Brasil

Recorde brasileiro no Pan é fruto de foco em Tóquio, mas falta verba para base

Campeão olímpico e secretário de alto rendimento do Governo, Emanuel Rego comemora "resultados espetaculares". Mesmo com redução, bolsas financiaram 70% dos vencedores em Lima

Por EL País 18/08/2019 14h02
Recorde brasileiro no Pan é fruto de foco em Tóquio, mas falta verba para base
Equipe brasileira de handebol, ouro em Lima. - Foto: Reprodução

O Brasil fechou os Jogos Pan-Americanos de Lima 2019 com a melhor participação de sua história: 55 medalhas de ouro, 45 de prata e 71 de bronze somam a maior quantidade de pódios já conquistados por brasileiros em um Pan e deram a segunda colocação para o país na classificação geral, a melhor posição desde 1963. O Brasil ficou a 65 ouros do campeão, Estados Unidos, e 18 à frente do México, terceiro colocado. Além dos recordes, a delegação de 485 atletas – a menor brasileira desde 2003 – conquistou vagas olímpicas no handebol, hipismo, pentatlo, tiro com arco, tênis de mesa, tênis e vela a um ano dos Jogos de Tóquio. “O foco dos atletas já nas Olimpíadas foi primordial para os resultados positivos”, pontua Emanuel Rego, campeão olímpico no vôlei de praia e secretário de esportes de alto rendimento da Secretaria Nacional do Esporte, órgão do Governo federal que está englobado ao Ministério da Cidadania.

Desde janeiro deste ano, quando Jair Bolsonaro assumiu a Presidência, o antigo Ministério dos Esportes se tornou uma secretaria, hoje chefiada pelo general Décio dos Santos Brasil e absorvida pela pasta da Cidadania, do ministro Osmar Terra, assim como os antigos ministérios da Cultura e do Desenvolvimento Social. "Estamos tendo liberdade para fazer nossos projetos. Nesse aspecto, não houve diferença do Governo anterior", explica Emanuel. Segundo as contas federais, o investimento no Ministério do Esporte em 2018 foi de 783 milhões de reais. A previsão do orçamento da área feita no ano passado, sob a pasta de Cidadania, para 2019, é de 656,6 milhões de reais. "Concordo com o secretário: não mudou muito. O esporte perdeu força política, mas o orçamento sempre foi baixo se comparado aos outros ministérios", opina Leandro Carlos Mazzei, professor e pesquisador de gestão em esporte de alto rendimento da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, em Limeira. Ele ainda ressalta que o desempenho no Pan foi fruto de leis federais e bolsas do governo que envolvem a prática em alto rendimento, ou seja, aquela no melhor nível internacional. "A existência desses incentivos influencia mais nos recordes do que ter um ministério ou não".

As leis às quais Mazzei se refere são, sobretudo, a Lei Piva, que prevê o repasse de 2% da arrecadação bruta de todas as loterias federais aos comitês olímpico e paralímpico, e a Lei do Incentivo ao Esporte, que ajuda a fomentar o esporte através do aporte financeiro de instituições privadas, além das bolsas Atleta e Pódio, que custeiam a preparação dos esportistas mais consagrados do país. "Poder público e iniciativa privada investem no alto rendimento. Fica um buraco no investimento da base, porque o alto rendimento é mais caro", comenta o pesquisador. No fim do ano passado, o Bolsa Atleta sofreu um corte de 47,5% do auxílio com o objetivo de reduzir custos, que acabou com o benefício de 2.771 esportistas. Mesmo assim, 70% da delegação que foi ao Peru é beneficiária.

Para Leandro Mazzei, o sistema meritocrático das bolsas garante resultados e visibilidade a curto prazo, mas se torna insustentável ao concentrar o investimento em quem já está no topo. "A lógica precisa ser invertida. Hoje se conquista primeiro para depois ganhar a bolsa, porque é mais fácil e já vem de governos anteriores. Mas é necessário fomentar o esporte de base também".

