Lives NPC: fenômeno do TikTok assusta pela bizarrice
Entenda por que cada vez mais tiktokers aderem às lives NPC, baseadas em gestos repetitivos e estranhos para ganhar dinheiro e seguidores
Já imaginou passar horas em frente às câmeras, repetindo gestos e barulhos bizarros em troca de presentes virtuais e dinheiro? Ou, ainda, ser a pessoa por trás da tela, que financia e engaja esse conteúdo? A situação pode ser assustadora e parecer distópica, mas virou uma verdadeira febre no TikTok nas últimas semanas. As chamadas lives NPC têm movimentado milhares de dólares diariamente, ao mesmo tempo em que levantam debates sobre os limites da exposição nas redes sociais.
O acrônimo significa non playable character e foi inspirado no universo dos games, mais precisamente em personagens não jogáveis. A ideia é emular os comportamentos limitados desses personagens por horas, retribuindo a presentes virtuais — rosas, chocolate, pirulito, milho, entre outros — até que a exposição monetize o suficiente.
Embora a origem da tendência seja incerta, especialistas acreditam que ela surgiu nos Estados Unidos, com tiktoker PinkyDoll, e rapidamente se espalhou por outros países. Em entrevista ao The New York Times, a pioneira norte-americana contou ter faturado em uma única live US$ 4 mil, o equivalente a R$ 15 mil na cotação atual.
Claro que o êxito da norte-americana chamou atenção. Dispostos a fazerem seu pé de meia, tiktokers brasileiros também entraram na onda e multiplicaram a quantidade de vídeos como esse na plataforma coreana. Um dos adeptos foi Júnior Caldeirão, que fez questão de revelar o valor conquistado em uma única live e como o sistema de recompensas funciona.
“Cada moedinha enviada pelos internautas se converte em diamante para o criador e vale 0,01 centavos de dólar. Só que o TikTok fica com medade disso. Então, líquido, cada um vale 0,005 de dólar. É preciso multiplicar o número de diamantes por esse valor”, explicou em um vídeo, mostrando o resultado do cálculo: US$ 383 em uma hora, valor que convertido ao real dá R$ quase 1900.
“Na live passada eu fiz 41 mil diamantes, nessa live de ontem foram 76 mil. Isso aqui eu me ‘lascava’ o mês todo pra ganhar, dessa vez fiz em uma hora”, comemorou.
Mas… Pra quê?
Lucas Kalango, professor e consultor para negócios e criadores, explica que as lives NPC surgiram naturalmente, a partir da própria dinâmica do TikTok. “É uma comunidade que gosta de consumir lives, assim como dar presentes. Até porque é muito barato comprar esses presentes. O usuário pode comprar um pacote com dezenas de moedas por R$ 5 e distribuí-las entre os criadores de conteúdo (…). A pessoa compra esse entretenimento porque ela quer ver do NPC as reações que ele vai fazer de acordo com o presente que ele dá”, analisa o especialista.
Segundo Kalango, apesar de estarem cada vez mais populares, o próprio TikTok já começou a limitar o alcance das transmissões. “O site também ganha com essas lives. São mais pessoas fazendo, assistindo e presenteando e o TikTok fica com uma porcentagem desse valor. Então, financeiramente, é algo bom para a rede social. Só que a nível de cultura da plataforma e do que eles querem promover não é interessante”, esclarece.
“Vai contra a diretrizes da plataforma que vetam comportamento robótico, artificial e que gera uma gamificação que não é natural, e acabam por incentivar os presentes de uma forma não autêntica. Então meio que você está manipulando o algoritmo para entregar mais da sua live, para ter mais pessoas te presenteando e isso não é legal. Dessa forma, a nível de algoritmo, a pessoa que está fazendo uma live educacional, ensinando algo, não vai conseguir competir com a pessoa que está fazendo o NPC”. Lucas Kalango, professor e consultor para negócios e criadores
Controle
Na avaliação do psicólogo Leandro Marques as motivações dos adeptos às lives NPC, tanto de quem produz quanto de quem assiste, são variadas. “O ser humano gosta de ver o outro passar vergonha. Pegadinhas, lives NPC… É um conteúdo que engaja”, explica.
“Tem também a questão do controle. O personagem da live só fala o que as pessoas mandam. Se eu mando flor, ela fala flor, se eu mando gatinha, ela repete. Então a pessoa por trás da tela se sente no controle”, diz.
E a humilhação de se expor assim na tela? Para Marques, o mercado de trabalho brasileiro pode ser muito pior. “A gente se humilha muito mais para patrão, para cliente, toma esculacho, escuta coisas horríveis. Aquilo ali para o trabalhador brasileiro não é nada. Além disso, o valor está acima da média do que pagam muitos empregos.”
Marques afirma que ainda é cedo para falar em impactos desse tipo de passatempo. “O que eu posso falar é o básico: sobre a exposição excessiva ao TikTok, a liberação de dopamina que leva a pessoa a ficar viciada, mas isso é algo geral e não acontece só com as lives”.
A opinião é compartilhada pelo psicólogo Vitor Friary. “Como todas as ferramentas de tecnologia, e de mídia social, os prejuizos que podem ser ocasionados precisam ser monitorados. É importante analisar se essas lives estão fazendo as pessoas se sentirem bem ou se estão desgastando sua saúde emocional de alguma maneira”, reflete.
“Outro ponto é estar atento ao tempo de tela utilizado para esse tipo de conteúdo online, e colocar limites para seu uso. O uso descontrolado de qualquer mídia social, podem aumentar ansiedade e sintomas de estresse e portanto devem ser utilizados com moderação”, observa o profissional de saúde.
TikTok não quis se pronunciar
O Metrópoles entrou em contato com a assessoria do TikTok no Brasil, mas o serviço não retornou ao pedido de entrevista assim como às tentativas de contato da reportagem.