MPT e MPE adotam medidas em defesa dos direitos coletivos de 150 famílias de marisqueiras
Para garantir viabilidade da comercialização do sururu e combater o trabalho infantil, instituições ministeriais buscam meios de facilitar acesso a serviços públicos
“A gente quer viver do nosso trabalho. Nós somos filhas de marisqueiras e pescadores. Não vamos perder nossa identidade, porque assim crescemos, assim fomos criados. Foi no dia a dia de trabalho, de luta, que conhecemos todo tipo de marisco, de peixe. Nossa origem”. Com essas palavras, a líder comunitária Lourivane Teixeira, conhecida por Vânia, motivou o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público do Estado (MPE) de Alagoas a se unirem e adotarem medidas em defesa dos direitos de 150 famílias de marisqueiras que foram realocadas da antiga Favela Sururu de Capote, localizada na orla lagunar de Maceió, para o conjunto Cidade Sorriso I, no bairro do Benedito Bentes.
Nesse sentido, no próximo dia 26, ocorrerá uma audiência intersetorial designada pela Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do MPT e pelas 11ª e 61ª Promotorias de Justiça da Capital. Na pauta, a adoção de políticas públicas e ações estratégicas voltadas à efetivação de direitos dessas famílias, tais como educação, saúde, moradia, transporte, assistência social, profissionalização, trabalho. Também serão discutidos o acesso a programas de transferência de renda do governo federal e ações efetivas voltadas a combater o trabalho infantil.
Devem participar da audiência a Secretaria Municipal de Educação de Maceió, a Secretaria Municipal de Saúde, a Secretaria Municipal do Trabalho, Abastecimento e Economia Solidária, a Secretaria Municipal de Assistência Social (Diretoria de Proteção Básica e de Proteção Especial), a Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social, a Secretaria de Estado da Educação e a Secretaria de Infraestrutura de Alagoas.
A audiência será realizada no prédio-sede das Promotorias de Justiça da Capital, no bairro do Barro Duro, a partir das 9h.
Sem direitos básicos
Desde a realocação para a parte alta da cidade, as trabalhadoras enfrentam dificuldades para exercerem a coleta, o manejo e a comercialização do sururu. Elas também contam que têm os direitos sociais à educação, saúde, moradia, transporte, assistência social, profissionalização e trabalho cotidianamente desrespeitados pelo poder público do Município de Maceió e do Estado de Alagoas.
Em audiências realizadas nos meses de fevereiro e março, o MPT e o MPE tomaram conhecimento de que faltam vagas em creches e escolas para os filhos das marisqueiras; as famílias estão sem acesso a serviços de saúde; o transporte público opera com deficiência na região; há problemas no cadastro das famílias no Cadastro Único (CadÚnico), que as impede de receber benefícios de programas de distribuição de renda; e o galpão onde elas manejam o sururu está em condições precárias e sem qualquer estrutura física ou ambiental para o exercício da atividade.
Os obstáculos para trabalharem com o marisco e a limitação de serviços públicos obrigatórios levaram as famílias a uma situação de “extrema vulnerabilidade socioeconômica”, conforme apuraram os Ministérios Públicos.
Adoecimento e trabalho infantil na comunidade
As consequências vão da insegurança alimentar a problemas de saúde mental na comunidade, com registro de casos de suicídios diretamente relacionados ao cenário de abandono do poder público. Também aumentaram os números de trabalho infantil e de marisqueiras que procuraram outros meios de sobrevivência, como a catação de resíduos sólidos e a mendicância.
"Estamos diante de um grave quadro de violação sistemática de direitos fundamentais dessas famílias, crianças e adolescentes, pelos poderes públicos municipal e estadual. A situação constatada de extrema vulnerabilidade socioeconômica decorre claramente da ausência do Estado e da adoção de políticas públicas que resgatem a cidadania e dignidade dessa parcela da população que foram submetidas a uma séria de violências estruturais. São 150 famílias que foram colocadas à margem da proteção social básica, com mais de uma centena de crianças e adolescentes sem acesso à educação, por ausência de vagas em creches e escolas, muitos em situação de trabalho infantil em suas piores formas, como a catação de marisco, a venda de produtos nas ruas e logradouros públicos, a catação de resíduos nos lixões, a mendicância nas ruas”, detalhou a procuradora do MPT Cláudia Mendonça, vice-coordenadora nacional da Coordinfância.
