Comportamento

Prostituição e pandemia: entenda como mulheres transexuais fazem para sobreviver em Alagoas

Nossa reportagem conversou com duas profissionais do sexo que nos contaram a sua história de vida

Por Felipe Guimarães - estagiário * 08/05/2021 08h08 - Atualizado em 08/05/2021 08h08
Prostituição e pandemia: entenda como mulheres transexuais fazem para sobreviver em Alagoas
Gabryella e Jady precisam arrumar formas de sobreviver a violência e ao coronavírus - Foto: Arquivo pessoal

Para as mulheres transexuais de Alagoas, não conseguir empregos formais e precisar recorrer a medidas drásticas para sobreviver, não é nenhuma novidade, afinal essa é uma história compartilhada pela maioria delas. Sabendo disso, muitas precisam se tornar profissionais do sexo para conseguir o seu sustento.

A história de vida de Gabryella Flor da Silva, de 28 anos, não é nem um pouco diferente. Tendo iniciado a sua vida na prostituição ainda aos 14 anos de idade, a jovem nos contou um pouco a respeito da suas vivências enquanto mulher trans, em Maceió.

“Não é fácil, são várias lutas todos os dias, humilhação, desprezo, gente falando de você o tempo todo. Às vezes somos atacadas com pedras , ovos e xingamentos horríveis sem nem sequer saber o porquê. Estamos lá trabalhando e tentando sobreviver”, contou.

Ganhando de 70 à 80 reais por programa, Gabryella contou que precisa trabalhar para se sustentar e ajudar a sua mãe doente, contudo a pandemia e um acidente de moto vem dificultando o exercício do seu ofício. Apesar de ter tentado mudar de emprego, a jovem relata não ser aceita quando descobrem se tratar de uma pessoa transexual.

"Tenho muito medo. Moro com a minha mãe e a gente dorme juntas, e só vive juntas também, e ela ainda não se vacinou"



“Tive um acidente de moto na rua e até hoje em dia tenho problemas nas pernas. Pelo fato de eu ser uma mulher trans, eles não aceitam quando veem. Tenho problemas graves nas pernas, no nervo triáfico. Hoje eu ando mancando por conta das dores e tomo todos os dias remédio anti-inflamatório, não consigo correr, abaixar, andar muito”, relatou.

O depoimento de Gabryella está longe de ser a única história de vida difícil entre as mulheres transexuais de Alagoas. Jady Franciele dos Santos, de 37 anos, é garota de programa desde os dezessete. Com 20 anos vendendo o seu corpo para sobreviver, a profissional do sexo nos contou um pouco mais sobre as suas vivências na capital.

“Ser uma mulher trans e garota de programa em Maceió não é fácil, mas temos que ir porque não temos outra opção de renda, por falta de trabalho e o meio de sobrevivência mesmo. E nos últimos meses tá muito difícil para termos clientes, estamos indo todos os dias, mas um ou outro que vem sair. Porém também temos medo da violência, que é constante nas ruas, voltada a nós trans de programa”, disse.

O medo da violência relatado por Jady está longe de ser apenas uma ansiedade. No ano passado, o Grupo Gay de Alagoas (GGAL) registrou 21 assassinatos de pessoas LGBTQIA+ em todo o território estadual.

Esses dados, contudo, não revelam toda a amplitude da violência em Alagoas, pois existem muitos casos dos quais sequer chegam a ser registrados.

COVID-19 E SOCIEDADE

Além de se preocupar com a ameaça de ser possivelmente assassinada enquanto tenta sobreviver em Maceió, Jady nos conta temer também a Covid-19. O risco de adoecer é constante e não afeta somente as garotas de programa. Jady diz ter tido uma queda no número de clientes atendidos, prejudicando a sua renda mensal adquirida.

“O coronavírus me assusta muito, não só a mim, mas também a todas. Eu sempre tô com álcool e gel máscara. Mas mesmo assim assusta. A pandemia reduziu muito antes eu atendia de quatro a seis clientes por dia. Agora se você atende um já é muito”, revelou.

"Não faço no meu programa é usar entorpecente com os clientes, que é o que aparece. Muitas vezes nem beijos também não gosto”


Apesar de muitas pessoas romantizarem histórias de sobrevivência como as relatadas nesta reportagem, as mulheres aqui ouvidas deixam claro como é difícil tentar sobreviver em um mundo onde fecham as portas e não te dão oportunidade apenas por ser quem você é.

“Minha maior dificuldade é a sociedade que ainda nos exclui e acha que nós não somos capazes de executar qualquer função. Então não dá oportunidade para que nós possamos mostrar que também somos cidadãs, que merecemos oportunidade como quaisquer outros, não é por falta de qualificação, é de oportunidade, porque qualificação nós temos e muito”, desabafou Jady.

Questionada se recebia assistência social por parte do Governo Estadual ou da Prefeitura, a resposta foi negativa.

"Não teve nem uma assistência social, agora mesmo tá tendo aqui na grota do Rafael o programa Vidas Nova nas Grotas. Eu pedi uma oportunidade de serviço e me foi negada, o motivo eu não sei. Foi que nem eu falei anteriormente, qualificação temos, mas não dão oportunidade pra nós, trans”, protestou.

*Com supervisão da Editoria