Após mais de um ano de pandemia, aulas online causam impacto na educação das crianças
Mais de 5 milhões de crianças e adolescentes ficaram sem aulas presenciais no Brasil
Um ano e dois meses de pandemia. Neste período, 5,1 milhões de crianças e adolescentes ficaram sem aulas presenciais no Brasil, tendo acesso apenas à modalidade online e, ainda assim, os alunos mais pobres e vulneráveis não conseguiram ter acesso ao ensino remoto.
Os dados são de uma pesquisa da Unicef e do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), divulgada em abril deste ano. O estudo compilou dados da educação até novembro de 2020, com o foco em crianças e adolescentes de 6 a 17 anos.
Em Maceió, as escolas das redes públicas estadual e municipal ainda estão com aulas online, enquanto que as particulares já estão funcionando de maneira híbrida, fazendo o revezamento entre virtual e presencial.
Ainda não foram divulgados dados específicos sobre a educação básica em Alagoas, mas o portal 7Segundos entrevistou um especialista e pais, para obter uma análise preliminar sobre o assunto.
A psicóloga especialista em psicopedagogia e neuropsicologia, Patrícia Dantas, explicou que a falta das aulas presenciais pode afetar o desenvolvimento de crianças de até sete anos e, entre 10 e 12 anos, pode gerar distúrbios de ansiedade.
“Na primeira infância, a parte mais afetada é a fala e a psicomotricidade, é a melhor época para desenvolver a linguagem. Após os sete anos, o desenvolvimento é contínuo e é o momento de aprender a ler e escrever. Nesta época, a criança começa a perceber a importância das relações sociais, percebendo as emoções. Como estão em casa, a tendência é passar mais tempo em frente às telas, algo que pode criar um déficit de atenção e prejudicar o desenvolvimento social”, detalhou.
Patrícia contou que, dos 10 aos 12, já existe uma noção da importância de estudar, então, com as aulas à distância, o aluno tende a pensar que não está estudando da forma correta ou a quantidade que deveria. “Muitos se cobram por isso. É algo que pode levar a transtornos de ansiedade”.
“Os pré-adolescentes e adolescentes estão com essa percepção de não conseguirem dar conta de aprender. Também ficam sem o contato pessoal com os amigos. Isso é algo que, quando mais jovens, faz com que as crianças fiquem mais isoladas e tenham dificuldades de fazer novas amizades. Tem algumas que já estão vendo outras pessoas como vírus, por conta do medo de contaminação”.
A psicóloga afirma que quanto mais jovem, maior é o impacto causado pelas consequências da pandemia. Ela conta que muitas estão desenvolvendo Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), principalmente em relação à limpeza.
Reforço entra como alternativa
Patrícia explicou que o apoio dos pais precisa estar presentes neste momento e ajudar a criança a se desenvolver, tanto com atividades escolares, quanto lúdicas.
Como foi o caso do pequeno Levi, de 4 anos. Quando começou a pandemia, ele ainda estava na creche e, como não tinha referência de uma sala de aula, na hora de se adaptar ao virtual, teve problemas. “O acompanhamento dos pais é importante, mas é diferente do professor. Depois de mais de um ano de pandemia, colocamos ele num reforço presencial, para que não atrasasse o aprendizado”, relatou Jefte Lima, pai da criança.
Jefte disse que, no reforço, são seguidos todos os protocolos de segurança e que as aulas são por hora marcada, tudo isso feio por uma pedagoga do ensino infantil que, durante este período, resolveu prestar o serviço para ajudar as crianças do interior de Alagoas.
“Aulas online são inviáveis. Levi não se concentra de jeito algum. Estava muito agitado, com a rotina curta. Depois do reforço, ele desenvolveu uma tolerância maior e está conseguindo fazer as atividades do reforço e da escola com mais facilidade. Além disso, nós também brincamos bastante, fazemos atividades de pintura com ele, algo que gosta muito”.
Levi já está na fase de aprender a escrever letras e números, mas ainda não está na fase de alfabetização. Jefte acredita que o filho estaria mais adiantado, se não fosse a crise de saúde mundial. “Se os pais não sentarem com os filhos para fazerem atividades mais funcionais, mais práticas, o retorno à escola vai ser complicado. Levi não vai ser pego de surpresa”.
