Doações promoviam 'privatização' do Congresso, diz delator da Odebrecht
Os detalhes nos relatos do ex-diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho mostram como a empreiteira trocava dinheiro por apoio de parlamentares na aprovação de leis que beneficiavam os interesses da construtora.
A prática, reconhece o autor da primeira delação da Odebrecht, tinha como consequência o que ele chamou de "privatização" dos agentes políticos. Em um depoimento de 82 páginas, Melo Filho revela como a relação com alguns integrantes no Congresso se revertia em benefícios para a empresa.
A ação da Odebrecht no Congresso seguia cinco etapas: 1) as empresas do grupo definiam quais MPs (Medidas Provisórias) e PLs (Projetos de Lei) poderiam beneficiá-las; 2) com esse levantamento era criado um documento chamado "Monitor Legislativo" com os projetos que seriam alvo de atenção diária; 3) a partir daí, era gerado um outro documento de acompanhamento das discussões no Congresso, o "Radar Legislativo"; 4) os responsáveis pela "relação institucional", como Cláudio Melo Filho, buscavam inserir as empresas nos debates e influenciar a atuação do Congresso Nacional; 5) equipes técnicas preparavam notas sobre os pontos a serem defendidos no Congresso para ajudar no lobby com os parlamentares.
"A minha empresa tem interesse na permanência desses parlamentares no Congresso e na preservação da relação, uma vez que historicamente apoiam projetos de nosso interesse e possuem capacidade de influenciar os demais agentes políticos", afirmou o ex-diretor.
Vale lembrar que Cláudio Melo Filho é apenas um dos homens que atuavam junto a políticos no Congresso. Em sua delação, ele enumera outros 17 funcionários de diferentes áreas da Odebrecht ou de outras empreiteiras, como OAS, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa.
Câmara e Senado
Cláudio Melo Filho detalha que o "PMDB possuía duas células de grande relevância com relativa independência entre si". No Senado, além de Romero Jucá (PMDB-RR), cita Renan Calheiros (PMDB-AL) e Eunício Oliveira (PMDB-CE) com poder sobre outros parlamentares, dentro e fora do partido.
O principal interlocutor do delator no Congresso era Jucá, ex-ministro do Planejamento do governo Temer. A escolha por Jucá, que teria recebido pagamentos de mais de R$ 22 milhões, era pela sua liderança e capacidade de articulação. Jucá caiu após gravações com o ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado, indicarem uma suposta articulação pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) para "estancar a sangria" da Lava Jato, mas atualmente é líder do Governo no Senado.
Na Câmara, o núcleo político seria liderado pelo atual presidente Michel Temer (PMDB). Contudo, quem agia mais com agentes privados, muitas vezes falando em nome de Temer, era Eliseu Padilha, atual ministro-chefe da Casa Civil. Geddel Vieira Lima (PMDB, ex-ministro de Temer) também é citado em tratativas com agentes privados em troca de pagamentos, e Eduardo Cunha (PMDB) teria ganho relevância nos últimos anos.
O histórico de relações promíscuas entre empreiteiras e governo é longo, segundo o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, que estuda o assunto desde 2008. "O sistema todo é feito para deixar que as irregularidades passem", afirma Campos, professor de história e relações internacionais da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).
Construtoras são importantes doadoras para as campanhas eleitorais. Para se ter uma ideia, empreiteiras ligadas à Lava Jato doaram mais de R$ 207 milhões a partidos nas eleições de 2014.
Políticos negam ilegalidades
O senador Romero Jucá (PMDB-RR) disse desconhecer a delação e nega ter recebido recursos para o PMDB. Jucá também diz que todos os recursos da empresa ao partido foram legais e que ele, na condição de líder do governo, sempre tratou com várias empresas, mas em relação à articulação de projetos que tramitavam na Casa.
Já Renan Calheiros afirmou que a chance de encontrar irregularidades em suas contas é "zero". O ex-ministro Geddel Vieira Lima afirmou que as doações da Odebrecht em suas campanhas estão declaradas à Justiça Eleitoral.
Em relação a uma das acusações, o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) negou tratar de arrecadações "Nunca tratei de arrecadação para deputados ou para quem quer que seja. A acusação é uma mentira! Tenho certeza que no final isto restará comprovado."
Outro a se defender foi Eunício Oliveira. O senador relatou que jamais recebeu recursos para a aprovação de projetos.