Segregação socioespacial contribui para maior incidência da covid-19 em Maceió
Artigo sobre estudo foi publicado em periódico do Instituto de Geografia e Meio Ambiente (Igdema) da Ufal
A pandemia em curso tem proporcionado o desenvolvimento de pesquisas em diversas áreas e se constitui, ainda, num desafio para a ciência, embora com relevantes avanços para prevenção, condução da doença e tratamento. Mas, sem dúvida, para a população mundial, o maior deles é a chegada de uma vacina com eficácia de proteção à vida humana.
Como resultado de um estudo, ainda em andamento, na linha de pesquisa Dinâmicas Territoriais, realizado em Maceió, foi publicado recentemente, um artigo que indica ser a população de menor renda da capital a mais acometida pela pandemia. O que destaca a condição socioespacial, como um dos principais fatores que se relacionam ao acelerado contágio do vírus na periferia das cidades.
Denominado de Dinâmica Espaço-Temporal e Indicadores Sociais: Análise do Coronavírus (Covid-19) em Maceió (AL), o artigo, publicado na Revista Contexto Geográfico, do Instituto de Geografia e Meio Ambiente (Igdema) da Universidade Federal de Alagoas, é fruto do estudo desenvolvido pelo mestrando em Geografia, Paulo Henrique Amorim, da Universidade Federal de Uberlândia. A pesquisa teve como objetivo avaliar, mediante indicadores de renda, raça/cor, população absoluta dos distritos sanitários e situação hospitalar entre os meses de abril e maio deste ano.
Paulo é natural de Maceió, mas há cinco anos reside na cidade mineira de Uberlândia onde desenvolve sua dissertação de mestrado com foco no tema “Fragmentação socioespacial e o consumo do espaço: análise do Setor Leste de Uberlândia (MG)”. Adianta que, semelhante à capital alagoana, Uberlândia apresenta igual realidade, ou seja, a segregação socioespacial tem relação com o aumento do contágio do vírus entre a população. Recentemente, o Instituto de Geografia daquela universidade mineira, realizou um levantamento que identificou ser a população de baixa renda a mais afetada pela covid-19, correspondendo, segundo Paulo, às mesmas condições que acontecem em Maceió.
“Em linhas gerais, observa-se que o baixo grau de equidade está intimamente ligado às condições de infraestrutura nos bairros de menor poder aquisitivo. Esse problema gera consequências significativas junto a uma parcela significativa da população, pois a coloca em estado crítico de vulnerabilidade social e que se soma ao baixo acesso à educação, trabalho, lazer, contrariando os princípios do direito à cidade”.
Com mestrado a ser concluído em 2022, Paulo, que é bacharel e licenciado em Geografia pela UFU, sobre a escolha de Maceió para desenvolver estudo na específica área, disse que, além de ter nascido e vivido na capital por um bom tempo, sempre foi de seu interesse realizar investigações no tocante à desigualdade social, especialmente na periferia da cidade. ”É justamente nessas áreas que se observa baixos níveis de equidade quando comparado aos bairros de maior prestígio, como Ponta Verde, Pajuçara, Jatiúca, entre outros, ocasionando na geração de uma cidade fragmentada e segregada tanto social quanto espacialmente”. E complementa:. ”Para além dessas motivações, é importante destacar que, enquanto pesquisador, jamais poderia deixar de carregar minhas raízes, por mais que minha formação acadêmica ocorra em outro estado brasileiro, Minas Gerais”.
Fatores determinantes
Segundo o pesquisador, com base nos dados obtidos pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS) e aplicados ao estudo, verificou-se que os bairros mais acometidos pela covid-19 são precisamente aqueles que integram os distritos sanitários de menor renda e de maior população, como é o caso dos distritos 2 e 7. A exemplo dos bairros Tabuleiro dos Martins, Cidade Universitária, Vergel do Lago, Trapiche, dentre outros que estão nos citados distritos.