Com uma professora em casa é mais “fácil”
Neste momento, quando se é pai ou mãe e professor ao mesmo tempo, é necessário ter uma estratégia para conseguir conciliar dar aulas online e fazer com que seu filho consiga assistir e prestar atenção aos encontros virtuais com a turma.
Elisabeth Santos é a protagonista de um desses casos. Ela é professora da rede municipal e a filha, Larissa, de 6 anos, estuda na particular, atualmente, está no primeiro ano do ensino fundamental. “É bem complicado, mas vou conciliando, dando suporte a ela e aos meus outros alunos, que às vezes aguardam um pouco”.
“Ela reclama bastante e tem dificuldade de manter horário, justamente por conta dos atrativos de casa, como a TV, lanches, querer brincar do lado de fora, etc. Sempre querendo fugir da aula”, relatou.
Elisabeth contou que utiliza a psicologia do reforço positivo, na qual consiste em recompensar a criança para realizar certa atividade, como motivação para que a tarefa seja concluída. “Nós fazemos esses combinados. Hoje, ela tem aula online quatro vezes na semana e gravada apenas uma vez”.
A escola que Larissa estuda já está com alguns dias presenciais, mas, para não deixar de ver a avó, que integra o grupo de risco da Covid-19 e só tomou a primeira dose da vacina, ela não quis voltar ao presencial ainda. “Meu medo é só em relação à socialização, com alguns alunos ‘segregando’ os que entram depois”.
“Hoje ela entende a necessidade das medidas de segurança, mas no começo foi complicado. Acredito que, quando retornar ao presencial, ela vai conseguir seguir as recomendações”, afirmou.
A mãe relatou que a criança não tem encontrado dificuldades para aprender, uma vez que consegue dar todo o suporte necessário, seja com a formação como educadora, seja por meio da tecnologia. “Larissa conseguiu aprender a ler e escrever no ano passado. É uma das que consegue na turma dela. Também uso alguns aplicativos e jogos para complementar a educação”.
Como diminuir os impactos nas crianças?
A psicóloga Patrícia disse que é importante para o desenvolvimento da criança a realização de atividades psicomotoras, que trabalhem a coordenação, equilíbrio, memória, percepção visual, dentre outros. “Com o auxílio de um adulto, você pode ensinar a criança a andar na linha, pular de uma cadeira para outra, fazer trabalhos de reciclagem e pintura, etc. Quanto mais acessível for o recurso, melhor”.
Patrícia conta que é bom que as crianças entendam que conseguem fazer as coisas. Também citou a ajuda na cozinha como um dos fatores em potencial dentro do ambiente doméstico, que podem ajudar a superar o isolamento. “Provar os alimentos, sentir as texturas das frutas ou, até mesmo, dependendo da idade, fazer alguma comida. Além disso, as brincadeiras em casa e as videochamadas em família são essenciais”.
Ela também aconselha aos professores que utilizem recursos que fazem parte da realidade das crianças, para conseguirem prender mais a atenção delas.
Outros problemas
A psicóloga também faz o alerta que a diversão não estimula a parte cognitiva do cérebro. Segundo ela, o tempo passado em frente às telas força a visão, fazendo com que muitas crianças precisem de um oftalmologista logo cedo. Além disso, tem a administração do sono, uma vez que as telas foram projetadas para nos manter acordados, algo que acaba gerando prejuízo na hora de dormir.
“O fato de a criança dormir mais tarde interfere no crescimento físico e na qualidade de vida dela, porque essas funções que precisam ser organizadas e restauradas durante o sono não estão sendo feitas da maneira correta”, detalhou.
Ainda assim, com todos esses contrapontos, ela se posiciona contra a volta às aulas antes da imunização. “Se não for dessa forma, não vejo vantagem. Com a vacina e mantendo os cuidados, aí vejo possível o retorno. Mas existem duas realidades: a pública e a particular. É preciso preservar a vida em todos os casos, sem aglomerações dentro das salas”.