistificar, despoluir a vida, o argumento, ser o mais claro possível. Quero ser compreendido. Não digo que com facilidade, mas com alguma fluência. Evidentemente que lidando com a diversificação que eu persigo desde sempre, em todos os níveis. Harmonia, arranjo, letra, postura cênica no disco...


Além de ter, com a internet, um fluxo imenso de pessoas que realmente têm dificuldade de entender, ainda há aquelas pessoas que não querem mesmo entender. Querem o contrário para divulgar o contrário. Acho que o disco traz uma luz nessas questões, de maneira a simplificar o entendimento. É óbvio que minha música não mudou, que minha maneira de ser não mudou. Tenho para muitos uma certa complexidade, mas acho que o caminho do disco está trilhado e que as pessoas vão compreendê-lo.


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