Lei Mariana Ferrer é mais educativa e não traz mudança prática nos tribunais, analisa criminalista
A lei foi criada após o episódio em que a influenciadora digital, Mariana Ferrer, denunciou ter sido dopada e estuprada durante uma festa

A Lei Mariana Ferrer (14.245) entrou em vigor no dia 23 de novembro de 2021 e prevê a punição para atos que ocorram contra a dignidade de vítimas de violência sexual ou das testemunhas no curso do processo. A lei foi criada após o episódio em que a influenciadora digital, Mariana Ferrer, denunciou ter sido dopada e estuprada durante uma festa e, durante o julgamento do caso, a defesa do réu utilizou da vida pessoal da influenciadora e de fotos íntimas para colocar em dúvida o caráter dela. O réu foi inocentado.
A Lei altera o artigo 344 do Código Penal, que fala sobre coação no processo, aumentando a pena de um terço até a metade se envolver crime contra a dignidade sexual. Altera ainda o artigo 400 – acrescentando o 400A - do Código de Processo Penal (CPP), onde fala sobre os procedimentos dos julgamentos, dentre eles, a de caber ao juiz indeferir provas que ele julgue impertinentes ou irrelevantes.
A mudança no artigo 400 acrescenta que, durante a audiência de instrução ou julgamento, em especial quando se tratar de crimes contra a dignidade sexual, todas as partes do processo deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativo.
Acrescenta ainda que são proibidas manifestações que não estejam relacionadas com a apuração dos fatos e a utilização de linguagem, informações ou material que ofendam a dignidade das vítimas e testemunhas. A mesma alteração ocorreu para o artigo 81 da lei que dispõe sobre os juizados cíveis e criminais.
Para o advogado criminalista e secretário-geral da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim-AL), Marcelo Medeiros, a Lei Mariana Ferrer não trará mudanças práticas nos tribunais quanto a responsabilização de quem atentar contra a dignidade das vítimas nos julgamentos. Isso porque ela traz mecanismos que já existem nas normas jurídicas brasileiras.
“Essa lei não traz nenhuma relevância prática, significativa, não traz novidades. Ela é midiática e sensacionalista. Não é necessária nenhuma lei para dizer algo que nós já sabemos. Ela não vai mudar em nada porque essa lei é mais uma norma programática, educativa do que deve se esperar de um agente”, afirma o criminalista.
Segundo o criminalista, o dispositivo trazido na Lei Mariana Ferrer já é previsto no Código de Processo Penal (CPP), no parágrafo primeiro do artigo 400, que trata do momento dos depoimentos das testemunhas, das vítimas, do réu e de peritos. “As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”.
“É questão de ética e questão também prevista no Código de Processo Penal que qualquer tipo de discussão no processo ele tem que versar, naturalmente, sobre o objeto da ação. E a questão do respeito e à dignidade da vítima e da testemunha, isso naturalmente tem que ser feito em qualquer situação de processo. Vítimas de qualquer tipo de processo, não somente aquelas de crimes sexuais têm que ter sua dignidade respeitada, o réu, e a testemunha”, explica o criminalista.
Medeiros explica ainda que mesmo antes da Lei Mariana Ferrer, atos como o que ocorreram com ela já era passível de responsabilização para o magistrado e promotor, tanto no âmbito criminal, como cível e administrativo.
“É indiscutível que o ato que o magistrado e o promotor praticaram no caso da Mariana Ferrer é completamente deplorável e independentemente da vigência dessa lei é completamente possível a responsabilidade de promotor, juiz e advogado, tanto no âmbito criminal, administrativo – com representação perante suas corregedorias – como também a responsabilidade civil. Não é preciso norma como essa ter surgido para reforçar algo que já está escrito direta e indiretamente na nossa legislação, no CPP, na Lei orgânica de Magistratura, nas normas que já regem o comportamento dos profissionais da área de Direito como o advogado o promotor e o juiz”, diz.
Além disso, mesmo já prevendo responsabilização para casos como o de Mariana Ferrer ou coação no curso do processo penal em qualquer outro tipo de crime, Marcelo Medeiros destaca que a efetiva punição para os agentes de Justiça, como magistrado e promotor é difícil de acontecer.
“O problema não é a proibição porque, independente dessa lei, já é proibido. Juiz e promotor podem ser responsabilizados. A questão é a prática, a operação. É muito difícil responsabilizar juiz e promotor. Problema não é de norma, é de aplicabilidade. Tanto com essa norma nova, quanto a anterior, a coisa mais difícil é responsabilizar juiz e promotor. E a lei não trouxe nenhuma novidade que facilite a responsabilização de promotor e juiz”, finaliza Medeiros.
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