Justiça

MP investiga venda de hotel que pode ameaçar símbolo turístico de Maceió

O projeto da construtora Record, que adquiriu o local, é erguer prédios residenciais na área

Por Uol 08/11/2023 11h11
MP investiga venda de hotel que pode ameaçar símbolo turístico de Maceió
Lagoa da Anta dentro do Hotel Jatiúca, em Maceió - Foto: Divulgação

O MP (Ministério Público) de Alagoas abriu investigação sobre a venda e o que será feito com o Hotel Jatiúca, marco inicial e símbolo do turismo em Maceió, cidade mais vendida como destino turístico do país, segundo rankings recentes da CVC e da Decolar.

A notícia da venda foi feita pelo site local Agenda A e abriu de imediato uma crítica sobre a falta de debate e eventuais riscos urbanísticos à área de 62 mil m², que entrelaça construções baixas, coqueiros e a lagoa da Anta. Parte da área tem acesso público. O hotel segue funcionando normalmente.

"O MP já se antecipou para colher dados formais sobre esse empreendimento imobiliário, onde ele será e quais são as pretensões. A ideia é fazer uma atuação preventiva." Jorge Dória, promotor.

Para conseguir às informações, o MP mandou ofícios aos grupos vendedor e comprador e à Semurb (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo) e deu prazo de 15 dias para resposta. "Queremos saber se o projeto não desconfiguraria o bem paisagístico do local; e a partir daí, tomar providências."

Por que o debate

O projeto da construtora Record, que adquiriu o local, é erguer prédios residenciais na área. O receio dos urbanistas é como serão esses prédios e de que forma eles podem impactar a paisagem e o passeio de uma das principais praias da capital alagoana.

Além disso, há um apego histórico do maceioense ao hotel que foi inaugurado em 1979 (veja mais abaixo) e fez o turismo crescer na cidade, atraindo artistas e turistas.

"Do ponto de vista de paisagem, é um local muito rico, é o marco zero do turismo no estado. Dali surgiu o bairro, e a falta de debate do que vai ser feito naquele é muito estranho." Dilson Ferreira, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) 

A preocupação de especialistas e do MP é porque dentro do resort hoje não há prédios altos (no máximo dois andares), preservando a paisagem e vista para o mar, além de manter áreas verdes e passeios públicos, como a ciclovia em seu entorno.

Dilson explica que o Estatuto das Cidades —marco que rege os planos diretores e debate urbanístico no país— obriga que intervenções privadas de empreendimentos tenham de realizar estudos de impacto de vizinhança, e isso estaria sendo ignorado na cidade.

"Você tem que apresentar e escutar a comunidade, não pode ser sigiloso. Se a construtora diz que é um projeto em que essa harmonia não vai ser quebrada, que o uso público do hotel não vai ser quebrada, que o uso público do hotel não vai ser quebrado, porque é secreto?" Dilson Ferreira.

Prefeito à época da inauguração do hotel, Fernando Collor também comentou, em entrevista ao seu jornal Gazeta de Alagoas, a preocupação com a mudança de rumos do local 

"A construção do hotel preservou os coqueiros e, para cada um coqueiro que tivesse de ser derrubado, foram plantados outros dez. Então, tivemos toda uma especial preocupação para impulsionar o turismo de nossa cidade, mas com respeito à natureza. Temos que estar atentados para que projetos sem essa visão de compromisso transforme o Jatiúca em uma selva de pedras." Fernando Collor

A bióloga e ativista Neirivane Nunes explica que há uma preocupação com o projeto porque haveria histórico de outros empreendimentos que "desconsideram totalmente a legislação ambiental, ignoram o Código Municipal de Meio Ambiente de Maceió e o seu plano diretor."

"Qualquer intervenção em uma região ambientalmente frágil pode resultar em danos irreversíveis. A lagoa da Anta historicamente já vem sendo ameaçada. Além de tudo isso, o controle social sobre o que é feito na cidade é desrespeitado: não há audiências públicas, nem apresentam os estudos necessários." Neirivane Nunes

Habitações sim, mas projeto em estudo

Em contato com o UOL, o diretor comercial da construtora Record, Wagner Andrade, confirmou que haverá, sim, imóveis residenciais na área, mas diz que o debate ainda está em fase inicial.

"Não existe um projeto definido ainda. Estamos em um processo de estudos. Mas vamos manter 80% de tudo que está lá, melhorando, preservando área verde e atualizando o empreendimento hoteleiro, mas com algumas unidades habitacionais." Wagner Andrade

Ele diz que a compra abriu uma uma "especulação imensa" sobre o projeto, inclusive com argumentos de riscos ambientais —que seriam mentirosos.

"Tem gente falando bobagens que vamos derrubar [coqueiros], aterrar [a lagoa]. É conversa de gente que não tem o que fazer, alguns que queriam era ter feito esse negócio." Wagner Andrade

O UOL tentou contato com o diretor do hotel Jatiúca, mas não houve retorno.

A Semurb informou que não havia recebido, até esta terça-feira (7), nenhum processo para a construção no hotel Jatiúca. "Mediante a isso, não é possível, ainda, a análise de possíveis impactos ambientais e urbanísticos na região pela ausência da apresentação de projetos a serem realizados no local."

Sobre o hotel

O Hotel Jatiúca S.A. pertencia ao grupo Arthur Lundgren Tecidos S.A., da família que controla as Casas Pernambucanas. Ele foi construído no final dos anos 1970 e inaugurado em 1979.

O resort tem uma grande estrutura e ocupa uma área mista: a parte entre a lagoa e o mar é de domínio da União para uso do hotel; e a outra parte foi comprada de um loteamento que existia ao lado da lagoa.

A cessão da área foi feita pelo poder público com a ideia de alavancar o turismo em Alagoas nos anos 1980, e a missão parece ter dado certo: o resort foi pioneiro no Brasil em instalações beira mar e até hoje é um dos únicos urbanos "pé na areia" do país.

A boa fama fez o hotel ser visitado frequentemente por artistas e colocou Maceió no roteiro de realização de grandes eventos. Isso ajudou a colocar a capital alagoana como destino turístico importante no Nordeste.

O bairro se urbanizou na esteira do hotel e se desenvolveu: segundo o índice FipeZap+, tem hoje o 5º metro quadrado mais caro do Nordeste (R$ 8,7 mil). É lá que estão diversos outros prédios, hotéis (simples ou de luxo), restaurantes e pontos de artesanato e comidas típicas.