Fortuna dos bilionários acabaria com a fome no mundo, e ainda sobraria
Em meio à pandemia do novo coronavírus, as 2.189 pessoas mais ricas do mundo lucraram e bateram o recorde acumulado de 10 trilhões de dólares

Em meio à pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 1 milhão de pessoas no mundo, os bilionários ficaram ainda mais ricos e a soma das suas riquezas superou, pela primeira vez na história, a marca dos 10 trilhões de dólares.
Enquanto pessoas que já saíram da linha da pobreza voltam à ela e a desigualdade social se mostra determinante em diferenciar aqueles que terão mais chance de morrer ou sobreviver à covid-19, os mais ricos ampliaram a concentração de renda no mundo. A informações foram divulgadas nesta quarta-feira, 7, pelo banco suíço UBS e pela PwC.
A riqueza dos 2.189 bilionários do mundo atingiu, em julho deste ano, o valor recorde de US$ 10,2 trilhões. Em abril de 2020, esse valor era de US$ 8 trilhões. O valor mais alto registrado até agora, era o de US$ 8,9 trilhões, no final de 2017.
Ainda de acordo com o levantamento, a riqueza dos bilionários chegou a encolher US$ 564 bilhões nos primeiros meses de 2020, na época em que houve uma paralisação generalizada da economia global, por causa dos diversos lockdowns decretados pelo mundo para conter a covid-19. Rapidamente, eles reviram suas perdas e aumentaram seus lucros.
Segundo apontou o relatório do banco suíço, justamente os setores diretamente envolvidos com a pandemia do coronavírus que tiveram suas fortunas crescidas neste período. Os bilionários dos setores industrial, de tecnologia e de saúde foram os que tiveram o maior aumento na sua riqueza, com saltos de 44%, 41% e 36%, respectivamente.
A pandemia pode servir para a humanidade questionar por que tão poucas pessoas – os bilionários – concentram tanto dinheiro, constroem grandes fortunas, enquanto outras morrem de fome, sem uma casa para morar e sem acesso a direitos básicos, como educação.
Para mensurar o tamanho da riqueza concentrada na mão de apenas 2.189 pessoas no mundo, elaboramos algumas comparações com o que dá para ser feito com esse dinheiro, deixando o interesse individual de lado e pensando no interesse coletivo.
Fome e pobreza
Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano, feito anualmente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), 1,3 bilhão de pessoas no mundo todo vivem em situação de pobreza.
A última edição do relatório da ONU, O Estado da Insegurança Alimentar e Nutricional no Mundo*, publicado em 2019, estimou que quase 690 milhões de pessoas passaram fome no ano passado – um aumento de 10 milhões em relação a 2018 e de aproximadamente 60 milhões em cinco anos.
O relatório é anual e, na edição de 2016**, ele apontou que para a erradicação da fome são necessários US$ 267 bilhões por ano, durante 15 anos, em investimentos em áreas rurais e urbanas e em proteção social. Ou US$ 4 trilhões de uma única vez. Esse valor representa US$ 160 por ano por pessoa em situação de extrema pobreza.
Isso quer dizer que a fortuna concentrada pelos bilionários do mundo daria para resolver o problema da fome em todo o planeta e ainda sobraria dinheiro. Na prática, o dinheiro acumulado nas mãos de 2.189 pessoas daria para acabar com a fome no mundo duas vezes e meia.
Moradia
De acordo com o último estudo do World Resources Institute (WRI) Ross Centro para Cidades Sustentáveis, 330 milhões de famílias em todo o mundo, o equivalente a 1,2 bilhão de pessoas, não têm acesso a habitação segura e de qualidade.
Considerando que o valor da construção de uma habitação digna é variável de país para país, adotaremos a média brasileira para efeito de comparação.
Segundo o Índice Nacional da Construção Civil (INCC/Sinapi) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em abril de 2020, o custo médio do metro quadrado na construção civil brasileira foi de R$ 1.172,05. Ou seja, uma casa de 60m² custa no Brasil, em média, R$ 70.323,00 (o que em dólar equivale aproximadamente a US$ 12.513, na cotação atual).
Considerando esses dados, com a fortuna acumulada pelos bilionários do mundo daria para construir cerca de 799.168.864 (799 milhões 168 mil 864) casas. Ou seja, com a riqueza concentrada na mão de 2.189 pessoas é possível zerar o déficit mundial de casas por duas vezes e ainda sobra dinheiro.
Educação
Segundo estudo de 2019 da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), ainda existem em todo planeta 750 milhões de jovens e adultos que não sabem ler nem escrever.
Se todas essas pessoas morassem em um único país, a população só seria inferior às da China e da Índia, que têm cada uma mais de 1 bilhão de habitantes. A nação hipotética do analfabetismo tem mais do que o dobro de toda a população dos Estados Unidos.
Também considerando que o custo da educação é variável de país para país, vamos adotar o valor estipulado no Brasil para efeito de comparação.
No Brasil, o valor médio gasto por ano por aluno no Ensino Básico, verificado em 2020, é de R$ 3.643,16 (valor equivale a aproximadamente US$ 648,25). Os dados são do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação***. Se considerados os 9 anos do ensino básico, um aluno custa em média US$ 5.834,25.
Isso quer dizer que com a fortuna concentrada na mão de 2.189 pessoas seria possível manter mais de um bilhão de pessoas estudando os 9 anos do ciclo fundamental, mais precisamente 1 bilhão 714 milhões 89 mil e 818 estudantes.
Com essas comparações é possível perceber que o problema da concentração de renda é mundial.
“Nossos problemas não resultam da falta de recursos e sim da sua má alocação(…) Reduzir a desigualdade é o principal caminho para uma sociedade mais decente e mais produtiva. Nosso problema não é econômico, é político”, afirmou o economista, professor da PUC-SP e consultor de várias agências da Organização das Nações Unidas, Ladislau Dowbor, em seu artigo ‘A grande riqueza e a grande pobreza são igualmente patológicas para a sociedade’, publicado pela Unicamp.
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