Política

Anielle Franco, irmã de Marielle, cogita se candidatar à Câmara de Vereadores do Rio

“Ainda faltam algumas conversas. Até o final do ano, me decidirei”, contou ela ao EL PAÍS durante a Flip, onde lança livro com coletânea de cartas escritas por seus familiares durante o luto pela vereadora assassinada

Por EL País 13/07/2019 18h06
Anielle Franco, irmã de Marielle, cogita se candidatar à Câmara de Vereadores do Rio
Irmã de Marielly Franco - Foto: Reprodução

A vida e a trajetória de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 14 de março de 2018, inspiraram mulheres —a maioria negra e oriunda da periferia, como ela— a iniciar-se na vida política. As deputadas estaduais Renata Souza, Mônica Francisco e Daniela Monteiro e a deputada federal Talíria Petrone, todas do PSOL, são algumas delas. Agora, Anielle Franco, irmã da vereadora, de 35 anos, considera somar-se a essa lista. "Estou pensando em me candidatar à Câmara de Vereadores do Rio, mas ainda faltam algumas conversas. Até o final do ano, me decidirei", conta ela ao EL PAÍS durante a 17ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Ela pretende afiliar-se ao PSOL em novembro.

Anielle foi convidada pela Flip 2019 e pelo Sesc para lançar o livro Cartas para Marielle, uma coletânea sentimental que reúne textos escritos pela família para a vereadora assassinada. "Meus pais passaram três ou quatro meses depois do assassinato da Marielle escrevendo muito e muitas cartas até rasgaram, porque eles choravam muito em cima delas. Algumas eu nem consegui digitalizar. Peguei as que estavam mais legíveis e comecei a guardá-las, junto com algumas da Luyara [filha de Marielle]. Pensei que tínhamos que eternizar isso, mesmo que talvez seja muito pesado e triste", diz.

Com introdução do deputado federal Marcelo Freixo, íntimo amigo e mentor político de Marielle, o livro foi oficialmente apresentado ao público nesta sexta-feira, em Paraty, mas terá uma festa de lançamento na Favela da Maré, no dia 27 de julho. "Depois de reunir todo o material, comecei a escrever minhas próprias cartas. No final, também é um relato da nossa luta depois daquele 14 de março", resume Anielle. Para ela, a carta mais bonita e mais forte da publicação é uma escrita por Antônio Francisco da Silva Neto, pai de ambas, sobre como foi viver o primeiro Dia dos Pais sem sua primogênita.

Muitas correspondências, enviadas principalmente por amigos da vereadora, ficaram de fora da publicação. "Não deu tempo de colocar muita gente, porque a Flip nos convidou e tínhamos três meses para editar todo o material. Foi um processo muito doloroso. Fiquei quase sete meses tentando digitalizar as cartas dos meus pais e não conseguia colocar aquilo de uma maneira que eu conseguisse ler e ficar tranquila", lembra Anielle, que também está à frente do projeto do Instituto Marielle Franco.

Anielle conta que um dos intuitos das Cartas para Marielle é ajudar outras mulheres a entender que, mesmo "na dor, no luto e na luta" é possível sobreviver. "Foi duro colocar minha saudade e minhas lembranças ali, mas foi necessário. Tem certos lugares aos que nós, mulheres negras, não conseguimos chegar. Por meio de uma dor enorme, dessa perda imensurável, senti que precisava eternizar a Marielle ainda mais. Quando a gente fala das nossas lutas e como estamos sobrevivendo nesses 15 meses, é uma maneira também de fortalecer outras mulheres que passam por algo parecido".

O livro também apresenta a dimensão familiar de Marielle Franco, como amiga, filha, irmã e mãe. "Todo mundo sabe da vereadora, mas ninguém sabe da essência dela. Como era a Marielle que ia à missa todo domingo? As pessoas acham que ela era candomblecista por causa da guia que usava no pescoço, mas é mais complicado que isso. Lendo o livro, dá para entender como ela era plural, como a gente cresceu com essa força dos nossos pais, a força da família".

Vida política

Anielle Franco explica que a decisão de entrar na política veio depois de meses de silenciamento da família da vereadora.  "As pessoas até nos chamavam para participar de algumas coisas, mas por ser a irmã da Marielle, ou a mãe da Marielle, nunca porque tivéssemos algo próprio para contribuir. A cada dia, enfrentamos o desafio de provar que somos capazes de fazer alguma coisa. Matam a minha irmã e eu viro 'a irmã da Marielle'. Mas o que tem por trás da irmã da Marielle? Isso cansa um pouco", desabafa. 

Ela reconhece no entanto que, diferente da irmã, "que já nasceu política", essa não é sua área. "Muita gente diz que preciso tocar o legado dela, mas continuo relutante, porque acho que esse legado por ser cuidado de outras formas". Apesar disso, Anielle tem claro que, no caso de entrar, de fato, para a vida política, seguirá a linha de Marielle. "Quero defender a ideia de mulher-raça, com r maiúsculo, que foi a campanha dela em 2016. Eu sempre senti e ainda sinto o peso do estereótipo da mulher negra raivosa. Me dizem "ah, você é muito nervosa, tem que calar a boca", "ah, porque é preta, é favelada". Então, se eu entrar na política, é para fazer coisas para o meu povo e, principalmente, para todas as mulheres. Mulher negra da favela, essa seria minha linha".

Outra pauta cara a Anielle é o esporte em espaços periféricos. Jogadora profissional de vôlei, ela costuma dizer que o esporte salvou sua vida e lamenta que ainda veja poucos espaços para fomentá-lo nas comunidades. "Não vejo gente de esquerda falando disso", lamenta.

Apesar das ideias e planos, a família Franco não esconde o receio de ter mais um membro enveredando-se no meio político. "Até agora não temos respostas sobre o assassinato da Marielle, então não tem como entrar de peito aberto. Meus pais têm medo, mas dizem que me deixarão decidir. Já a Luyara fica mais calada e só pede: 'tia, pelo amor de Deus, vamos pensar em outra coisa'".

Não é o medo, no entanto, o que mais deixa Anielle com o pé atrás, e sim o fato de que a política requer "muito jogo de cintura". "Também requer aceitações que para mim são complicadas. Sempre digo que Marielle tinha um jeitão de muita marra, mas somos diferentes. Eu faço esporte a vida toda e tenho essa coisa do enfrentamento, de ir pra cima, de colocar o dedo na cara. Ela, embora tivesse aquele jeitão, dificilmente estouraria com alguém. Eu teria que aprender a me segurar".