Samara: de Porto de Pedras, em Alagoas, para os holofotes de Cannes, na França
“Essa visibilidade mudou a história da minha vida, e eu vou mudar a da minha família ”, afirma atriz alagoana
Natural de Porto de Pedras, região Norte de Alagoas, filha de um pescador e de uma professora, Eduarda Samara, 19, é atriz desde os seus 14 anos.
Sua primeira experiência profissional como atriz foi para protagonizar o filme “Sem Coração” da diretora alagoana Nara Normande e do pernambucano Tião. Eduarda mal sabia que esse convite seria somente a porta de entrada da arte cenica na sua história.
O filme lançado em 2014, venceu o prêmio de melhor curta, que é chamado de “Prix illy du court métrage”. A mostra é voltada para trabalhos de autores estreantes e revelações de diversas partes do mundo. Narrado em ambiente litorâneo no Norte alagoano, São Miguel dos Milagres e Porto de Pedras, fez parte da programação da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, naquele ano.
Eduarda também recebeu um segundo convite para participar do filme “O cineasta” de Leandro Martins, que conta a história de dois adolescentes, Luiz e Augusto, que descobrem as inúmeras possibilidades audiovisuais presente em um smartphone de última geração. Ainda que o filme tivesse pouco orçamento Eduarda aceitou participar dele na esperança de obter maior visibilidade no ramo.
A ideia foi certeira, agora aos 19 anos, Samara foi convidada a fazer parte do filme de um dos maiores diretores brasileiros, Kleber Mendonça Filho, em parceria com Juliano Dornelles. O filme em questão é “Bacurau” que reflete a história de um pequeno povoado do sertão que sofre com a morte de Dona Carmelita, uma mulher muito querida na cidade, dias depois, os moradores perceberão que a comunidade não está mais nos mapas, além do quê sofrerão com uma série de assassinatos.
Vencedor do prêmio do Jurí, em maio, no maior festival de cinema da França em Cannes. Eduarda interpreta Madalena que sofre com o falecimento de sua avó, no pequeno povoado do sertão do Seridó. Quando aceitou fazer parte do filme ‘Sem coração”, sua primeira experiência, não podia imaginar que anos depois daria um salto ainda maior na sua carreira. Em “Bacurau”, além da oportunidade de contracenar com atores renomados no cinema nacional, foi considerado um dos filmes brasileiros mais aclamado do festival, tem estreia prevista nos cinemas para o dia 29 de agosto. Eduarda Samara engata a sua vida profissional como a única atriz alagoana a estrear em um dos maiores festivais de cinema, o de Cannes.
Veja, abaixo, a entrevista completa com Eduarda Samara.
Quando o filme estreou em Cannes, você foi vista por atores hollywoodianos, cineastas e diretores influentes, como você reagiu a essa visibilidade?
A primeira vez que isso aconteceu foi em 2014, e eu não imaginava a dimensão desse festival nem os caminhos que me levaria a ele. Hoje minha visão do festival e dimensão é outra, completamente distinta da que eu tinha com 14 ou 15 anos de idade. Eu vejo isso como oportunidade de igualdade, sabe? Como afirmação o cinema brasileiro consegue chegar lá, chegar ao patamar dos filmes de Hollywood já que é o maior na questão de investimento, porque se formos comparar o investimento de um filme hollywoodianos com um filme brasileiro a diferença é enorme. Com 14 ou 15 anos eu não soube responder, mas agora sim, é grandioso, é maior do que imagino, é um festival de cinema mundial, o mundo todo está concentrado ali. Agora eu tenho outra visão, tenho certeza de que essa visibilidade mudou a história da minha vida, e eu vou mudar a da minha família.
Você que é mulher, negra, nordestina e interiorana, de certa forma acaba representando muitas meninas da sua idade que tem o mesmo sonho. Como você enxerga essa representatividade?
