Invocação do Mal segue a moda e vai gerar um universo compartilhado próprio
O filme de James Wan é assustador, e uma das melhores sequências do gênero que o cinema já gerou
Invocação do Mal 2 está fazendo muito barulho no mundo. Com menos de uma semana em cartaz, o filme já rendeu 100 milhões de dólares. No Brasil, faturou a maior bilheteria de um filme de terror em sua estreia, com mais de um milhão de pessoas indo ao cinema para trincar os dentes de medo. O mesmo recorde foi batido no México, Austrália, toda América Latina e parte da Ásia. O sucesso tem mérito. O filme de James Wan é assustador, e uma das melhores sequências do gênero que o cinema já gerou. Não tem o impacto de seu antecessor pelo simples fato de caminhar em trilhas já exploradas, mas é inventivo, tecnicamente irrepreensível (o bicho-papão em CGI incomoda, mas sou eu) e genuinamente capaz de arruinar as noites no escuro de muita gente. Assim como o primeiro Invocação do Mal, é um sopro de talento em um gênero muitas vezes executado nas coxas. E, assim como o primeiro Invocação do Mal, vai gerar um spinoff – ou seja, um filme derivado – esperto.
A freira diabólica que atormenta a vida do casal Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga) em Invocação do Mal 2 vai ganhar um filme para chamar de seu, apropriadamente chamado… A Freira. O roteiro está sendo escrito por David Leslie Johnson, co-roteirista de Invocação 2, será produzido por James Wan e Peter Safran, ainda não tem um diretor na mesa e, se seguir o padrão, estreia ano que vem. O “padrão'', no caso, é Annabelle, que chegou aos cinemas em 2014, um ano depois de a boneca demoníaca surgir em uma ponta no primeiro Invocação do Mal. Feito a toque de caixa com um orçamento de enxutos 6,5 milhões de dólares, o spinoff faturou absurdos 256 milhões. Ou seja, é o tipo de negócio que faz os olhos de qualquer executivo brilhar.
O modelo dos universos compartilhados não é exatamente uma novidade em Hollywood (os Monstros da Universal já dividiam filmes nos anos 40), mas ganhou força com os bilhões arrecadados pela Marvel no século 21. Se até recentemente os filmes surgiam como trilogias, ter uma caixa de areia mais ampla com personagens intercambiáveis mostrou-se o caminho a seguir. A DC já aposta as fichas em seus super-heróis (se Batman vs. Superman começou aos tropeços, Esquadrão Suicida pode recolocar o plano nos eixos). O mundo de Transformers, sob gestão de Michael Bay, prepara-se para expandir. Godzilla e King Kong trocarão sopapos em um mesmo filme. A própria Universal vai relançar seus monstros clássicos em filmes que entrarão em choque, começando ano que vem com A Múmia, com Tom Cruise e Russell Crowe. Ah, e ainda existe aquele quintal chamado Star Wars…
Mas estes são filmes gigantes, com grandes astros e orçamentos na casa das centenas de milhões de dólares. Invocação do Mal, por outro lado, vem de um lado tradicionalmente mais modesto do cinema, com budgets merrecas e atores atrás de pagar as contas. É um exagero, claro (bom, no caso de Annabelle, nem tanto…), mas é também o mais próximo de imprimir dinheiro que os estúdios podem chegar. O cinema, afinal, vive refém de seu próprio gigantismo: de um lado, existem os candidatos a blockbuster, que só consegue existir numa arena povoada por megaproduções ancoradas por esquemas milionários de marketing; do outro, encontra-se o cinema independente, “de arte'', que abriga-se em festivais e na temporada que antecede premiações como BAFTA e o Oscar, mas raramente combinam os louros com uma carreira de sucesso nas bilheterias. O cinema de terror surge como o “filme médio'', que vez por outra acerta com críticos e público.
rovação da brilhante visão de James Wan, que já havia tecido não uma, mas duas franquias (detesto essa palavra) de sucesso com Jogos Mortais e Sobrenatural. Minar os casos do casal Warren empresta credibilidade a mais por se tratar de histórias reais (embelezadas para Hollywood, claro), criando cumplicidade imediata com a plateia. Prestando um pouco mais de atenção, a sala onde Ed Warren guarda as evidências de cada fenômeno investigado por ele e por Lorraine é uma fonte para dúzias de novos filmes de terror. Não acredito que Wan tivesse este plano em mente quando embarcou no primeiro Invocação do Mal, mas é certo que ele e os executivos da New Line já devem ter a essa altura um plano de guerra para explorar cada traquitana exposta na salinha da casa mal iluminada dos Warren, objetos atentamente “vigiados''pela própria Annabelle, enclausurada em uma jaula de vidro.
Curiosamente, a freira de Invocação do Mal 2 sequer estava em cena até três meses antes de o filme chegar aos cinemas. A ideia original era ter um demônio tradicional, chifres e tudo, atormentando Lorraine Warren com visões da morte de seu marido. Com o filme praticamente na lata, James Wan teve uma revelação e decidiu substituir o tinhoso pela freira encapetada, que parece um cosplay do inferno de Marilyn Manson. Um retoque digital em uma pintura aqui, correções no roteiro acolá, duas ou três cenas refilmadas ali e voilá, estava pronto mais uma candidata a “musa'' do terror, ao lado de Jason, Freddy, Michael e Pinhead. A freira traz, afinal, todos os requisitos para tornar-se icônica – e A Freira certamente vai se esforçar para cimentar essa reputação. Ao menos, ao contrário de Annabelle, ela já nasce como se tivesse saltado de um pesadelo. Já a “boneca do mal'', na vida real, não assusta ninguém.