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Milícia da fé: evangélicos fingem ser policiais para abordar viciados

Patrulha da Paz é o grupo missionário que garimpa dependentes químicos em áreas de vulnerabilidade para encaminhá-los a clínicas de igrejas

Por Metrópoles 05/08/2020 16h04
Milícia da fé: evangélicos fingem ser policiais para abordar viciados
As patentes também são similares - Foto: Reprodução/Metrópoles

É comum que nas primeiras horas da noite, inúmeras viaturas andem em comboios para realizar operações no Sol Nascente, uma das maiores favelas do Brasil. Por ser uma das regiões mais violentas do DF, a cena lembra fortemente a atuação da Polícia Militar (PMDF), mas na verdade integra um projeto polêmico batizado de Patrulha da Paz.

A organização evangélica missionária garimpa pessoas com dependência química pelas ruas da cidade. Geralmente, os alvos, normalmente em situação de vulnerabilidade social, são levados para clínicas de reabilitação ligadas às igrejas.

Com todo o aparato capaz de confundir a população, como rádios de comunicação e rotolights nos “camburões”, os religiosos peregrinam guetos e invasões com o objetivo de oferecer o serviço social e, consequentemente, a evangelização dos pacientes.

O método é controverso, já que o projeto mira em pessoas menos esclarecidas, que sofrem na pele a rotina da violência urbana e até mesmo os traumas de transitarem em áreas carimbadas pela alta criminalidade.

O uso de fardas, semelhantes, porém não iguais às oficiais adotadas pelas forças da Segurança Pública, tende a confundir e, naturalmente, desarmar a quem recebe as investidas para o tratamento contra as drogas.

Nem mesmo dentro da própria comunidade evangélica o formato do projeto é considerado palatável. Ao Metrópoles, o presidente do Conselho de Pastores do Distrito Federal (Copex-DF), Josimar Francisco da Silva, ligado à Igreja Assembleia de Deus, afirmou desconhecer a patrulha, mas disse discordar da metodologia a qual ele comparou como um tipo de “milícia”. Por isso, decidiu abrir uma apuração para avaliar o grupo religioso.

“De antemão, o nosso posicionamento é contrário à essa técnica de abordagem. Temos um trabalho muito sério e acompanhado por muitas clínicas de reabilitação com os métodos reconhecidos na cidade. Todas as instituições que auxiliam na recuperação de viciados químicos com atuação relevante têm o apoio do nosso conselho e, cabe ressaltar, todas elas são interligadas. A gente respeita muito o trabalho social tocados por nossas igrejas, mas essas clínicas ‘piratas’ têm de responder por si. Inclusive, o Conselho de Pastores não compactua com essa metodologia. Vamos apurar se essas clínicas são ligadas a algum de nossos religiosos e recomendar que o trabalho seja feito estritamente dentro da lei”, disse.

Josimar explica que o trabalho oficial tocado pelas igrejas evangélicas não coage nem intimida o paciente a ser internado. Segundo ele, a abordagem habitual permite, inclusive, que o dependente químico deixe o local caso algo o desagrade na proposta de abandonar o vício.

“Isso dá um medo, Deus me livre, mas lembra algo muito paralelo à milícia. Acho que isso deve ser um grupo isolado. Essas pessoas independentes têm de responder criminalmente por elas próprias. Se estiverem agindo fora da lei, terão de responder por isso”, sentenciou.

Poder público

Fora do campo religioso, o assunto também ecoou de forma negativa dentro dos poderes públicos. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa encaminhou um pedido para que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e entidades de defesa ligadas ao tema se manifestem sobre a ação da Patrulha da Paz.

“Imagine só, você simulando que você é agente do Estado. Minimamente, isso é abusivo. Mesmo que não pratiquem violência física, não deixam de praticar uma agressão psicológica e mesmo simbólica. Eles simulam viaturas, o enfardamento e para incentivar o uso dos núcleos de reabilitação tocados pelas próprias igrejas. Eles precisam prestar esclarecimentos aos órgãos oficiais”, disse o deputado Fábio Felix (PSol), presidente do grupo temático da Casa.

Assistente Social de formação e originalmente servidor público do sistema socioeducativo, o parlamentar afirmou que o uso de vestimentas e veículos caracterizados como oficiais e de caráter policial, nesse contexto, parece ter o objetivo de confundir a população, especialmente as pessoas mais vulneráveis.

Segundo Felix, a má fé fica clara quando a patrulha é flagrada usando um poder de coerção próprio do Estado que não é atribuído a uma organização da sociedade civil. “Vemos indicativos de que ocorreriam violações de direitos humanos na atividade desse grupo e a possibilidade de que ocorreriam atividades ilegais”, adiantou.

O uso de uniforme ou distintivo de função pública que não exerce pode configurar crime e, para essa infração, a pena pode chegar a cinco anos de reclusão.