Crime cometido com velocidade, mas que causa danos duradouros
Dados da Safernet apontam que 81% das vítimas são mulheres
Você já recebeu alguma mensagem de ódio em suas redes sociais? Ou até mesmo já teve conteúdos íntimos propagados por terceiros? O que você faria ao descobrir que fotos nuas suas estão circulando na internet? Se você já enfrentou alguma dessas situações, saiba que agora é possível denunciar crimes de agressão virtual à Polícia Federal.
Porém, além do trauma psicológico e emocional, a maior dificuldade enfrentada pelas vítimas de Pornografia da Vingança é identificar e encontrar os agressores e criminosos que, na maior parte das vezes, se utilizam de perfis falsos para publicar tais conteúdos confidenciais que interferem diretamente na moral e dignidade da pessoa exposta perante a sociedade.
LEIS
A ativista e professora da Universidade Federal do Ceará, Lola Aronovich, sofre desde 2011, frequentes e intensos ataques por defender as mulheres em seu posicionamento feminista. E foi ela a inspiração para a criação da lei nº 13.642, aprovada em 03 de abril de 2018, que é uma alteração da lei nº 10.446, criada em 8 de maio de 2002, e que permite à PF investigar crimes praticados em redes mundiais de computadores, que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres
Outra lei denominada Carolina Dieckman foi aprovada em 02 de dezembro de 2012, após fotos íntimas da atriz que deu nome à lei serem divulgadas na internet depois dela entregar o computador a um profissional da Tecnologia da Informação (TI) para conserto.
DADOS
Segundo a ONG brasileira de defesa dos direitos humanos na web, Safernet, as mulheres representam 81% das vítimas desse fenômeno cibernético denominado Pornografia da Vingança e, mais conhecido como ‘Revenge porn’, onde em cada quatro vítimas, uma delas é menor de idade. Em 2014, o serviço de ajuda da ONG teve procura de 224 internautas no estado de São Paulo, que tiveram fotos ou vídeos sexuais vazados.
CASOS
A estudante de enfermagem Monique Amâncio, que hoje tem 18 anos, conta que aos 13 teve uma foto íntima divulgada na internet após romper uma relação de namoro. “Ele morava na mesma cidade que eu, mas teve de se mudar e, por um tempo, mantivemos o relacionamento à distância. A partir daí, quase todos os dias ele me pedia uma foto nua e eu sempre recusava. Até que um dia eu mandei confiando nas declarações de amor que ele havia feito”, disse ela.
Monique explica que um tempo depois não se sentia mais confortável com a distância e decidiu terminar o namoro e, foi nesse momento que recebeu ameaças do ex-namorado. “Ele disse: ‘ok, você vai ver o que vai acontecer!’. Eu era muito nova e consequentemente muito inocente e ingênua, nunca imaginei que ele poderia fazer uma coisa dessa”, lamenta a estudante.
“Quando eu peguei meu telefone vi que o ex-namorado de uma amiga minha havia me mandado a foto e me perguntou o motivo de eu ter feito aquilo. Aí todo mundo começou a postar a foto no Facebook, criaram páginas fakes com a foto nua no perfil. Foram dias horríveis pra mim. Eu não queria sair de casa, não queria sair nos intervalos da escola. Ficava na sala de cabeça baixa. Quando eu passava na rua todos me criticavam e me xingavam. Foram dois anos de dias perturbadores. E sempre que eu iniciava um novo relacionamento as pessoas mostravam a foto para meu novo namorado e ele acabava a relação”, explica Monique.
A estudante decidiu não tomar nenhuma medida judicial contra quem praticou o crime por que era menor de idade e não queria que o pai soubesse do ocorrido. “Eu me senti muito sozinha. Meu pai até hoje não sabe disso e minha mãe na época soube, mas estava debilitada lutando contra uma doença terrível. Eu tinha muito medo da reação do meu pai. Por causa disso eu não tive oportunidade nenhuma de conversar com psicólogos e tive de ser forte o bastante pra não deixar afetar a minha vida. No início foi muito difícil, mas depois eu passei a não dar mais importância”.
Monique ainda diz que recebeu muitas mensagens de ódio e que as pessoas defendiam mais o criminoso do que a ela. E complementa dizendo que as ofensas vinham tanto de pessoas aleatórias quanto de pessoas próximas a ela. “Era difícil ver alguém me defender. A maioria me ofendia, postava a foto, compartilhava e me difamava”.
Outra vítima de pornografia da vingança foi a estudante de Comunicação, Jullyane Farias, que tem 21 anos e na época do crime tinha 13. Ela também teve fotos íntimas divulgadas na internet por um amigo do ex-namorado. “Eu tive que esconder isso da minha família, até o dia que a psicóloga da escola ligou pra eles e os chamou pra ir à escola pra contar o que tinha acontecido”.
Segundo Jullyane, em nenhum momento foi oferecida ajuda psicológica ou terapêutica por parte da escola. Ao contrário, a família de Jullyane foi coagida a mudar a menina de escola para não sujar o nome da instituição.
Assim como Monique, Jullyane também recebeu inúmeras mensagens de ódio, virtual e pessoalmente. “As pessoas não tinham medo nem escrúpulos pra me mandar mensagens de ódio. Eu passava na rua e eles riam e me tratavam como se eu fosse a pior pessoa do mundo”.
TRAUMA
De acordo com o psicólogo Ilton Filho, a pessoa que tem a intimidade exposta de forma não desejada pode desenvolver principalmente a depressão e, em consequência disso, tentar o suicídio como desejo de sumir e por acreditar que assim o problema será resolvido. “A vergonha, a culpa faz com que o indivíduo se sinta um nada na sociedade. E algumas pessoas podem praticar ou tentar o suicídio, o que não significa que a pessoa não queira mais viver, mas porque ela fica fora de si, a ponto de não perceber que atentar contra a própria vida não resolverá o problema, mas sim acabará com a vida dela”, diz Filho.
Ele ainda explica que o fato de o crime ser praticado por um ex-companheiro interfere ainda mais no abalo psicológico e emocional da vítima. Pois, é uma pessoa em que a vítima deposita confiança e nutre um sentimento e vínculo amoroso, o que potencializa a “frustração” da mesma.
O advogado e presidente da Comissão do Advogado Criminalista e Relações Penitenciárias da OAB-AL, Fernando Guerra, explica que, embora haja uma previsão legal de amparo às vítimas, ainda há uma falta de estrutura estatal por parte do Estado. “Basta verificar o estado precário das delegacias e fóruns que atendem essas demandas, situações que vulnerabilizam ainda mais a vítima pelo constrangimento que são submetidas, como a demora no atendimento, ausência de espaço físico digno, dentre outros”, esclarece ele.
DENÚNCIA
Ainda segundo o advogado Fernando Guerra, as penas impostas não ultrapassam dois anos, sendo consideradas de menor potencial ofensivo. O que significa que, ao indivíduo praticante de tal crime cibernético, “não cabe pena de prisão decretada, como regra, aplicando-se penas restritivas de direitos e/ou multa”.
O site ‘Direitos Brasil’ expõe que para denunciar um crime virtual, a vítima basicamente deverá cumprir três passos: coleta de informações e provas; registro em cartório desses arquivos; e realização de boletim de ocorrência em delegacia. Após cumprir essas etapas, cabe à vítima aguardar a investigação policial.