Entre os fatores que justificam essa relação, o pesquisador enfatiza a contradição existente entre a necessidade do cumprimento das regras de higiene sanitárias recomendadas por especialistas e a alta desigualdade social existente em Maceió. “Isso porque, apesar de o coronavírus atingir a todos, é importante ressaltar que quem atua em trabalhos ditos “essenciais”, definidos pelos comitês do combate ao covid-19, são precisamente indivíduos que pertencem a classes sociais de menor poder aquisitivo, que se aglomeram no transporte público para chegar ao local de trabalho e que, se vierem a se infectar, não terão a garantia do isolamento social em suas casas, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS)”.
Outro aspecto citado pelo pesquisador está relacionado às limitações dos equipamentos de saúde. E aproveita para tecer críticas à falta de estrutura para atendimento às demandas específicas: “A estrutura de saúde pública, em Maceió, desde muito tempo vem sofrendo declínio em suas atividades regulares, problema este que várias gestões municipais tentam resolver, mas sem sucesso. Em uma situação de crise como a que estamos acometidos, é possível que as unidades básicas de saúde (UBS) da capital, especialmente àquelas localizadas nas periferias, não consigam prestar atendimento qualificado com relação à covid-19, uma vez que são nesses mesmos postos de saúde que, em tempos ditos normais, já é comum a alta procura por parte da população para atender outras demandas”.
Acrescenta que, relacionada à renda como reflexo da desigualdade social maceioense é a raça/cor. Conforme Boletim Epidemiológico atualizado no dia 7 deste mês, segundo Paulo, verificou-se que o perfil socio-racial mais acometido entre os óbitos confirmados na capital são de pessoas pretas e pardas, correspondendo a 3% e 57%, respectivamente. Dados do IBGE, para o ano de 2019, constam que dos 13,6 milhões de brasileiros que vivem na condição de extrema pobreza, 75% deles são negros ou pardos; e quanto mais pobre é a faixa da população, maior é o percentual de pessoas negras e pardas.
O estudo realizado por Paulo Amorim foi baseado em indicadores sociais de renda média e população absoluta por Distrito Sanitário. Entre os meses de abril e junho as áreas mais afetadas pela pandemia foram os Distritos Sanitários 7, onde estão os bairros Santo Dumont, Cidade Universitária, Clima Bom, Tabuleiro do Martins e Santa Lúcia, e o 2, composto pelos bairros do Vergel do Lago, Prado, Centro, Pontal da Barra, Trapiche Ponta Grossa e Levada.
“Pelo fato de os boletins epidemiológicos fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Maceió não apresentarem dados relativos à covid-19 na escala dos bairros, buscou-se restringir à escala dos distritos sanitários, resultando na integração de vários bairros em uma mesma categoria”, esclarece.
Orientação e medidas
Ao reforçar que comunicação sobre a prevenção é indispensável no combate à covid-19, Paulo Henrique disse que nos meses pesquisados, abril e maio, verificou-se que os primeiros decretos anunciados foram ineficazes no combate ao vírus, uma vez que todas as atividades continuavam acontecendo em estado de normalidade em praticamente toda a cidade, ignorando todas as recomendações emitidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Aproveita para destacar que medidas que deveriam ter sido adotadas, e ainda em vigor, estão o isolamento dos doentes e o retorno às conhecidas medidas preventivas por parte da gestão municipal.
“Mesmo que ocorra uma redução da covid-19, é importante considerar que as investigações relacionadas à origem e ao tratamento do vírus ainda estão em testes, fato este, que remonta à necessidade de a população seguir com as medidas protetivas individuais, uso de máscaras, álcool e gel, dentre outras, evitando aglomerações, com exceção àquelas que são consideradas essenciais, como postos de saúde, supermercados. Diferentemente do que vem ocorrendo após a autorização para abertura de bares, academias, restaurantes, contrariando o combate ao vírus”, finalizou.
O artigo publicado na Revista do Igdema da Ufal pode ser acessado pelo link.