Sem previsão para aumento, Bolsa Família corta 543 mil benefícios em apenas um mês
Maceió teve corte no número de beneficiários: em junho, eles eram 57,4 mil
O número de beneficiários pagos pelo Bolsa Família em julho registrou a maior redução em relação a um mês anterior desde o lançamento do programa, em 2003. Entre junho e o mês passado, o número de benefícios encolheu em 543 mil famílias. Segundo apurou o UOL, o corte inclui suspensões para avaliação e cancelamentos.
Ao todo, o programa pagou 12.740.640 famílias em julho. O número de bolsas pagas foi o menor desde julho de 2010, quando foram pagas 12.582.844 bolsas. Se compararmos julho de 2014 com o mesmo mês de 2017, houve uma redução de 1,5 milhão de bolsas pagas.
Mesmo com os cortes, ainda há mais de meio milhão de famílias na lista de espera para ingressar no programa, sem previsão. Questionado pela reportagem, o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário culpou a política econômica do governo Dilma Rousseff (2011-16) pela redução (veja, mais abaixo, a nota do ministério, bem como a resposta dada pela ex-presidente Dilma sobre ser culpada pelo corte).
Até então, o maior corte tinha ocorrido entre os meses de janeiro e fevereiro de 2013, após o fim de um recadastramento do governo federal. Naquela ocasião, houve 278 mil benefícios pagos a menos.
Quando foi lançado, em 2003, o programa atendia 3,6 milhões de famílias --a maioria já recebia benefícios menores que foram extintos, como o Bolsa Alimentação, o Vale Gás e o Bolsa Escola.
O corte no pagamento de julho pegou muitos beneficiários de surpresa. Na segunda-feira (7), a reportagem do UOL visitou a central do Cadastro Único e do Bolsa Família em Maceió, onde 55,2 mil famílias dependem do pagamento. O município também teve corte no número de beneficiários: em junho, eles eram 57,4 mil.
Entre os beneficiários que buscaram resolver problemas, o clima era de grande apreensão. "A verdade é que a gente fica sempre esperando uma notícia assim, pois sabe que estão cortando tudo. Até direitos da gente já cortaram", diz a camareira Rosângela da Silva, 43, que tem três filhos --mora com dois deles-- e recebia R$ 124 até junho. "Agora cortaram do nada."
Diversos relatos de pessoas que recebiam a bolsa apontam a mesma coisa: não houve informação prévia do corte e as pessoas não foram notificadas para recadastro.
Cliwleide Gomes da Silva, 38, é beneficiária desde o início do programa e diz que nunca teve o benefício cortado nesse período. "Quando fui sacar agora no dia 27, saiu um papel dizendo que estava bloqueado, não tinha justificativa. Foi o maior susto porque sempre faço tudo direitinho, trago a frequência escolar, cartões de vacina, faço recadastramento", diz a mulher, que tem dois filhos e depende do benefício para pagar as contas. "Minha única renda extra é quando arrumo alguma faxina ou vendo alguma coisa, mas é difícil", diz.
Em Maceió, a cobertura do programa é menor que o número estimado de pessoas com direito ao benefício. Segundo o relatório do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário) referente ao mês de julho, 69,7% do total de famílias pobres da capital alagoana estavam no programa.
"Essa estimativa é calculada com base nos dados mais atuais do Censo Demográfico, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O município está abaixo da meta de atendimento do programa", diz o documento.
Maria Rosilene da Silva, 41, afirma que teve o benefício cancelado no mês passado. "Disseram só que não tinha mais direito", lamenta. "Tenho cinco filhos, e só um é jovem aprendiz. Os demais dependem de mim. Se não retomarem, vou ter de tirar minha filha de seis anos da escolinha", conta a mulher, que recebia R$ 209 ao mês.
Já a desempregada Adriana Martins, 35, recebia R$ 202 e assegura que precisou ajustar as contas para passar o mês. "Foi um sacrifício. Deixei de pagar o aluguel e estou esperando que resolvam para pagar", conta a beneficiária, que recebe também pensão de R$ 300 do ex-marido. "Sem o Bolsa Família, vai ficar difícil demais", completa.
Outro lado
Questionado sobre os cortes pelo UOL, o MDS enviou nota em que não explica a redução e culpa, de forma genérica, a "condução desastrosa da política econômica brasileira e a irresponsabilidade fiscal do governo Dilma Rousseff (PT)", que "ainda geram impacto na vida dos brasileiros".
A pasta afirma que, ao assumir o ministério, em maio do ano passado, "o ministro Osmar Terra precisou reorganizar a gestão dos programas sociais, aprimorar os mecanismos de controle e melhorar a focalização do Bolsa Família".
"Em outubro do ano passado, o MDS realizou o maior pente-fino da história do Bolsa Família, o que permitiu incluir, desde então, 1.446.423 famílias. Ou seja, retirou quem estava recebendo indevidamente e concedeu o benefício a quem realmente precisa. Além disso, em janeiro e fevereiro deste ano, zeramos fila de espera, o que jamais havia acontecido desde a criação do programa", informou.
O MDS diz que, hoje, existem 551 mil famílias aguardando a concessão do benefício e "trabalha para que possa, novamente, zerar a fila". A pasta voltou a confirmar que não há data para reajuste da bolsa, apenas que o ministro Osmar Terra "está empenhado em conceder o reajuste".
Dilma rebate e chama corte de "estarrecedor"
Procurada para comentar as declarações, a ex-presidente Dilma disse, em nota, que é "estarrecedor" o corte em programas sociais em período de crise e classificou a decisão do seu ex-vice como "muito grave".
"Quando deixamos o governo, devido ao golpe do impeachment fraudulento, havia 13,9 milhões de famílias recebendo o benefício do Bolsa Família ao custo de R$ 27 bilhões. Hoje, são beneficiados 12,7 milhões de famílias. Uma queda de 1,2 milhão de famílias. E isso ocorre justamente num quadro de recessão e crise econômica profunda, com corte generalizado de gastos públicos. A rede de proteção social do Bolsa Família está sendo furada por esse governo ilegítimo e iníquo", afirma.
A ex-presidente disse ainda que o corte mostra que o "Palácio do Planalto fez uma opção clara pelos mais ricos". "Essas 543 mil famílias retiradas agora do programa custariam menos de R$ 100 milhões por mês. O governo ilegítimo vai colocar a conta do pato nas costas dos mais pobres", declarou.
Dilma disse ainda que o argumento de falta de recursos não se justifica, uma vez que houve liberação de "dinheiro a deputados para arquivar uma denúncia", o que torna "inadmissível reduzir os programas sociais". "Justamente o Bolsa Família que protege as famílias brasileiras mais pobres. As 'bolsas' concedidas em menos de seis meses pelo governo ilegítimo representam quase metade do Bolsa Família anual", pontuou.