Esportes individuais se destacaram, mas vôlei decepcionou

Como atleta de vôlei de praia, Emanuel foi ouro nas Olimpíadas de Atenas 2004, bronze em Pequim 2008 e prata em Londres 2012, além de bicampeão pan-americano (2007 e 2011) e tricampeão mundial (1999, 2003 e 2011). Aos 46 anos, ele viu mais destaques em esportes individuais do que coletivos desta vez. A natação deu dez ouros para o Brasil. Foram ainda seis no atletismo e cinco na vela, mesmo número das ginásticas (artística e rítmica). Hugo Calderano levou dois ouros no tênis de mesa, João Menezes ganhou o tênis masculino, Beatriz Ferreira foi a única a subir no lugar mais alto do pódio no boxe, Ygor Coelho venceu no badminton e Milena Titoneli ficou com o ouro taekwondo —estes últimos três inéditos na história do país.

"Na natação, os atletas vieram com a preparação do Mundial na Coreia do Sul [que terminou em 28 de julho], o que foi produtivo para eles. E nos outros, muitos dos resultados individuais serviram como classificatórios para Tóquio, ao contrário dos coletivos", explica Emanuel, argumentando que a motivação é maior quando uma vaga olímpica está em jogo. Dos sete esportes que saíram de Lima com classificações, cinco eram individuais.

Por outro lado, só vela e handebol feminino garantiram vaga no Japão através do Pan entre os coletivos. O desempenho no vôlei, onde costuma dominar, foi decepcionante. Os homens ficaram com o bronze em quadra após perderem para Cuba na semifinal, enquanto as mulheres terminaram em quarto lugar com derrotas para Colômbia e Argentina. No vôlei de praia, onde o país também foi campeão olímpico no Rio 2016, apenas a dupla feminina Ângela e Carol saiu com uma medalha de bronze.

Especialista no esporte, Emanuel justificou o desempenho ruim do vôlei no Peru com a estratégia da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). A equipe feminina principal se classificou para os Jogos de Tóquio ao vencer o Pré-olímpico no dia 3 de agosto, enquanto os homens fizeram o mesmo no último dia 11, simultaneamente à disputa do Pan. Pela proximidade das competições, a CBV priorizou as que valiam vaga para as Olimpíadas, mandando equipes alternativas a Lima. O mesmo aconteceu com o vôlei de praia que, segundo Emanuel, teve uma etapa muito importante do Circuito Mundial na Áustria durante o Pan. "Eu gostaria de ver as melhores duplas no Pan porque a visibilidade é maior, mas temos que seguir o planejamento. O momento era de priorizar outros torneios e a classificação às Olimpíadas".

Rumo a Tóquio

O alento ficou para o handebol feminino, que foi hexacampeão panamericano, e o basquete feminino, que conquistou o ouro após vencer os Estados Unidos na final. Ao contrário do handebol, o título do basquete não significa a vaga em Tóquio, uma vez que a modalidade prevê a realização de uma Copa América, um pré-olímpico continental e um pré-olímpico mundial antes da decisão dos classificados. "Como um todo, essa participação espetacular no Pan faz com que o país se mostre capaz de manter os resultados até ano que vem", diz Emanuel. "Nossa expectativa para Tóquio é que os atletas tenham os recursos que precisam para se preparar. No Governo federal, não podemos ficar pensando nos resultados lá na quadra, e sim na estrutura que oferecemos para eles".

Mazzei trata o desempenho do Brasil no Japão como uma "incógnita". "Historicamente, todo país que foi sede diminui as medalhas na edição seguinte. A Inglaterra foi a única exceção. Resta saber se o Brasil vai diminuir muito ou pouco", afirma o professor. Ele afirma que o Pan mostrou que é possível colher mais resultados em 2020, mas limitados ao planejamento a curto prazo do Governo. "Se as leis federais e bolsas continuarem, existe uma esperança. Se não, o esporte brasileiro literalmente acaba".