Governo lança campanha com temas controversos do pacote anticrime
Campanha do governo custou R$ 10 milhões e será veiculada até o dia 31
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo federal lançou nesta quinta-feira (3) uma campanha publicitária de defesa do pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça) com pontos controversos e que já foram derrubados em uma análise preliminar no Congresso, como o excludente de ilicitude e a prisão em segunda instância.
A campanha, que custou R$ 10 milhões e será veiculada até o dia 31, busca sensibilizar a população a apoiar regras mais rígidas para crimes, principalmente hediondos e cometidos por organizações criminosas.
Durante o evento, realizado no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro fez um discurso em defesa do pacote e repetiu bandeiras antigas de proteção aos policiais. "Muitas vezes a gente vê que um policial militar, que é mais conhecido, né, ser alçado para uma função e vem a imprensa dizer que ele tem 20 autos de resistência. Tinha que ter 50! É sinal que ele trabalha, que ele faz sua parte e que ele não morreu. Ou queria que nós providenciássemos empregos para a viúva?", afirmou.
Inicialmente, as ações seriam lançadas em junho, mas foram adiadas por causa dos vazamentos de conversas envolvendo Moro enquanto juiz à frente da Lava Jato com o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa. Além disso, pesou à época o fato de o governo ter decidido concentrar seus esforços na aprovação da reforma da Previdência.
Além de outdoors espalhados pela Esplanada dos Ministérios, haverá vídeos com familiares de vítimas de crimes -os três exibidos durante a cerimônia no Palácio do Planalto envolveram apenas personagens brancos de classe média. Um dos vídeos, de uma mulher identificada como Luiza, a personagem defende a prisão após condenação em segunda instância como forma de frear a criminalidade.
O item foi retirado em julho do pacote de Moro pelo grupo de trabalho que analisa o projeto na Câmara dos Deputados. Durante o lançamento, o ministro defendeu outros itens já derrubados, como o excludente de ilicitude que poderia livrar da prisão agentes que cometessem excessos "sob escusável medo, surpresa ou violenta emoção".
Apesar de excluídos do documento final que será apresentado pelo grupo, os pontos ainda podem voltar na votação no plenário, para onde o texto seguirá após a conclusão do trabalho da comissão. Depois disso, vai ao Senado.
Se houver mudanças, volta para a Câmara para uma votação final. A seguir, vai a sanção ou veto presidencial. Em caso de veto, o Congresso, em sessão conjunta da Câmara e do Senado, poderá derrubá-lo pela votação da maioria de seus integrantes.
Nesta quinta, Moro disse confiar nessa possibilidade para resgatar os trechos derrotados. "O processo legislativo ainda tem tramite. A votação está aberta. Não quer dizer nada", disse. "Nada foi perdido, outras coisas podem ser no final aprovadas. Outras coisas podem ser rejeitadas, tem toda uma dinâmica do processo legislativo, o papel do governo é convencer os parlamentares. É natural."
Para ele, a pauta não é do governo de Bolsonaro. "O governo está apresentando isso porque existe toda uma reivindicação da sociedade, das vítimas de crime, de que tenhamos um país mais justo, mais seguro, uma terra de lei, de justiça".
Moro defendeu ainda seu texto sobre excludente de ilicitude, criticado por especialistas por supostamente dar margem a excessos policiais. "Nós estamos dando um tratamento melhor na questão do excludente de ilicitude. Não existe nenhuma, ao contrário do que falam, nenhuma permissão para ações violentas de policiais", disse.
Bolsonaro aproveitou sua fala para dizer que sempre estimulou que seus filhos parlamentares e outros políticos de seu convívio a condecorarem e prestigiarem policiais civis e militares. "Foram centenas de momentos que eu e meus filhos homenageamos esses verdadeiros heróis num estado [Rio de Janeiro] onde o crime com toda certeza se faz de forma mais aguda", disse.
O primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) já condecorou um ex-policial militar suspeito de chefiar uma milícia na zona oeste do Rio de Janeiro.
Adriano Nóbrega, 42, estava preso quando foi homenageado por com a Medalha Tiradentes, mais alta honraria da Assembleia Legislativa, em 2005.
Em janeiro de 2004, Adriano foi preso preventivamente, acusado pelo homicídio do guardador de carro Leandro dos Santos Silva, 24. O então policial chegou a ser condenado no Tribunal do Júri em outubro de 2005, mas conseguiu recurso para ter um novo julgamento, foi solto em 2006 e absolvido no ano seguinte.
O presidente considerou injustas muitas das prisões de policiais e disse que tem muitos inocentes entre os detidos. "Conversando com eles, não mais do que o sentimento, a certeza que lá dentro tinha muito inocente. Tinha culpado? Tinha. Mas também tinha muito inocente. Basicamente por causa de quê? Excesso. Pode de madrugada, na troca de tiro com o marginal, se o policial dá mais de dois tiros, eles ser condenado por excesso? Um absurdo isso daí", afirmou.
Bolsonaro voltou a falar em ativismo de órgão de Justiça e do Ministério Público e disse que é muito doloroso ver um policial preso por ter cometido excessos.
O presidente não comentou o caso da menina Agatha Vitória Sales Félix, 8, que morreu no fim de setembro no Rio de Janeiro após ter sido atingida por um tiro nas costas quando estava dentro de uma Kombi que transitava pela Fazendinha, no Complexo do Alemão.
Questionado pela Folha de S.Paulo sobre o silêncio do presidente, Moro não respondeu e disse que a pergunta "não é apropriada".
O ministro lamentou a morte de Agatha e disse que o pacote anticrime tem como objetivo proteger toda a população brasileira.
"Olha, o que nós temos é 7109 pessoas que deixaram que deixaram de perder a vida em comparação com os números do ano passado. Infelizmente ainda os números de vitimas desses crimes ainda é muito elevado. Entre eles houve esse episódio trágico envolvendo a menina Agatha. A gente lamenta isso. Isso foi no fundo uma questão mais relativa ao governo estadual, mas o projeto anticrime visa proteger todas as pessoas. O objetivo maior é reduzir a criminalidade em geral e poupar a vida de muitas Agahtas."