Saúde

Trabalho transdisciplinar restabelece saúde de paciente no Hospital Helvio Auto

Projeto terapêutico singular é aplicado em paciente com 18 internações num intervalo de apenas um ano

Por 7Segundos com Agência Alagoas 07/10/2020 10h10
Trabalho transdisciplinar restabelece saúde de paciente no Hospital Helvio Auto
Projeto Terapêutico Singular: equipe e paciente do Hospital Helvio Auto - Foto: Ana Paula Tenório

Cuidar de forma integral. É por meio desta proposição que a equipe multiprofissional do Hospital Escola Dr. Helvio Auto vem buscando diariamente fazer valer o princípio de integralidade do SUS, abordando pacientes e suas condições particulares em equipe, discutindo casos e analisando a melhor forma de intervenção construída a partir da prática coletiva.

Diante desta forma de trabalho, um caso mobilizou os profissionais. Vivendo em situação de rua, alcoolista, usuário de drogas e com tuberculose resistente, um paciente de 32 anos, que se internou 18 vezes num período de um ano, sempre evadindo do internamento antes da alta hospitalar, impulsionou quase um mutirão de esforços em torno da sua permanência, adesão ao tratamento e restabelecimento.

Foi necessária a aplicação de um Projeto Terapêutico Singular (PTS), que é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas para um indivíduo, uma família ou um grupo, que resulta da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar com apoio matricial, se esse for necessário.

Rede de apoio

Após alguns conflitos familiares, “José” (como iremos identificá-lo) começou a consumir álcool e outras drogas, a situação envolveu episódios de perigo para ele e sua família, o que culminou com o abandono do lar e vinda à capital, onde as dificuldades financeiras, vício e solidão o impulsionaram a viver em situação de rua.

Na rua, em ambientes insalubres, sem a mínima estrutura, “José” contraiu tuberculose, e ao longo de três anos é levado ao Hospital Helvio Auto quando a doença se agrava pela equipe do Consultório na Rua da Secretaria Municipal de Saúde. O paciente não demonstrava interesse nem condições de aderir ao tratamento devido à sua situação de vida e a resistência de ir para um abrigo.

Após tantas idas e vindas, o hospital e a equipe se transformaram num ponto de referência para o paciente. Na penúltima internação, a mãe de “José”, que não mora mais em Alagoas, não conseguiu encontrá-lo nos lugares em que ele costumava permanecer na rua, e foi procurá-lo no hospital. A equipe conversou com ela, explicou-lhe a situação e ela forneceu seu número de telefone. Há mais de um ano ela não tinha nenhum tipo de contato com o filho, e o considerava desaparecido.

“É um paciente que mesmo em situação de rua, tem referências familiares. A equipe do Consultório na Rua explicava que era difícil localizá-lo, porque ele sempre convivia muito sozinho. Na penúltima vez que ele esteve internado, a mãe o procurou no hospital. Mesmo tendo uma relação distante com a mãe, pela intervenção da equipe, ele aceitou que ela fosse informada onde ele estava e do estado dele”, explicou a fisioterapeuta Vannessa Almeida.

A equipe proporcionou algumas chamadas de vídeo entre “José” e a mãe, para que o vínculo fosse aos poucos restabelecido, isso representou uma guinada nas perspectivas de tratamento dentro e fora do hospital. “Percebemos que a partir desses contatos, o humor dele mudou, fomos trabalhando o fortalecimento egóico, o autocuidado e autoestima para adesão ao tratamento e uma melhor qualidade de vida”, esclareceu a psicóloga Mônica Gama.

Arte como propulsora de vida


Em suas últimas internações, “José” foi apresentado aos trabalhos manuais, ao desenho e a pintura como formas de canalizar suas frustrações e exprimir suas emoções, que antes não tinham vez numa realidade tão dura. A arte vem sendo utilizada como recurso terapêutico no seu restabelecimento.

“Nós estimulamos o talento natural para que ele pudesse explorar esse papel ocupacional para gerar renda, num estímulo de aplicabilidade diária, além de poder escoar os sentimentos, o que o ajudou nas questões afetivas com a família”, argumentou a terapeuta ocupacional Izabela Porangaba.

“José” começou a fazer desenhos livres a lápis, artesanato com palitos de picolé e pinturas em tecido. Ele se inspirou em um familiar muito querido, que tem aptidão artística. A possibilidade de trabalhar com arte o estimulou a manter-se ocupado e enfrentar a abstinência dos dias de internação.

O que está por vir


O Serviço Social do Hospital Helvio Auto proveu o paciente com toda confiança e apoio que ele precisava para enfrentar a fase pós-internação. Foi articulada com a Secretaria Municipal de Saúde, a manutenção de acompanhamento psicológico e psiquiátrico para tratar a dependência em drogas e álcool. O tratamento ambulatorial da tuberculose continuará sendo feito no Hospital Escola Helvio Auto.

A Terapia Ocupacional do HEHA elaborou um planejamento baseado no seu perfil de funcionalidade. Ele demonstrou querer terminar o tratamento e abraçar uma nova possibilidade de vida com geração de renda por meio da exploração de seu perfil ocupacional.

“No planejamento, ele demonstrou interesse em voltar a estudar, ter um trabalho e manter o contato com a mãe, que agora são coisas palpáveis e possíveis”, salientou a terapeuta ocupacional Izabela Porangaba.

“A equipe nunca desistiu dele, tanto que ele criou vínculo conosco, ao longo desses anos ele nos procura e volta. Fizemos toda a articulação para que ele possa continuar recebendo o suporte social e manter o tratamento mesmo fora do hospital no retorno à casa dos familiares”, afirmou a assistente social Karoline Mendonça.

Cuidados Prolongados


Diante da abordagem multidisciplinar, o vínculo com a equipe foi utilizado como recurso de adesão ao tratamento, e isso só foi possível com a disponibilidade de um leito específico para cuidados prolongados. O tempo maior de permanência no hospital proporcionou esse olhar diferenciado da equipe, e a abordagem integral de todas as instâncias da vida do paciente.

O foco não foi só o diagnóstico e o tratamento físico, o restabelecimento da autonomia e a perspectiva de uma vida melhor foi articulada por todos. “É interessante nós falarmos de uma cultura menos julgadora quando nos deparamos com esse perfil de paciente. Ele deve ser acolhido e assistido em toda a sua integralidade”, concluiu a fisioterapeuta Vannessa Almeida.

Dando continuidade ao tratamento, o paciente “José” teve alta na última quinta, 1º de outubro e se encontra na casa de familiares. O enfrentamento desta nova fase só foi possível, porque um futuro de possibilidades e afeto foi apresentado a ele, a livre escolha e o apoio da equipe de saúde foram preponderantes para esta etapa de seu restabelecimento.