Jovens escravizados na Ásia eram obrigados a dar golpes pela internet
Phelipe Ferreira e Luckas Santos aceitaram promessas falsas de emprego e acabaram vítimas de tráfico humano de uma máfia em Mianmar
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Os brasileiros Phelipe de Moura Ferreira e Luckas Viana dos Santos, mantidos reféns por três meses por uma máfia de golpes cibernéticos em Mianmar, no Sudeste Asiático, eram obrigados a aplicar golpes em outros brasileiros. Eles tinham que se passar por uma modelo chinesa que pedia ajuda financeira e, caso não o fizessem, podiam sofrer punições que incluíam até eletrochoques.
É o que revelou Phelipe Ferreira em entrevista ao g1 sobre a rotina de escravidão em KK Park. Ele se tornou vítima de tráfico humano após aceitar uma falsa oferta de emprego em novembro de 2024. O local é considerado uma "fábrica de golpes online". Segundo ele, havia um roteiro a ser seguido. "Nesse script, a gente perguntava ao cliente, no primeiro dia, informações como nome, idade, país onde morava, se era solteiro, casado, viúvo, com o que trabalhava e o salário. Já no quarto dia, a gente pedia uma ajuda. Falava que trabalhava numa plataforma online chamada Wish e, se ele ajudasse, ganharia uma comissão de 30 dólares", contou.
No outro dia, eles voltavam a pedir ajuda. O cliente ganhava a comissão, só que, dessa vez, tinha que terminar de fazer algumas tarefas na plataforma e precisava fazer recargas. Era aí que a gente começava a tirar o dinheiro do cliente. A primeira recarga era de 150 dólares, a segunda, 500 dólares... até completar o valor de 5 mil dólares.
O jovem também contou que, por ser brasileiro, foi obrigado a aplicar golpes em outros brasileiros. Ele lembra sempre que terminava o turno e chorava no quarto. "Fiz a parte dos brasileiros e tentei enganar tanto mulher como homem, mas brasileiro é mais inteligente. Então, eles já sabiam que aquilo era golpe. Mas o pessoal de outros países, como Rússia, Ucrânia, países da América, era mais fácil de enganar".
Phelipe relatou que uma cliente do Caribe chegou a sofrer golpe de um chinês de 350 mil euros. Ela fez empréstimo e comprou uma casa, porque o golpista prometeu que viajaria ao Caribe para viver com ela. Depois, a máfia queria que o brasileiro tentasse extorquir mais dinheiro dela. "Eu tentava desviar o assunto com ela, mas meu antigo líder falava: 'Não, a gente vai ter que dar golpe, ela é rica'. Eu tentava procurar gente mais pobre para não dar certo o golpe, mas aí eu poderia ser punido. Era horrível", conta.
Segundo Phelipe, ele e outros imigrantes trabalhavam, em média, 16 horas aplicando golpes cibernéticos, e eram monitorados a cada 10 minutos. "Às vezes, a gente trabalhava 22 horas por dia. A gente tinha líderes de equipe, todos chineses, que monitoravam a gente a cada 10 minutos. Se não cumprisse aquela meta, no final do mês eu ia receber a punição. A punição era eletrochoque, espancamento ou squat down, que é fazer agachamento. Recebi punição três vezes", conta.
O brasileiro ressaltou que não chegou ser eletrocutado nem espancado, mas recebeu três vezes a punição de fazer agachamento. "Tive que fazer, na primeira vez, 100 agachamentos em cima de uma plataforma que tinha uma espécie de prego na parte de cima. Na segunda punição, foram 300 vezes e, na terceira punição, foram 500 agachamentos". Depois, ele mal conseguia andar: "A minha perna travou, mas, mesmo assim, eu tinha que trabalhar".
Phelipe viu outros reféns sofrendo agressões e chegou a pensar que uma hora seria morto. No quarto dele, havia um homem de outra nacionalidade que tentou escapar sozinho e, ao ser pego, foi espancado durante 20 dias, levou eletrochoque e foi preso. Segundo ele, o homem depois ficou preso à cama de ferro com pés amarrados. "Eu pensava: 'Vão matar gente'. Meu maior medo era levar choque. Porque eu sei que levar choque pode matar a pessoa. O meu maior medo era esse", ressaltou.
Phelipe contou que, dias após chegar no local, soube que havia outro brasileiro e que estava preso. "Fui saber do Luckas três dias depois que cheguei. (...) Me falaram que ele não queria trabalhar e que o prenderam. No mesmo dia, eu estava indo para o meu dormitório, errei a porta e vi o Luckas lá amarrado com as duas mãos em um quarto todo escuro" ,disse.
Apesar de proibidos de se comunicarem por serem da mesma nacionalidade, Luckas e Phelipe se aproximaram e combinaram a fuga juntos. A fuga foi combinada pelos reféns, que conseguiram avisar familiares e ativistas sem que fossem descobertos pelos mafiosos, que monitoravam tudo. Após fugirem, eles foram detidos por agentes do DKBA (Exército Democrático Karen Budista) e levados a um centro de detenção. Três dias depois, foram transferidos para a Tailândia, onde aguardaram a embaixada brasileira.
"A gente planejou a fuga três vezes. A primeira seria no dia 1º de janeiro, quando deram uma folga pra gente. A segunda, a gente tentou no Ano Novo chinês, em 28 de janeiro, só que ficamos sabendo que teriam mais de 500 guardas no rio. Então, planejamos para o dia 8", disse Phelipe.
Na fuga, um guarda veio atrás dele com um facão e mandou que voltasse. Todos foram levados para um quarto, onde ficaram durante um dia. "O meu antigo chefe entrou no quarto com o meu antigo líder e espancou a gente. Nesse momento, eu já não tinha mais esperança. Mas, depois de um dia lá, a tribo Karen entrou e resgatou a gente. Nesse momento, chorei tanto, mas tanto", lembrou.
Agora, Phelipe só quer voltar para casa e esquecer o que viveu. "Ver pessoas sendo espancadas, levando choque, ver o Lucas ser espancado e não poder fazer nada. Aquilo me machucava bastante. Sempre ia para o meu quarto chorar, porque não aguentava. Agora, quero descansar, terminar minha faculdade e fazer tratamento psicológico para esquecer", disse.
O jovem alerta ainda sobre os cuidados necessários para que outras pessoas não caiam em armadilhas e virem vítimas de tráfico humano. "Vim para cá com um sonho, que foi destruído. O alerta que tenho para dar é sempre procurar saber mais sobre a empresa que você vai trabalhar e se é realmente legalizada", diz.
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