Eu sou preta, alagoana e moro no interior, onde as pessoas têm a mente fechada. Se você passa por cima de um padrão que a sociedade impõe você é muito julgada, mas nada disso foi empecilho para mim. Há alguns dias fizeram um fã clube para mim, eu nunca pensaria nisso porque embora eu fique muito feliz em mostrar a eles que as coisas são possíveis sim, eu nunca me imaginei com um fã clube. A vida quem faz é a gente, eu podia ter concluído o ensino médio e não ter ligado para esse dom, mas não. Eu optei por correr atrás, independente da situação, seja por questão financeira ou não. Já me perdi por diversas vezes. O filme que eu fiz, “O cineasta”, era um cinema de guerrilha, com um orçamento extremamente baixo, eu não recebi nada mesmo assim, passei um ou dois dias em aeroporto, pois tinha que pegar avião por escala e enfim. A única coisa com a qual eu me preocupava naquela hora, era com o meu trabalho, o que importava era fazer o filme. O diretor Leandro me falou que um dia me recompensaria por tudo isso, disso nunca esquecerei.
Agora mais sobre o filme em si. Em entrevista, o diretor Kleber Mendonça, fez afirmações tais como “ Ele [o filme] se torna relevante porque faz comentários futuristas, quase como uma crônica, ao momento que estamos vivendo, com o governo Bolsonaro”. Você concorda com tal afirmação?
Eu adoraria falar mais sobre o filme, mas infelizmente não tenho permissão, já que ele ainda não estreou no Brasil, mas sim, ele é muito futurista. Eu concordo que é uma crônica aos momentos que estamos vivendo, isso tá visível no filme, por ser um povoado pequeno em que acontecem muitas coisas. Queria muito falar mais, mas não tenho como, de verdade.
Imagino que trabalhar com atores renomados como Sonia Braga, Udo Kier, Silvero Pereira, tenha um peso maior. Você, como atriz que contracenou com eles, pode nos explicar ainda melhor sobre tal experiência?
Não tive muito contato porque não sou muito fluente em inglês, deu para cumprimentar, mas não passou disso. Já Sonia é uma pessoa incrível, até hoje mantemos contato, porque foi uma troca, sabe? Ela me contava sobre tudo o que já passou na vida, o que acabou por me encorajar ainda mais. Teve uma situação nas gravações, eu adoeci e como ela não ia filmar resolveu me acompanhar até o hospital. A gente brincou bastante, ela cuidou de mim, me deu conselhos de técnicas e é uma pessoa que me trouxe muitas coisas boas. Mas no mais, contracenar com quem já está lá em cima, é também intimidante, eu em alguns momentos não me sentia atriz, porque eu os via com uma carga, com uma força, estavam ali sabendo o caminho que os levou. E eu só sabia elogiá-los. Situação engraçada era quando Sonia me olhava, em cena, e balançava a cabeça fazendo sinal positivo. Era maravilhoso.
Você já fez dois filmes dos quais foi protagonista. O primeiro foi “Sem coração” em 2014. Com direção da também alagoana Nara Normande e do pernambucano Tião. O segundo foi “O cineasta”, com direção de Leandro Martins. Já em “Bacurau”, seu personagem, Madalena, já sai desse patamar de protagonista e passa a ser coadjuvante. Como você trabalhou a ideia? A diferença influencia em algo?
Não existe um protagonista, existem os protagonistas, visto que todo mundo tem um peso extremamente forte nesse filme. A história se dá quando minha avó morre, daí tem a Sonia que faz o papel da médica, tem o Americano que é o Udo, todo mundo tem um papel importante. Não faria sentido se um fosse menos importante do que o outro. Tem muito coletivo, não tem muita cena em que um só se destaca. O filme tá lindo, queria tanto expor mais, mas não posso.
Quem te inspira e de onde vem essa força de persistir nesse sonho, que a cada dia parece mais real?
Minha motivação maior é tudo o que eu passei dentro de casa. São as lutas, da minha mãe, do meu pai. Acho que o que me motiva é também a possibilidade da mudança de vida, além, é claro, do meu amor pela interpretação, porque eu sempre digo: fazer cinema e teatro é você viver outras vidas em si mesmas. Acho que as minhas inspirações são as pessoas que eu convivo mesmo. Eu tenho a força da minha mãe, a coragem do meu pai, e a ousadia vem de mim mesma. Para além disso, posso citar mulheres fortes que também me inspiram que são as que eu convivi, como Maeve Jinkings, Barbara Colen, Dandara de Morais, enfim, são várias as pessoas que me inspiram e me fazem acreditar que tudo é possível, porque eu já acredito.