Segundo a promotora de Justiça Alexandra Beurlen, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público do Trabalho já eram referência para as marisqueiras em virtude de outras ações institucionais que promoveram junto à cadeia produtiva do sururu, na orla lagunar. “A articulação entre as instituições começa pela origem da violação de direitos diversos dessas mulheres, que foram retiradas do ambiente de catação de sururu, a raiz do trabalho delas”, disse a titular da 11ª Promotoria de Justiça da Capital, que lida com crianças e adolescentes em conflito com a lei.
“Ao ouvirmos as demandas das marisqueiras, constatamos que muitos direitos humanos dessas mulheres não estão sendo observados e que a gente precisa cobrar de fato dos órgãos públicos. Vamos buscar pontuar as prioridades para avançar judicial ou extrajudicialmente para que elas não fiquem sem respostas”, completou a também promotora de Justiça Karla Padilha, titular da 61ª Promotoria de Justiça da Capital, que atua na área de Direitos Humanos do MPE.
Educação e saúde
Para combater o trabalho infantil das crianças e adolescentes na catação do marisco, na coleta de resíduos sólidos e na mendicância, o MPT solicitou à Secretaria Municipal de Educação de Maceió (SEMED) a priorização da matrícula dos filhos das marisqueiras originárias da Favela Sururu de Capote na ocupação de vagas de creches e escolas no Conjunto Cidade Sorriso I. A princípio, a medida beneficiará crianças de 0 a 6 anos incompletos.
Já para afastar os adolescentes do trabalho infantil, o MPT pediu às marisqueiras os nomes dos adolescentes e jovens adultos para inclui-los em Programas de Aprendizagem Profissional das empresas em descumprimento da cota obrigatória de contratação de jovens aprendizes.
Quanto à insegurança alimentar, após pedido do MPT, o Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN) em Alagoas realizou avaliação nutricional das crianças nos dias 20 e 21 de março e no dia 3 de abril, no próprio Conjunto Cidade Sorriso I.
Por meio de articulação do MPE, um grupo de profissionais da saúde das áreas de Medicina (Psiquiatria), Psicologia, Fisioterapia, Bioenergética e de terapias diversas se disponibilizou a atender voluntariamente a comunidade de marisqueiras prejudicadas pela realocação.
Perdão de dívidas
Em audiência realizada no MPT, as Colônias de Pescadores das Zonas 5 e 16 se comprometeram com a remissão dos débitos existentes na entidade, em nome das marisqueiras que eram oriundas da Sururu de Capote e que foram realocadas na Cidade Sorriso I.
As entidades submeterão às respectivas assembleias gerais a decisão de remissão dos débitos para formalizar o compromisso firmado com o MPT. As colônias também deverão realizar cadastramento/recadastramento das marisqueiras, com filiação das trabalhadoras.
Escuta das famílias
No dia 23 de fevereiro, MPT e MPE receberam as famílias originárias da Favela Sururu de Capote parar articulação das políticas públicas voltadas ao resgate da cidadania dessa parcela da população. A escuta ocorreu no prédio-sede das Promotorias de Justiça da Capital, localizado no bairro do Barro Duro.
Na ocasião, a marisqueira Vânia Teixeira narrou as dificuldades enfrentadas pelas 150 famílias que hoje vivem no Conjunto Cidade Sorriso I: “Outras comunidades ao redor da gente, que não conhece o que é o manejo do sururu e da pesca, acha isso nojento, imundo, que não presta. Mas é a nossa vida, nossa raiz. Não adianta tirar o índio da mata sendo que ele sobrevive dela. A gente saiu, mas nunca vai deixar a catação, a pesca. Somos indígenas, somos quilombolas que saíram do interior, se embrenharam numa favela para tentar uma vida melhor. Daí a gente se aperfeiçoou neste trabalho, sem perder nossa identidade. Agora segue do mesmo jeito”.
“Do município e do estado, a gente espera que seus órgãos façam algo por nós. Então quando viram que nada seria feito, as marisqueiras se uniram e começaram a gritar pelo Ministério Público. A gente precisa do mesmo apoio que o pessoal que está na beira da lagoa recebe, porque a gente depende da catação e da pesca, em nenhum momento nos afastamos das nossas origens”, concluiu.